quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Capítulo 19 – Simplesmente Demi - MARATONA


Divulgações:


Só sentimos saudade em português?

Foi muito mais complicado deixar a Krósvia do que ir embora do Brasil. Naquele dia, na festa surpresa no salão de eventos do prédio de meus avós, as despedidas foram dolorosas, mas suportáveis, pois eu tinha me dado um prazo de permanência fora do país. No entanto, no momento em que me vi diante de Irina e Karenina, de Jorgensen e de todos os demais funcionários do castelo, meu mundo virou uma cambalhota. Pois ao virar as costas para aquelas pessoas que se tornaram parte de minha vida, eu não sabia quando — nem se — voltaria a encontrá-las.
Ninguém entendeu direito minha partida repentina. Pedi a meu pai que desse uma desculpa qualquer, mas acabei me justificando de uma forma bem boba: estava com saudade de casa.
Karenina estreitou o olhar e pareceu ver em meu rosto o tamanho da mentira. Sei que desconfiou de algo, mas deixou passar. A ausência de Joe em minha despedida também foi notada e só aumentou a suspeita de todos.
Mais cedo, ainda a sós, meu pai contou que tinha conversado com Joseph logo depois que eu fora dormir. Eles se encontraram no escritório de Andrej no castelo e os dois tiveram um papo de homem para homem, sem considerar a relação afetiva ou o grau de parentesco.
Levei um susto ao saber que Joe havia estado tão perto. Poderíamos ter nos esbarrado, o que me mataria de desgosto. Mas não deixei de me abalar por ele não ter me procurado. Se Joe fosse mesmo inocente, será não tentaria me convencer de qualquer jeito?
Meu pai disse que a conversa só comprovou o que ele já sabia: Joe era tão vítima da situação como eu e estava, além de chocado e com raiva, muito, mas muito mesmo, magoado comigo.
Ora, faça-me um favor! O cara apronta uma megaemboscada para cima de mim e depois vai dar um de coitado com meu pai? Fique sabendo, que mágoa maior do que a minha estava para existir!
— Escute o que estou dizendo, Demi. Você ainda vai se arrepender por não ter acreditado no Joe. Ele é inocente, disso eu tenho certeza.
— Pai, vai me desculpar, mas esse seu enteado é um ator e tanto. Hollywood não sabe o que está perdendo.
— É por isso que ele está chateado. Pela sua falta de confiança, seu descrédito, como se ele não tivesse lhe dado provas suficientes do tamanho do amor que sente por você.
Fiquei constrangida. Esse não é um tema ideal para se discutir com um pai. Mas Andrej prosseguiu, um advogado de defesa nato:
— Demi, ele desmanchou o namoro com a Laika. Não enganou você.
— Ha, ha, ha! — desdenhei. — Isso é o que ele disse para você. Aposto que neste exato momento os dois estão tomando café da manhã de frente um para o outro, envolvidos por roupões felpudos e macios, com os cabelos molhados.
— Filha, não seja cínica. Essa característica não combina com você.
Ah, que seja!
— Pai, por favor, não vamos mais falar do Joe — pedi. — Pretendo esquecê-lo e vou ser bem forte para alcançar esse objetivo. E o primeiro passo é não pronunciar o nome dele, nem em pensamento. Posso contar com você?
Andrej fez que sim. Mas sua contrariedade ficou bem explícita.
— Só uma última notícia. Na verdade, é um recado, um pedido do Joe.
— Pai...
— Demi, ele quer que você descubra que está errada e diz que vai conseguir provar isso em breve.
— Até parece — retruquei, sufocando uma vontade louca de atirar um objeto qualquer na parede. — Pois diga a ele que não precisa se preocupar tanto. Não quero mais saber. E diga também que já estou deixando vago o lugarzinho dele, que, no fim das contas, é o que ele sempre quis.
— Jesus, quanto rancor! — exclamou meu pai. — Mas fique tranquila. Joe sabe que você está indo embora. Contei para ele ontem.
— Então, já deu tempo de ele organizar uma festa para comemorar.
Dessa vez Andrej riu.
— Do jeito que ele recebeu a notícia, é mais fácil o pobre coitado estar agarrado a uma garrafa de tequila, tentando esquecer essa minha filha cabeça-dura e turrona. Nesse aspecto, você é igualzinha à sua mãe.
Não pude deixar de conectar as duas histórias: a de minha mãe, há 20 anos, e a minha. A diferença era que ela abandonara meu pai por medo de um futuro com ele. Enquanto que, no meu caso, não havia futuro nenhum com Joe. O resultado? Dois corações partidos em duas gerações seguidas.
Meu pai não me acompanhou até o aeroporto.
Como escolhi viajar por uma companhia aérea comercial e não no avião da família real da Krósvia, ele achou melhor que eu fosse sozinha para não despertar a atenção das pessoas. Mas fez questão de me comprar uma passagem na primeira classe, para que eu tivesse privacidade.
Ah! Também me obrigou a levar Boris e Zlafer comigo, pelo menos para ficarem por perto, como quem não quer nada, e agirem caso fosse necessário. Não gostei, mas deixei passar. Seria inútil discutir.
Tentei parecer bem normal. Então, vesti um figurino básico e não tirei os óculos escuros do rosto. Se eles escondiam celebridades que viviam com a cara nas telas de cinema, por que não eu?

Embarquei às 9h da manhã do dia 2 de dezembro. Exatamente quatro meses depois de eu ter colocado meus pés, pela primeira vez, em solo krosviano. Lá do alto, no meio das nuvens, Perla foi diminuindo até se tornar um pontinho minúsculo abaixo do avião. Eu não fora até lá para encontrar um amor, mas acabara me apaixonando. Também não percorrera quilômetros e mais quilômetros para ser decepcionada. De um modo ordinário, eu tinha aprendido que do futuro não sabemos nada. Pois, se eu tivesse previsto tudo aquilo, jamais teria aceitado passar nem um único dia com meu pai na Krósvia.

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