quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Capítulo 21 – Simplesmente Demi - MARATONA

O melhor lugar do mundo

Passei a semana me policiando para evitar a Internet durante o dia. Se eu me permitisse, checaria meu Outlook o tempo inteiro, mas não estava disposta a me prender diante do computador, nem a deixar a ansiedade me dominar.
Mesmo assim, de vez em quando eu dava uma olhadinha na caixa de entrada e verificava se havia uma resposta de Joe. Mas ela nunca apareceu. Eu poderia tentar me convencer de que talvez seu endereço de e-mail tivesse mudado ou de que ele estava sem acesso à Internet no lugar por onde andava, caso ainda estivesse viajando. Porém, no fundo, já conhecia a verdade: o amor de Joseph por mim não era tão grande e ele me deletara de sua vida bem rapidinho.
Não contei minha última façanha para ninguém, nem para Selena. Aquele fracasso eu guardaria só para mim. Bom, pelo menos, era essa minha intenção...
Mas foi só tia Marieva me ligar para eu despejar em cima dela toda a frustração que sentia.
— Tia, eu sei que magoei o Joe com minha desconfiança, mas não acha que já fui punida o suficiente?
Eu sempre conversava com ela por telefone ou Skype e isso me ajudava a me manter conectada com a Krósvia. Tia Marieva me falava sobre seus filhos e as meninas do Lar Irmã Celeste e dizia que todos eles sentiam minha falta. Eu morria de saudade também.
— O Joe é muito cabeça-dura — comentou ela naquele dia, ao telefone.
— A questão não é bem essa — discordei. — Ele pode não ter participado da armação contra mim, como ficou provado, mas também não estava tão interessado. Caso contrário, teria me dado uma segunda chance, né?
— Não sei, querida. O Joseph é um homem incrível, mas é teimoso como ele só, desde criança.
— Bom, se é questão de teimosia, a coisa ainda é pior. Não dá para acreditar que não respondeu ao meu e-mail, nem ao menos para pedir que eu não o procure mais.
— Não sei, Demi. É estranho. De todo modo, você sabe, ele não está aqui em Perla. Nem o Natal Joe passou conosco. Está pelo mundo afora, de mochila nas costas, viajando por aí. Talvez nem tenha recebido sua mensagem.
— Duvido muito, tia. Mas tudo bem. Acabou. Vou procurar não me preocupar mais com essa história. — Suspirei, mudando de assunto: — Estou pensando em trabalhar como voluntária numa instituição assistencial aqui na minha cidade. Não decidi nada ainda, mas...
— Que notícia ótima, querida! Você leva o maior jeito mesmo. Mas por que não volta para cá e continua o trabalho que já começou aqui? — sugeriu ela, empolgada.
— Pelos mesmos motivos que me levaram a voltar para o Brasil antes do tempo.
— Você não pode fugir dele a vida toda. Ou vai deixar de nos visitar para sempre?
— Claro que não. Vou estar aí em breve. Mas não para morar. Eu tenho meu curso, minha mãe, meus avós...
— Eu sei — tia Marieva me interrompeu. — Conheço esses argumentos e não é de hoje. Porém, Demi querida, para tudo há um jeito. Tenho certeza de que você logo, logo vai encontrar o seu. Porque nós também não queremos viver longe da nossa princesa.
Faz um bem enorme para a alma a gente se sentir amada. Eu não tinha do que reclamar quanto a isso, pois tanto minha família brasileira quanto a da Krósvia eram maravilhosas. Desliguei o telefone mais aliviada, já que tinha desabafado e tirado um pedaço do nó que andara fixando residência em meu estômago.
Como era sábado, decidi sair um pouco de casa e aproveitar a tarde bonita para fazer uma caminhada na Praça da Assembleia. Vesti uma malha de ginástica, calcei meus tênis de corrida e fiz um rabo de cavalo alto, pois detesto me exercitar com os cabelos soltos, grudando na pele. Enfiei uma nota de 20 reais no cós da calça e saí, depois de avisar minha mãe para onde eu ia.
— Também estou de saída — ela gritou da cozinha. — Vou para aquele evento. Só volto amanhã.
— Ah, é? Então a festa lá vai ser das boas — comentei.
— Sim. São bodas de ouro e os filhos do casal programaram dois dias de comemoração.
— Bom, boa sorte então — gritei de volta.
— Obrigada, filha! Estou deixando um pastelão de frango. Ah! E uma torta de pão.
— Beleza! Beijo!
Fechei a porta sorrindo. Ter uma mãe craque no fogão tem suas vantagens. A gente nunca passa fome. O lado ruim é que fica impossível controlar as calorias extras com tanta comida boa em casa.
Mais um motivo para eu caminhar na praça. Aliás, já que eu passaria o final de semana em casa só comendo, melhor mesmo seria correr de uma vez. E foi justamente isso que fiz. Apertei meus óculos escuros no rosto, liguei o iPod e segui o fluxo de corredores. No começo, tive um pouco de dificuldade para manter o ritmo, uma vez que andava meio fora de forma. Mas acabei pegando o jeito e me animei a dar mais de dez voltas — meu recorde até então.
Não prestei atenção em nada a meu redor. Não posso nem afirmar se o lugar estava cheio ou não. Só corria, procurando eliminar qualquer tipo de pensamento de meu cérebro. Meia hora depois, já podia sentir o efeito animador da endorfina em meu organismo.
Só parei quando minha panturrilha direita reclamou. Notei que o músculo deu uma repuxada, então desacelerei. Caminhei devagar até um vendedor ambulante e comprei uma garrafa de água mineral.
— Você é a Demi, né? — perguntou ele, com os olhos brilhando de empolgação. — A princesa.
— Sim — respondi com cuidado. A última coisa que desejava era chamar atenção.
— Eu sabia! Falei para minha mulher que já tinha visto você caminhando por aqui, muito tempo atrás, mas ela me chamou de mentiroso. Vê se pode!
Sorri encabulada, doida para escapar dali.
— Meu nome é Romeu e fiquei surpreso quando te vi no Fantástico. Quase caí do sofá. Não acreditei que era você, a garota mais bonita da praça. Que história, hein!
— Nem me fale! — Revirei os olhos, tirando um pouco da importância do fato.
— Você se importa de tirar uma foto comigo?
Quase engasguei com a água.
— Tirar um foto? — repeti, insegura. — Aqui?
— É. Rapidinho. Meu celular tem uma câmera excelente — ele assegurou, enquanto retirava o aparelho do bolso de trás da calça. — Eu só preciso pedir para alguém bater.
— Certo — concordei, resignada. Se eu dissesse não, pareceria uma dessas celebridades esnobes. E não queria ser nem uma coisa, nem outra.
— Ali. Tem um moço lá.
Romeu apontou para um homem parado a poucos metros de distância. Aproveitei o momento e tomei um bom gole da água. O calor estava demais! Quando desgrudei o gargalo da garrafa dos lábios e olhei na direção do vendedor, minhas pernas fraquejaram. De calça jeans clara, surrada, até com uns rasgos no joelho, camisa verde, botas marrons, óculos Ray Ban e uma barba que havia dias devia estar por fazer, a imagem de Joe preencheu todo o meu campo de visão. Miragem ou não, só sei que a garrafa de plástico escorregou de minha mão e se espatifou a meus pés. Não consegui pronunciar nenhuma palavra.
Perplexa, acompanhei com o olhar a aproximação de Romeu e Joseph, os dois lado a lado, vindo em minha direção.
— Esse cara aqui não fala português, mas acho que entendeu meu pedido. — Alheio ao fio elétrico que me ligava a Joe, Romeu preparou a câmera do celular.
Acho que todo o sangue de meu corpo se esvaiu e meu raciocínio lógico se foi. Eu não sabia o que fazer. Joe não tirava os olhos de mim. Nem os óculos escuros foram capazes de esconder isso.
— Pronto, princesa Joe — Romeu falou. — Posso chegar mais perto?
A essa altura, Joseph segurava o celular de Romeu e o apontava para nós. Mexi a cabeça, concordando. Então, fizemos uma pose e a foto foi tirada. Em seguida, o vendedor pegou o telefone de volta e conferiu a qualidade da imagem.
— Obrigado! — ele agradeceu. — Agora, quero ver minha mulher duvidar de eu que conheço você!
E então Romeu desapareceu com seu carrinho, permitindo que Joe e eu ficássemos cara a cara e a sós. Mas eu não sabia como agir. Decidi não fazer nada e esperar Joseph se manifestar.
— A gente pode conversar? — Aquela voz maravilhosa e profunda, que eu não escutava havia tanto tempo, atingiu meus ouvidos num inglês carregado com o delicioso sotaque da Krósvia.
Num segundo, os óculos de Joe foram parar na gola de sua camisa e eu pude visualizar aqueles olhos verdes que me levavam à loucura. Ele deu um passo, aproximando-se, e eu dei outro, só que na direção oposta. Eu me recusava a ser decepcionada novamente.
— Conversar sobre o quê? — questionei.
Joseph esfregou os cabelos, que estavam mais curtos, com uma das mãos e sua tatuagem se insinuou debaixo da manga da blusa. Na mesma hora, meu estômago deu uma cambalhota.
— Sobre nós, Demi, é claro. Por que outro motivo eu estaria aqui se não fosse por você? — Ele parecia impaciente.
E eu mantive o mesmo tom.
— Bom, faz tempo, você não acha? E eu não entendo o que te trouxe a BH, já que, ao não dar bola para meus e-mails, os dois, você deixou bem clara sua decisão.
— É por isso que precisamos conversar — insistiu ele, ainda bastante sisudo, mas ansioso. — Preciso explicar umas coisas.
Sempre tão mandão...
— Por favor — completou. — Essa história já foi longe demais.
E como, pensei. Mas não por minha culpa.
Parece que Joe adivinhou meu pensamento, pois começou a explicar:
— Sei que não facilitei as coisas, Demi. Fui um idiota completo. Agora, estou apavorado aqui, na sua frente, com medo de você virar as costas e dizer que não tem mais jeito.
Meus olhos começaram a lacrimejar.
Entretanto me recusei a chorar diante dele. Já tinha feito isso uma vez, por puro desespero, e depois quase desidratara durante um mês de muitas lágrimas. Chega!
— Joe, eu não sei o que dizer — confessei, puxando nervosamente a barra de minha blusa de ginástica.
— Então, deixa que eu falo.
Olhei ao redor. Havia gente demais por perto e muito barulho de conversas, gritinhos de crianças e motores de carros.
— Aqui não é o lugar ideal.
— Concordo. Vamos até sua casa, então.
Franzi a testa, desconfiada.
— Como sabe que moro perto daqui?
— Ora, Demi, eu tive que correr atrás para te encontrar, né? E eu tenho fontes confiáveis.
— Posso presumir que minha mãe faz parte delas?
Joe riu pela primeira vez desde que se materializara diante de mim. Fiquei sem fôlego. O sorriso dele não tinha explicação.
— Lógico que sim. Além de me contar onde você estava, a Dianna me deu uma carona.
Por que eu estava impressionada? Joe sempre conseguia o que queria.
O trajeto de volta a meu apartamento foi tenso. Caminhamos lado a lado, mas não permiti que nos tocássemos. Já havíamos estado naquela situação, quando passeávamos despreocupadamente pelas estradas e cidades da Krósvia. A diferença era que, naquela época, não tínhamos experimentado estar nos braços um do outro. Portanto, ficar perto de Joe sem sentir seu calor era como ir a uma bomboniere e não se empanturrar de doces.
Ele até tentou engatar um início de conversa, mas preferi esperar o momento certo, quando estivéssemos dentro de casa. Falamos apenas sobre banalidades no elevador, que demorou demais até parar em meu andar. Ao chegarmos, abri a porta e anunciei:
— Vou tomar um banho primeiro.
— Ah, qual é, Demi! — Joe quase estourou. — Vai ficar adiando só para me castigar?
— Não, Joe. Preciso de um banho porque corri demais e estou suada, né? Já reparou como faz calor aqui? Toma. — Entreguei na mão dele o controle remoto da televisão. — Assiste a um pouco de TV. Não vou demorar nada.
E saí sem dar chance a ele de retrucar. Na verdade, a chuveirada era um pretexto. Eu precisava me acalmar e colocar a cabeça para pensar com coerência, pois não queria me fazer de difícil, mas também não podia baixar a guarda assim, de cara. Sabe-se lá o que Joseph diria, no fim das contas.
Deixei a água da ducha massagear minhas costas e meu coro cabeludo. Notei que a tensão que me dominava se esvaía aos poucos, então decidi não protelar mais a tal conversa decisiva e desliguei o chuveiro. Enrolei meu corpo numa tolha e os cabelos em outra, moldando uma espécie de turbante em cima da cabeça.
Não me preocupei em sair do banheiro desse jeito porque meu quarto é uma suíte. Portanto, abri a porta, que eu nem tinha trancado com chave, com a intenção de me vestir logo e encarar Joe em seguida.
— Gosto mais do seu quarto do castelo.
Literalmente pulei de susto. Como de costume, Joseph me surpreendeu dentro de meu quarto, sem dar aviso prévio. Agarrei o nó da toalha com força. Se ela resolvesse cair, o negócio ficaria feio para o meu lado.
— Sei lá — continuou ele, todo à vontade. — A vista é mais bonita e a cama... bem maior.
Joe já tinha perdido o ar de preocupação e agora falava com a segurança de quem sabia que teria sucesso em seu propósito. Seu olhar passeou de minha pequena cama de solteiro para a toalha que cobria insuficientemente meu trêmulo e apavorado corpo. Estremeci.
— Você não perde a mania de invadir os lugares sem ser convidado — acusei. — Eu pedi para você me esperar.
— E foi o que fiz.
Joseph avançou em minha direção até me prender contra a parede. Tive, então, a consciência de seu perfume e da rigidez de seu corpo. Sem que eu pudesse prever, ele estendeu a mão e retirou a toalha de minha cabeça. Meus cabelos caíram molhados e completamente bagunçados sobre meus ombros. Mas, como minhas mãos seguravam a outra toalha, não pude arrumá-los.
Mais uma vez prevendo minha intenção, Joe penteou os fios indomados com os dedos, tanto ajeitando a cabeleira quanto me torturando. Minha respiração acelerou.
— O que você está fazendo? — ofeguei.
— Tentando te persuadir a baixar a guarda para mim.
Ai, meu Deus! Joseph era tão seguro de si, tão autossuficiente!
Empurrei-o para longe. Quero dizer, não tão longe, mas o suficiente para seu corpo deixar de pressionar o meu.
— Você acha que pode resolver as coisas assim, me seduzindo como se eu fosse uma adolescente cheia de hormônios e incapaz de resistir ao seu toque? — indaguei, estressada demais para ser delicada. — Joe, no momento nós precisamos de palavras. Eu preciso entender o que houve no último mês, o que aconteceu para você desaparecer e não aceitar meus dois pedidos de desculpas. E o que mudou para agora você estar aqui na minha frente, tentando retomar de onde paramos, como se nada tivesse acontecido nesse intervalo de quatro semanas!
Ele me encarou por um tempo e depois se sentou em minha cama, desviando o olhar para meu mural de fotos. Eu mantinha uma espécie de linha de tempo num painel de metal sobre a escrivaninha. Havia retratos desde minha infância até meu período na Krósvia. Mas tive o cuidado de não colar nenhuma foto dele. Para quê? A imagem de Joe jamais substituiria sua pessoa, e olhar para ele no papel me faria sofrer ainda mais.
— Demi, eu tive muita raiva de você.
Agora, sim. Conversaríamos sem joguinhos de sedução. E, mesmo não gostando de escutar aquela primeira frase, não o interrompi.
— Eu fiquei puto, porque nunca imaginei que você fosse acreditar na palavra de desconhecidos em vez de confiar em mim. Eu tinha aberto meu coração, coisa que não faço com frequência, tinha lhe dado a escolha de ficar ou não comigo. Porque eu não forcei a barra com você, não no que diz respeito a dormirmos juntos. Verdade ou não?
Balancei a cabeça, concordando.
— Então, como pôde pensar mal de mim? Desde o princípio, aquela história tinha cara de armação!
— Joe, tudo aconteceu muito depressa. Fui pega de surpresa — justifiquei-me, sentada de frente para ele na cadeira de estudo. — E um dos fotógrafos falou com você, te chamou pelo nome. Acha que consegui raciocinar com clareza?
— Era só olhar para mim que enxergaria a verdade. Eu estava tão chocado quanto você. Até mais, porque eu vi repulsa no rosto da mulher que eu amo, uma repulsa por mim. Isso depois de ter passado com ela a melhor noite da minha vida, de ter feito de tudo para que fosse perfeita.
Joseph enterrou o rosto nas mãos, mas não parou de falar. Enquanto isso, minha mente se fixou na afirmativa “mulher que eu amo”, dita no presente.
— Eu esperava um pouco mais de crédito — continuou ele.
— Com a cabeça quente, nem sempre agimos com lucidez — interrompi. Meu coração batia aos pulos, dificultando bastante a pronúncia das palavras, que saíram meio entrecortadas, como numa transmissão ruim de rádio.
— Certo. Isso eu até entendo. Mas você só mudou sua opinião a meu respeito quando ficou provado que eu não estava envolvido na armação. E já tinha dado tempo de esfriar a cabeça, não é?
Diabo de homem que tinha argumento para tudo!
— Sim, Joe. Por isso é que eu praticamente implorei para você me perdoar, porque tive consciência do tamanho da minha burrada.
— No dia que recebi aquele e-mail, eu estava mal. — Seus olhos prenderam os meus. — Não consegui te desculpar naquela hora, Demi.
— Nem depois, né? — completei para ele. — E olha que meu segundo e-mail foi ainda mais desesperado. Eu confessei coisas inéditas até para mim mesma.
Com um movimento inesperado, Joe ficou de pé e enfiou a mão num dos bolsos de trás da calça. Retirou de lá um papel dobrado e se ajoelhou para ficar com o rosto no mesmo nível do meu. Eu só conseguia olhar para a folha branca, que se revelou, depois de desdobrada, ser minha segunda mensagem.
— Demi, quando recebi isto aqui — Joseph balançou o papel —, estava prestes a ceder. Viajei por um tempo, o que me ajudou a pensar com mais calma. Eu viria atrás de você de qualquer forma.
Sua mensagem só reforçou minha decisão. E se eu não respondi foi porque queria te olhar e falar olhando nos seus olhos, porque apesar das nossas falhas, de nós dois termos sido cabeças-duras, eu só consigo ficar feliz perto de você.
Senti que um sorriso tímido se insinuou em meus lábios e Joe os contornou com o polegar, como já havia feito antes, em meu outro quarto, na Krósvia.
— Sinto falta de tudo em você, Demi — ele continuou, sussurrando, a voz meio embargada. Seus olhos verdes não largavam os meus. — Tenho saudade da sua alegria, do seu amor pelas pessoas, do seu entusiasmo diante das situações mais simples, até do seu humor variável.
Quase chorei quando a palavra saudade foi dita em português. Significava muito para mim, não pelo uso de meu idioma, mas porque traduzia a enormidade de seus sentimentos.
Com a boca colada em meu ouvido, Joseph completou:
— Sinto saudade da sua pele, dos seus lábios macios e do seu corpo apaixonado. Não posso mais viver sem tudo isso, Demi. Então, por favor, diz que me aceita de volta e acaba com essa agonia.
Mais inebriada de paixão do que qualquer princesa de contos de fadas, respondi ao apelo de Joe jogando meus braços em volta de seu pescoço, puxando-o para um beijo daqueles. Nem preciso dizer que a toalha que envolvia meu corpo afrouxou e, num instante, não estava mais a meu redor. Joseph me tirou da cadeira e me levou até minha minúscula cama, mas, em vez de matar a saudade dos momentos que vivêramos na Ilha de Catarina, ele primeiro contornou minhas feições com o indicador e declarou:
— Você é a pessoa mais importante da minha vida, Demi. Esse último mês foi um pesadelo.
Fechei os olhos e me entreguei a ele. Eu estava certa: o melhor lugar do mundo era onde eu estivesse com Joseph.

***

— Quer dizer que encheu a cara na noite da virada do ano?
Curtindo a letargia pós-maratona de exercícios físicos noturnos, Joe e eu estávamos aconchegados um no outro, tanto pela vontade de não nos desgrudarmos nunca mais quanto pelo tamanho reduzido de minha cama de solteiro. Eu descansava minha cabeça em seu tórax bem delineado e mantinha meus dedos entrelaçados aos dele. Com a outra mão, Joseph traçava preguiçosamente os ossos de minha coluna vertebral enquanto falávamos sobre todos os assuntos atrasados, ocorridos no mês anterior.
— Que modo mais pré-histórico de afogar as mágoas, hein! — Joe brincou. Eu dei um tapa em seu ombro.
— Deixa de ser convencido! Minha bebedeira não teve nada a ver com você. Foi uma questão de ingerir a bebida errada, ou seja, vodca.
— Então, no reveillon a senhorita se esqueceu dos nossos problemas e caiu na gandaia.
Que bonito!
Abracei-o ainda mais, adorando aquela discussãozinha de mentira, o que tornava nosso relacionamento mais leve. Mais normal.
— Exatamente — confirmei, dando em seguida uma mordida sobre a tatuagem de Joe, aquela que me deixava doida. — Saí com a Selena e quebramos tudo.
Eu só estava querendo provocá-lo. Todo mundo sabia que aquela noite havia sido um fiasco.
Com um movimento rápido, Joseph me prendeu sob seu corpo e me encarou com cara de bravo.
— Grande sofrimento esse seu!
Comecei a rir. Nem fazendo esforço para parecer zangado ele ficava menos bonito. E aquele homem era todo meu. Será que um dia minha ficha cairia?
Um barulho fora do quarto desviou nossa atenção e Joe deu um pulo da cama. Vestiu a calça em dois segundos, como se o fato de estar semivestido fosse fazer alguma diferença caso fôssemos flagrados por minha mãe.
Apoiei a cabeça na palma da mão e o observei passar por aquele aperto.
— Será que é a Dianna? — quis saber, ofegante de susto.
Fiz cara de mistério, mas careca de saber que não era ela. Deveria ser no apartamento do vizinho.
— Demi, puxa, será que sua mãe...
— Relaxa, Joe! Não é ela. Minha mãe só chega à noite. Agora, volte aqui.
Os ombros dele relaxaram automaticamente.
— Hum... Que tal se a gente comer alguma coisa? Estou meio sem energia — ele propôs.
Concordei. Na cozinha, servi para nós dois um pedaço de torta de pão. Ela estava geladinha e suculenta, irresistível. Entre uma garfada e outra, tomei coragem para fazer a pergunta que não queria calar:
— Como ficamos daqui para a frente?
Pensei que Joseph se retrairia diante desse tema não muito agradável, mas parecia que ele já havia previsto a conversa e planejado as respostas.
— Juntos. Ou ainda tem dúvida?
— Você sabe que não foi isso o que eu quis dizer.
Ele largou o garfo sobre o prato e me olhou nos olhos.
— Minha linda, tudo vai se ajeitar. Posso muito bem dividir meu tempo entre a Krósvia e o Brasil. Estava até pensando em aprender português.
— Jura? — Segurei as lágrimas, que tentavam a todo custo romper minha resistência.
— Vou estar aqui sempre, quando for possível conciliar meu trabalho com uma temporada de descanso. Não quero que você se sinta pressionada a largar seu curso e partir de mala e cuia para Perla de novo.
— Vai ficar tudo bem entre a gente, então? Mesmo se cada um estiver numa parte do mundo?
Joe se levantou da cadeira e me puxou para um abraço apertado.
— É claro que sim. Não vai ser gostoso passar umas temporadas longe de você, mas vamos sentir a tal da saudade boa, já que vamos poder matá-la sempre que quisermos.
— Meu pai vai ficar feliz. Porque não pretendo ficar tão longe da Krósvia.
— E eu, mais ainda — Joseph garantiu.
— Pena que não vou poder sequestrar você para meu apartamento todas as vezes, senão seu pai manda aqueles dois brutamontes atrás de mim.
Caí na gargalhada.
— Nada disso! Daqui para a frente, acho bom o Andrej arranjar uma nova função para o Boris e o Zlafer.

— Com certeza. Nem em sonhos minha linda namorada vai andar com homens seguindo seus passos. Pode deixar que eu mesmo cuido da sua retaguarda.

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