O melhor lugar do mundo
Passei a semana me policiando
para evitar a Internet durante o dia. Se eu me permitisse, checaria meu Outlook
o tempo inteiro, mas não estava disposta a me prender diante do computador, nem
a deixar a ansiedade me dominar.
Mesmo assim, de vez em quando eu
dava uma olhadinha na caixa de entrada e verificava se havia uma resposta de
Joe. Mas ela nunca apareceu. Eu poderia tentar me convencer de que talvez seu endereço
de e-mail tivesse mudado ou de que ele estava sem acesso à Internet no lugar
por onde andava, caso ainda estivesse viajando. Porém, no fundo, já conhecia a
verdade: o amor de Joseph por mim não era tão grande e ele me deletara de sua
vida bem rapidinho.
Não contei minha última façanha
para ninguém, nem para Selena. Aquele fracasso eu guardaria só para mim. Bom,
pelo menos, era essa minha intenção...
Mas foi só tia Marieva me ligar
para eu despejar em cima dela toda a frustração que sentia.
— Tia, eu sei que magoei o Joe
com minha desconfiança, mas não acha que já fui punida o suficiente?
Eu sempre conversava com ela por
telefone ou Skype e isso me ajudava a me manter conectada com a Krósvia. Tia
Marieva me falava sobre seus filhos e as meninas do Lar Irmã Celeste e dizia
que todos eles sentiam minha falta. Eu morria de saudade também.
— O Joe é muito cabeça-dura —
comentou ela naquele dia, ao telefone.
— A questão não é bem essa —
discordei. — Ele pode não ter participado da armação contra mim, como ficou
provado, mas também não estava tão interessado. Caso contrário, teria me dado
uma segunda chance, né?
— Não sei, querida. O Joseph é um
homem incrível, mas é teimoso como ele só, desde criança.
— Bom, se é questão de teimosia,
a coisa ainda é pior. Não dá para acreditar que não respondeu ao meu e-mail,
nem ao menos para pedir que eu não o procure mais.
— Não sei, Demi. É estranho. De
todo modo, você sabe, ele não está aqui em Perla. Nem o Natal Joe passou
conosco. Está pelo mundo afora, de mochila nas costas, viajando por aí. Talvez
nem tenha recebido sua mensagem.
— Duvido muito, tia. Mas tudo
bem. Acabou. Vou procurar não me preocupar mais com essa história. — Suspirei,
mudando de assunto: — Estou pensando em trabalhar como voluntária numa
instituição assistencial aqui na minha cidade. Não decidi nada ainda, mas...
— Que notícia ótima, querida!
Você leva o maior jeito mesmo. Mas por que não volta para cá e continua o
trabalho que já começou aqui? — sugeriu ela, empolgada.
— Pelos mesmos motivos que me
levaram a voltar para o Brasil antes do tempo.
— Você não pode fugir dele a vida
toda. Ou vai deixar de nos visitar para sempre?
— Claro que não. Vou estar aí em
breve. Mas não para morar. Eu tenho meu curso, minha mãe, meus avós...
— Eu sei — tia Marieva me
interrompeu. — Conheço esses argumentos e não é de hoje. Porém, Demi querida,
para tudo há um jeito. Tenho certeza de que você logo, logo vai encontrar o
seu. Porque nós também não queremos viver longe da nossa princesa.
Faz um bem enorme para a alma a
gente se sentir amada. Eu não tinha do que reclamar quanto a isso, pois tanto
minha família brasileira quanto a da Krósvia eram maravilhosas. Desliguei o
telefone mais aliviada, já que tinha desabafado e tirado um pedaço do nó que andara
fixando residência em meu estômago.
Como era sábado, decidi sair um
pouco de casa e aproveitar a tarde bonita para fazer uma caminhada na Praça da
Assembleia. Vesti uma malha de ginástica, calcei meus tênis de corrida e fiz um
rabo de cavalo alto, pois detesto me exercitar com os cabelos soltos, grudando
na pele. Enfiei uma nota de 20 reais no cós da calça e saí, depois de avisar
minha mãe para onde eu ia.
— Também estou de saída — ela
gritou da cozinha. — Vou para aquele evento. Só volto amanhã.
— Ah, é? Então a festa lá vai ser
das boas — comentei.
— Sim. São bodas de ouro e os
filhos do casal programaram dois dias de comemoração.
— Bom, boa sorte então — gritei
de volta.
— Obrigada, filha! Estou deixando
um pastelão de frango. Ah! E uma torta de pão.
— Beleza! Beijo!
Fechei a porta sorrindo. Ter uma
mãe craque no fogão tem suas vantagens. A gente nunca passa fome. O lado ruim é
que fica impossível controlar as calorias extras com tanta comida boa em casa.
Mais um motivo para eu caminhar
na praça. Aliás, já que eu passaria o final de semana em casa só comendo,
melhor mesmo seria correr de uma vez. E foi justamente isso que fiz. Apertei
meus óculos escuros no rosto, liguei o iPod e segui o fluxo de corredores. No
começo, tive um pouco de dificuldade para manter o ritmo, uma vez que andava
meio fora de forma. Mas acabei pegando o jeito e me animei a dar mais de dez
voltas — meu recorde até então.
Não prestei atenção em nada a meu
redor. Não posso nem afirmar se o lugar estava cheio ou não. Só corria,
procurando eliminar qualquer tipo de pensamento de meu cérebro. Meia hora
depois, já podia sentir o efeito animador da endorfina em meu organismo.
Só parei quando minha panturrilha
direita reclamou. Notei que o músculo deu uma repuxada, então desacelerei.
Caminhei devagar até um vendedor ambulante e comprei uma garrafa de água
mineral.
— Você é a Demi, né? — perguntou
ele, com os olhos brilhando de empolgação. — A princesa.
— Sim — respondi com cuidado. A
última coisa que desejava era chamar atenção.
— Eu sabia! Falei para minha
mulher que já tinha visto você caminhando por aqui, muito tempo atrás, mas ela
me chamou de mentiroso. Vê se pode!
Sorri encabulada, doida para
escapar dali.
— Meu nome é Romeu e fiquei
surpreso quando te vi no Fantástico. Quase caí do sofá. Não
acreditei que era você, a garota mais bonita da praça. Que história, hein!
— Nem me fale! — Revirei os
olhos, tirando um pouco da importância do fato.
— Você se importa de tirar uma
foto comigo?
Quase engasguei com a água.
— Tirar um foto? — repeti,
insegura. — Aqui?
— É. Rapidinho. Meu celular tem
uma câmera excelente — ele assegurou, enquanto retirava o aparelho do bolso de
trás da calça. — Eu só preciso pedir para alguém bater.
— Certo — concordei, resignada.
Se eu dissesse não, pareceria uma dessas celebridades esnobes. E não queria ser
nem uma coisa, nem outra.
— Ali. Tem um moço lá.
Romeu apontou para um homem
parado a poucos metros de distância. Aproveitei o momento e tomei um bom gole
da água. O calor estava demais! Quando desgrudei o gargalo da garrafa dos
lábios e olhei na direção do vendedor, minhas pernas fraquejaram. De calça
jeans clara, surrada, até com uns rasgos no joelho, camisa verde, botas marrons,
óculos Ray Ban e uma barba que havia dias devia estar por fazer, a imagem de
Joe preencheu todo o meu campo de visão. Miragem ou não, só sei que a garrafa
de plástico escorregou de minha mão e se espatifou a meus pés. Não consegui
pronunciar nenhuma palavra.
Perplexa, acompanhei com o olhar
a aproximação de Romeu e Joseph, os dois lado a lado, vindo em minha direção.
— Esse cara aqui não fala
português, mas acho que entendeu meu pedido. — Alheio ao fio elétrico que me
ligava a Joe, Romeu preparou a câmera do celular.
Acho que todo o sangue de meu
corpo se esvaiu e meu raciocínio lógico se foi. Eu não sabia o que fazer. Joe
não tirava os olhos de mim. Nem os óculos escuros foram capazes de esconder
isso.
— Pronto, princesa Joe — Romeu
falou. — Posso chegar mais perto?
A essa altura, Joseph segurava o
celular de Romeu e o apontava para nós. Mexi a cabeça, concordando. Então,
fizemos uma pose e a foto foi tirada. Em seguida, o vendedor pegou o telefone de
volta e conferiu a qualidade da imagem.
— Obrigado! — ele agradeceu. —
Agora, quero ver minha mulher duvidar de eu que conheço você!
E então Romeu desapareceu com seu
carrinho, permitindo que Joe e eu ficássemos cara a cara e a sós. Mas eu não
sabia como agir. Decidi não fazer nada e esperar Joseph se manifestar.
— A gente pode conversar? —
Aquela voz maravilhosa e profunda, que eu não escutava havia tanto tempo,
atingiu meus ouvidos num inglês carregado com o delicioso sotaque da Krósvia.
Num segundo, os óculos de Joe
foram parar na gola de sua camisa e eu pude visualizar aqueles olhos verdes que
me levavam à loucura. Ele deu um passo, aproximando-se, e eu dei outro, só que na
direção oposta. Eu me recusava a ser decepcionada novamente.
— Conversar sobre o quê? —
questionei.
Joseph esfregou os cabelos, que
estavam mais curtos, com uma das mãos e sua tatuagem se insinuou debaixo da
manga da blusa. Na mesma hora, meu estômago deu uma cambalhota.
— Sobre nós, Demi, é claro. Por
que outro motivo eu estaria aqui se não fosse por você? — Ele parecia
impaciente.
E eu mantive o mesmo tom.
— Bom, faz tempo, você não acha?
E eu não entendo o que te trouxe a BH, já que, ao não dar bola para meus
e-mails, os dois, você deixou bem clara sua decisão.
— É por isso que precisamos
conversar — insistiu ele, ainda bastante sisudo, mas ansioso. — Preciso
explicar umas coisas.
Sempre tão mandão...
— Por favor — completou. — Essa
história já foi longe demais.
E
como, pensei. Mas
não por minha culpa.
Parece que Joe adivinhou meu
pensamento, pois começou a explicar:
— Sei que não facilitei as
coisas, Demi. Fui um idiota completo. Agora, estou apavorado aqui, na sua
frente, com medo de você virar as costas e dizer que não tem mais jeito.
Meus olhos começaram a
lacrimejar.
Entretanto me recusei a chorar
diante dele. Já tinha feito isso uma vez, por puro desespero, e depois quase
desidratara durante um mês de muitas lágrimas. Chega!
— Joe, eu não sei o que dizer —
confessei, puxando nervosamente a barra de minha blusa de ginástica.
— Então, deixa que eu falo.
Olhei ao redor. Havia gente
demais por perto e muito barulho de conversas, gritinhos de crianças e motores
de carros.
— Aqui não é o lugar ideal.
— Concordo. Vamos até sua casa,
então.
Franzi a testa, desconfiada.
— Como sabe que moro perto daqui?
— Ora, Demi, eu tive que correr
atrás para te encontrar, né? E eu tenho fontes confiáveis.
— Posso presumir que minha mãe
faz parte delas?
Joe riu pela primeira vez desde
que se materializara diante de mim. Fiquei sem fôlego. O sorriso dele não tinha
explicação.
— Lógico que sim. Além de me
contar onde você estava, a Dianna me deu uma carona.
Por que eu estava impressionada?
Joe sempre conseguia o que queria.
O trajeto de volta a meu
apartamento foi tenso. Caminhamos lado a lado, mas não permiti que nos
tocássemos. Já havíamos estado naquela situação, quando passeávamos despreocupadamente
pelas estradas e cidades da Krósvia. A diferença era que, naquela época, não tínhamos
experimentado estar nos braços um do outro. Portanto, ficar perto de Joe sem
sentir seu calor era como ir a uma bomboniere e não se empanturrar de doces.
Ele até tentou engatar um início
de conversa, mas preferi esperar o momento certo, quando estivéssemos dentro de
casa. Falamos apenas sobre banalidades no elevador, que demorou demais até
parar em meu andar. Ao chegarmos, abri a porta e anunciei:
— Vou tomar um banho primeiro.
— Ah, qual é, Demi! — Joe quase
estourou. — Vai ficar adiando só para me castigar?
— Não, Joe. Preciso de um banho
porque corri demais e estou suada, né? Já reparou como faz calor aqui? Toma. —
Entreguei na mão dele o controle remoto da televisão. — Assiste a um pouco de
TV. Não vou demorar nada.
E saí sem dar chance a ele de
retrucar. Na verdade, a chuveirada era um pretexto. Eu precisava me acalmar e
colocar a cabeça para pensar com coerência, pois não queria me fazer de difícil,
mas também não podia baixar a guarda assim, de cara. Sabe-se lá o que Joseph diria,
no fim das contas.
Deixei a água da ducha massagear
minhas costas e meu coro cabeludo. Notei que a tensão que me dominava se esvaía
aos poucos, então decidi não protelar mais a tal conversa decisiva e desliguei
o chuveiro. Enrolei meu corpo numa tolha e os cabelos em outra, moldando uma espécie
de turbante em cima da cabeça.
Não me preocupei em sair do
banheiro desse jeito porque meu quarto é uma suíte. Portanto, abri a porta, que
eu nem tinha trancado com chave, com a intenção de me vestir logo e encarar Joe
em seguida.
— Gosto mais do seu quarto do
castelo.
Literalmente pulei de susto. Como
de costume, Joseph me surpreendeu dentro de meu quarto, sem dar aviso prévio.
Agarrei o nó da toalha com força. Se ela resolvesse cair, o negócio ficaria
feio para o meu lado.
— Sei lá — continuou ele, todo à
vontade. — A vista é mais bonita e a cama... bem maior.
Joe já tinha perdido o ar de
preocupação e agora falava com a segurança de quem sabia que teria sucesso em
seu propósito. Seu olhar passeou de minha pequena cama de solteiro para a
toalha que cobria insuficientemente meu trêmulo e apavorado corpo. Estremeci.
— Você não perde a mania de
invadir os lugares sem ser convidado — acusei. — Eu pedi para você me esperar.
— E foi o que fiz.
Joseph avançou em minha direção
até me prender contra a parede. Tive, então, a consciência de seu perfume e da
rigidez de seu corpo. Sem que eu pudesse prever, ele estendeu a mão e retirou a
toalha de minha cabeça. Meus cabelos caíram molhados e completamente bagunçados
sobre meus ombros. Mas, como minhas mãos seguravam a outra toalha, não pude arrumá-los.
Mais uma vez prevendo minha
intenção, Joe penteou os fios indomados com os dedos, tanto ajeitando a
cabeleira quanto me torturando. Minha respiração acelerou.
— O que você está fazendo? —
ofeguei.
— Tentando te persuadir a baixar
a guarda para mim.
Ai, meu Deus! Joseph era tão
seguro de si, tão autossuficiente!
Empurrei-o para longe. Quero
dizer, não tão longe, mas o suficiente para seu corpo deixar de pressionar o
meu.
— Você acha que pode resolver as
coisas assim, me seduzindo como se eu fosse uma adolescente cheia de hormônios
e incapaz de resistir ao seu toque? — indaguei, estressada demais para ser
delicada. — Joe, no momento nós precisamos de palavras. Eu preciso entender o que
houve no último mês, o que aconteceu para você desaparecer e não aceitar meus
dois pedidos de desculpas. E o que mudou para agora você estar aqui na minha
frente, tentando retomar de onde paramos, como se nada tivesse acontecido nesse
intervalo de quatro semanas!
Ele me encarou por um tempo e
depois se sentou em minha cama, desviando o olhar para meu mural de fotos. Eu
mantinha uma espécie de linha de tempo num painel de metal sobre a escrivaninha.
Havia retratos desde minha infância até meu período na Krósvia. Mas tive o
cuidado de não colar nenhuma foto dele. Para quê? A imagem de Joe jamais
substituiria sua pessoa, e olhar para ele no papel me faria sofrer ainda mais.
— Demi, eu tive muita raiva de
você.
Agora, sim. Conversaríamos sem
joguinhos de sedução. E, mesmo não gostando de escutar aquela primeira frase,
não o interrompi.
— Eu fiquei puto, porque nunca
imaginei que você fosse acreditar na palavra de desconhecidos em vez de confiar
em mim. Eu tinha aberto meu coração, coisa que não faço com frequência, tinha lhe
dado a escolha de ficar ou não comigo. Porque eu não forcei a barra com você,
não no que diz respeito a dormirmos juntos. Verdade ou não?
Balancei a cabeça, concordando.
— Então, como pôde pensar mal de
mim? Desde o princípio, aquela história tinha cara de armação!
— Joe, tudo aconteceu muito
depressa. Fui pega de surpresa — justifiquei-me, sentada de frente para ele na
cadeira de estudo. — E um dos fotógrafos falou com você, te chamou pelo nome. Acha
que consegui raciocinar com clareza?
— Era só olhar para mim que
enxergaria a verdade. Eu estava tão chocado quanto você. Até mais, porque eu vi
repulsa no rosto da mulher que eu amo, uma repulsa por
mim. Isso
depois de ter passado com ela a melhor noite da minha vida, de ter feito de
tudo para que fosse perfeita.
Joseph enterrou o rosto nas mãos,
mas não parou de falar. Enquanto isso, minha mente se fixou na afirmativa
“mulher que eu amo”, dita no presente.
— Eu esperava um pouco mais de
crédito — continuou ele.
— Com a cabeça quente, nem sempre
agimos com lucidez — interrompi. Meu coração batia aos pulos, dificultando
bastante a pronúncia das palavras, que saíram meio entrecortadas, como numa
transmissão ruim de rádio.
— Certo. Isso eu até entendo. Mas
você só mudou sua opinião a meu respeito quando ficou provado que eu não estava
envolvido na armação. E já tinha dado tempo de esfriar a cabeça, não é?
Diabo de homem que tinha
argumento para tudo!
— Sim, Joe. Por isso é que eu
praticamente implorei para você me perdoar, porque tive consciência do tamanho
da minha burrada.
— No dia que recebi aquele
e-mail, eu estava mal. — Seus olhos prenderam os meus. — Não consegui te
desculpar naquela hora, Demi.
— Nem depois, né? — completei
para ele. — E olha que meu segundo e-mail foi ainda mais desesperado. Eu
confessei coisas inéditas até para mim mesma.
Com um movimento inesperado, Joe
ficou de pé e enfiou a mão num dos bolsos de trás da calça. Retirou de lá um
papel dobrado e se ajoelhou para ficar com o rosto no mesmo nível do meu. Eu só
conseguia olhar para a folha branca, que se revelou, depois de desdobrada, ser
minha segunda mensagem.
— Demi, quando recebi isto aqui —
Joseph balançou o papel —, estava prestes a ceder. Viajei por um tempo, o que
me ajudou a pensar com mais calma. Eu viria atrás de você de qualquer forma.
Sua mensagem só reforçou minha
decisão. E se eu não respondi foi porque queria te olhar e falar olhando nos
seus olhos, porque apesar das nossas falhas, de nós dois termos sido
cabeças-duras, eu só consigo ficar feliz perto de você.
Senti que um sorriso tímido se
insinuou em meus lábios e Joe os contornou com o polegar, como já havia feito
antes, em meu outro quarto, na Krósvia.
— Sinto falta de tudo em você,
Demi — ele continuou, sussurrando, a voz meio embargada. Seus olhos verdes não
largavam os meus. — Tenho saudade da sua alegria, do seu amor pelas
pessoas, do seu entusiasmo diante das situações mais simples, até do seu humor
variável.
Quase chorei quando a palavra saudade
foi dita em
português. Significava muito para mim, não pelo uso de meu idioma, mas porque
traduzia a enormidade de seus sentimentos.
Com a boca colada em meu ouvido,
Joseph completou:
— Sinto saudade da sua pele, dos
seus lábios macios e do seu corpo apaixonado. Não posso mais viver sem tudo
isso, Demi. Então, por favor, diz que me aceita de volta e acaba com essa agonia.
Mais inebriada de paixão do que
qualquer princesa de contos de fadas, respondi ao apelo de Joe jogando meus
braços em volta de seu pescoço, puxando-o para um beijo daqueles. Nem preciso
dizer que a toalha que envolvia meu corpo afrouxou e, num instante, não estava
mais a meu redor. Joseph me tirou da cadeira e me levou até minha minúscula
cama, mas, em vez de matar a saudade dos momentos que vivêramos na Ilha de Catarina,
ele primeiro contornou minhas feições com o indicador e declarou:
— Você é a pessoa mais importante
da minha vida, Demi. Esse último mês foi um pesadelo.
Fechei os olhos e me entreguei a
ele. Eu estava certa: o melhor lugar do mundo era onde eu estivesse com Joseph.
***
— Quer dizer que encheu a cara na
noite da virada do ano?
Curtindo a letargia pós-maratona
de exercícios físicos noturnos, Joe e eu estávamos aconchegados um no outro,
tanto pela vontade de não nos desgrudarmos nunca mais quanto pelo tamanho
reduzido de minha cama de solteiro. Eu descansava minha cabeça em seu tórax bem
delineado e mantinha meus dedos entrelaçados aos dele. Com a outra mão, Joseph
traçava preguiçosamente os ossos de minha coluna vertebral enquanto falávamos
sobre todos os assuntos atrasados, ocorridos no mês anterior.
— Que modo mais pré-histórico de
afogar as mágoas, hein! — Joe brincou. Eu dei um tapa em seu ombro.
— Deixa de ser convencido! Minha bebedeira
não teve nada a ver com você. Foi uma questão de ingerir a bebida errada, ou
seja, vodca.
— Então, no reveillon
a senhorita
se esqueceu dos nossos problemas e caiu na gandaia.
Que bonito!
Abracei-o ainda mais, adorando
aquela discussãozinha de mentira, o que tornava nosso relacionamento mais leve.
Mais normal.
— Exatamente — confirmei, dando
em seguida uma mordida sobre a tatuagem de Joe, aquela que me deixava doida. —
Saí com a Selena e quebramos tudo.
Eu só estava querendo provocá-lo.
Todo mundo sabia que aquela noite havia sido um fiasco.
Com um movimento rápido, Joseph
me prendeu sob seu corpo e me encarou com cara de bravo.
— Grande sofrimento esse seu!
Comecei a rir. Nem fazendo
esforço para parecer zangado ele ficava menos bonito. E aquele homem era todo
meu. Será que um dia minha ficha cairia?
Um barulho fora do quarto desviou
nossa atenção e Joe deu um pulo da cama. Vestiu a calça em dois segundos, como
se o fato de estar semivestido fosse fazer alguma diferença caso fôssemos
flagrados por minha mãe.
Apoiei a cabeça na palma da mão e
o observei passar por aquele aperto.
— Será que é a Dianna? — quis
saber, ofegante de susto.
Fiz cara de mistério, mas careca
de saber que não era ela. Deveria ser no apartamento do vizinho.
— Demi, puxa, será que sua mãe...
— Relaxa, Joe! Não é ela. Minha
mãe só chega à noite. Agora, volte aqui.
Os ombros dele relaxaram
automaticamente.
— Hum... Que tal se a gente comer
alguma coisa? Estou meio sem energia — ele propôs.
Concordei. Na cozinha, servi para
nós dois um pedaço de torta de pão. Ela estava geladinha e suculenta, irresistível.
Entre uma garfada e outra, tomei coragem para fazer a pergunta que não queria calar:
— Como ficamos daqui para a
frente?
Pensei que Joseph se retrairia
diante desse tema não muito agradável, mas parecia que ele já havia previsto a
conversa e planejado as respostas.
— Juntos. Ou ainda tem dúvida?
— Você sabe que não foi isso o
que eu quis dizer.
Ele largou o garfo sobre o prato
e me olhou nos olhos.
— Minha linda, tudo vai se
ajeitar. Posso muito bem dividir meu tempo entre a Krósvia e o Brasil. Estava
até pensando em aprender português.
— Jura? — Segurei as lágrimas,
que tentavam a todo custo romper minha resistência.
— Vou estar aqui sempre, quando
for possível conciliar meu trabalho com uma temporada de descanso. Não quero
que você se sinta pressionada a largar seu curso e partir de mala e cuia para
Perla de novo.
— Vai ficar tudo bem entre a
gente, então? Mesmo se cada um estiver numa parte do mundo?
Joe se levantou da cadeira e me
puxou para um abraço apertado.
— É claro que sim. Não vai ser
gostoso passar umas temporadas longe de você, mas vamos sentir a tal da saudade
boa, já que vamos poder matá-la sempre que quisermos.
— Meu pai vai ficar feliz. Porque
não pretendo ficar tão longe da Krósvia.
— E eu, mais ainda — Joseph
garantiu.
— Pena que não vou poder
sequestrar você para meu apartamento todas as vezes, senão seu pai manda
aqueles dois brutamontes atrás de mim.
Caí na gargalhada.
— Nada disso! Daqui para a
frente, acho bom o Andrej arranjar uma nova função para o Boris e o Zlafer.
— Com certeza. Nem em sonhos
minha linda namorada vai andar com homens seguindo seus passos. Pode deixar que
eu mesmo cuido da sua retaguarda.
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