quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Capítulo 4 – Simplesmente Demi + divulgação


~*~
Alguém já ouviu falar na Krósvia?

Os dias seguintes à minha chegada foram de reconhecimento de terreno. Ou seja, fui levada de um lado para o outro por Irina, mas meio clandestinamente. Por mais que Andrej não tivesse divulgado oficialmente a minha existência, ele temia por minha segurança. Isso era muito engraçado porque, até então, a única preocupação de minha mãe tinha sido garantir que eu chegasse em casa todos os dias com a cabeça bem grudada no pescoço e todos os meus fios de cabelo no lugar.
O que Andrej não queria era que eu sofresse o assédio da imprensa antes da hora e não pudesse curtir anonimamente meu novo país. Palavras dele. Meu pai também queria evitar que a notícia se espalhasse pelo Brasil e se tornasse assunto das revistas de fofoca.
Sendo assim, para que as coisas acontecessem do jeito certo, Andrej estava planejando um evento de apresentação de sua filha — ou seja, euzinha — ao povo da Krósvia. Nesse dia, ele faria um comunicado oficial e divulgaria ao mundo que tinha uma herdeira legítima.
Quando ele me contou tudo isso, comecei a rir. Fiquei me lembrando de um livro que li sobre uma princesa americana recém-descoberta. Eu estava vivendo algo bem parecido, com a exceção dos cabelos indomáveis. Isso eu não tenho, graças a Deus.
Bem, passei dias andando com Irina para todos os cantos de Perla e me deslumbrando com a beleza da cidade. Havia tantas praças e todas eram tão bem cuidadas e floridas! Não vi lixo espalhado nem bancos estragados. As crianças brincavam — livres e seguras — nos parquinhos.
E as flores! Era tanta variedade, tanta cor que fiquei sem fala. Aliás, parecia que Perla nascera para ser florida. Cada casinha tinha um canteiro na frente, fosse no chão ou nas sacadas. Tudo muito caprichado, como se as pessoas tivessem orgulho de viver naquele pedaço do mundo.
Irina disse que sou engraçada. Normalmente os turistas se encantavam pelos palácios, pelos monumentos históricos, pela arquitetura eclética... e eu lá, babando na natureza e nas casas das pessoas comuns.
Não é bem assim. Também gosto das construções. Pelo amor de Deus, nasci em Minas Gerais! Sou fã de Ouro Preto. Adoro antiguidades. E Perla tinha um monte delas. Mas não dava para ignorar quão generosa a natureza foi com a Krósvia ao dar ao país um clima agradável, propício a tudo, além de um litoral digno de catálogos turísticos. Paradisíaco.
Sem brincadeira. Ao afundar meus pés naquelas areias brancas e finas, fiquei imaginando uma cena idílica com Nick e eu como protagonistas. Minhas bochechas chegaram a queimar. Não vou descrever o que passou por minha cabeça. Só sei que foi bom e desejei muito que as imagens passassem a ser reais. Ai, ai.
Outra marca registrada de Perla eram os cafés. Assim como eu imaginava que seria em Paris, havia um em cada esquina, todos cheios de turistas, homens e mulheres de negócios, estudantes, boêmios. Claro que fui conferir dia após dia se eles eram tão bons quanto aparentavam e, como cafezeira de primeira, atesto que foram mais do que aprovados.
Devo registrar que a energia de Irina não tinha fim. Quando pensei que já tinha visto tudo, conhecido todos os lugares, ouvido todas as histórias, ela me apareceu com mais um roteiro.
— Vamos seguir hoje a trilha da moda e do consumismo.
Eu chegara à Krósvia com uma pequena reserva financeira, conquistada com meu ridículo salário de estagiária, mais a mesada que recebia de minha mãe para não ter que ficar pedindodinheiro toda hora. Mas nem bem tinha respirado os ares europeus e Andrej aparecera com um sorriso nos lábios e um cartão de crédito nas mãos. Não adiantou argumentar, dizer que não precisava, que ficaria bem com o que trouxera e coisa e tal. Ele enfiou o cartão em meu bolso e ordenou: Use sem moderação.
Nunca tivemos problemas econômicos, digo, minha mãe e eu. O trabalho dela é bem remunerado e vivemos com certo conforto. Mas eu jamais ouvira essa frase em toda a minha vida. Mamãe sempre regrou tudo. Primeiro, porque a gente não nadava em dinheiro. Segundo, bem, por motivos óbvios. Todo mundo sabe que não se pode dar a uma criança ou a um adolescente tudo o que eles querem.
Aí aparece o meu pai e me diz uma coisa dessas, ainda por cima sorrindo. Inacreditável. Se eu ainda fosse pequena, ele poderia estragar minha educação. Que bom que já estava bem crescidinha...
Então, por excesso de responsabilidade — e pela boa educação que recebi de dona Dianna —, insisti que não queria cartão de crédito nenhum e que nem era tão consumista assim. Essa característica era forte em minha mãe e em vovó, mas eu sempre fui básica, como todos bem sabem.
Andrej virou as costas e me deixou com cara de tacho. E o cartão na mão.
Só por isso, Irina inventou de me levar às compras. Fala sério. Ela disse que eu precisava de roupas novas. E sapatos. E bolsas. E maquiagem. Então eu fui, fazer o quê?
Sem que eu me desse conta disso, já estava enfiada num megashopping, gastando feito louca, comprando coisas que eu nem sonhava ter.
Por sorte, as atendentes das lojas falavam inglês (o país estava bem preparado para o turismo) e não houve o menor problema de comunicação. Elas ficavam empolgadas quando Irina contava que eu era brasileira e faziam um monte de perguntas, a maioria do tipo: Você usa biquíni fio-dental? Ninguém merece.
Acabei comprando três calças jeans — uma de cintura baixa e justinha, outra básica e uma de estilo masculino, meio larga no bumbum, da Dolce & Gabanna —, cinco vestidos básicos, dois vestidos de festa, sete blusas, um casaco de lã e um blazer. Ah! E um lenço também. E um par de luvas de couro vermelhas.
Tá bom. Para quem se diz não consumista, exagerei nas compras. Mas era tudo tão lindo, e eu agora tinha tanto dinheiro...
Apaixonei-me pelos sapatos italianos Manolo Blahnik, dos quais eu só tinha ouvido falar nos livros de Meg Cabot e Sophie Kinsella, e acabei levando três pares exclusivíssimos e carésimos: uma bota preta de bico fino, cano alto e salto agulha, um “meia pata” rosa-choque, furado na ponta para deixar os dois primeiros dedos do pé à mostra, e uma sandália de festa creme. De outra butique, levei ainda uma bolsa de couro verde-escura e uma rasteirinha com as tiras bordadas com pedras douradas.
Consumida pela euforia, acabei renovando minha gaveta de lingeries, dando-me de presente alguns conjuntos de renda bem sexies da Victoria’s Secret, para uma emergência. Vai saber? Não que eu esteja planejando algo... Ou talvez esteja, sei lá! Pelo menos, foi o que fiquei repetindo para mim ao pagar as calcinhas e os sutiãs novos, embora, só de pensar na possibilidade de concretizar minhas fantasias na areia da praia, sentisse a barriga gelar.
Cheia de sacolas nos braços, um sorriso de prazer na face e um rombo na conta bancária — de meu pai —, avistei um salão de beleza e decidi que precisava fazer as unhas. Sou básica — ou era? —, mas não sei ficar com as unhas por fazer.
Graças a Deus, havia uma manicure no salão e ela estava com tempo para me atender. Irina aproveitou a oportunidade para trocar a cor do esmalte.
Sentei-me diante da moça e estendi as mãos para ela, que pegou uma lixa e começou a aparar minhas unhas.
Notei que não havia nenhum sinal de alicates e removedores de cutículas. Como, por Deus, a manicure pretendia dar um trato legal nas minhas unhas sem um bom e afiado alicate?
Quando a manicure, depois de guardar a lixa, retirou uma base da gaveta e quis saber qual cor eu gostaria de passar, puxei rapidamente as mãos e perguntei, incrédula:
— Você não vai colocar minhas mãos de molho para tirar as cutículas?
— As cutículas? Tirá-las? Como assim? Posso empurrá-las, se fizer questão.
De queixo caído, balancei a cabeça energicamente. Não dá para fazer as unhas sem eliminar as cutículas! A beleza do negócio está na eliminação das benditas cutículas. Todo mundo sabe disso, não sabe?
Remexendo a bolsa, encontrei o saquinho de chita onde guardava os apetrechos que levava para minha manicure de Belo Horizonte quando ia arrumar as mãos e os pés.
— Olha — comecei, paciente —, eu não sou manicure, mas posso lhe dar umas dicas. Porque não dá para ficar com as unhas bonitas e nenhum esmalte as realça se as cutículas continuarem aqui.
— Senhorita, eu realmente...
— Veja bem, hã, Virna — li o nome da moça em seu crachá. — Você consegue um par de luvas de plástico com a cabeleireira?
Virna se limitou a balançar a cabeça, mas se moveu em busca das luvas.
— Muito bem — disse eu em tom professoral. — Agora, a gente borrifa um pouco de água dentro de uma delas primeiro. Pode colocar uma pequena dose de creme hidratante também. Depois, é só calçá-la em uma das mãos. Enquanto lixa as unhas da outra mão, a água e o creme vão amaciar as cutículas desta e daí você poderá cortá-las com o alicate. Assim. Dê aqui sua mão.
Sem nem perceber o que estava fazendo, executei todas as etapas relatadas para Virna na própria Virna, sob os olhares atentos e incrédulos das clientes e funcionárias do salão. Sem contar a boca escancarada de Irina, que devia estar a ponto de me arrancar dali e me prender dentro do castelo. Seu olhar dizia o que ela pensava: O rei vai me matar! Estou expondo a filhinha dele!
A manicure ficou muda. Mesmo não tendo destreza para fazer uma unha com perfeição, consegui demonstrar à moça como deveria ficar uma mão bem-feita. Recebi aplausos entusiasmados assim que terminei.
— Nos pés, você pode usar sacos plásticos — finalizei a lição. — E agora? Vai fazer minhas unhas direito?
Virna concordou e tratou de aplicar as técnicas recém-aprendidas. Tudo bem. Admito que não ficou uma maravilha, mas já era um começo. E, como já estava em um salão de beleza mesmo, lavei e sequei os cabelos. Ao me olhar no espelho, senti-me renovada.
Com o guarda-roupa reestruturado, as unhas feitas e o cabelo limpo e brilhante, estava pronta para encarar essa vida diferente e mágica que caíra de paraquedas sobre minha cabeça.

*

Tudo lindo... até eu chegar em casa. Irina e eu entramos no castelo pela entrada secundária, destinada aos funcionários e moradores por ser mais curta e de acesso mais fácil.
A essa altura, ou seja, quando eu já estava havia quase duas semanas na Krósvia, todo mundo no palácio sabia quem eu era e conhecia meus hábitos — principalmente os gastronômicos.
Amiga que fiquei de Karenina, a principal cozinheira do castelo, sempre passava pela cozinha antes de me enfiar na biblioteca e ficar entocada lá até que a noite caísse. E não era só para bater papo com ela que eu ia até lá. Era também para provar tudo o que ela preparava, principalmente as massas maravilhosas. Eu ficara, sim, assustada com a comida servida em meu primeiro dia na Krósvia. Mas agora Karenina conhecia minhas preferências e adorava me paparicar.
Exausta com as compras desenfreadas, entrei encurvada na cozinha, resmungando algo ininteligível, principalmente porque falei em português.
— Kare, preciso de energia — implorei, fazendo uma voz de criança carente e usando o apelido carinhoso que dei a ela.
Karenina sorriu, mostrando seus dentes perfeitos, mas quem respondeu não foi minha cozinheira favorita — depois de minha mãe, claro.
— Estou vendo que participou de uma orgia consumista.
A voz profunda me atingiu em cheio. Desde aquele jantar fatídico, eu não vira mais o dono daquela voz. Ainda bem, pois não estava preparada para suportar as indiretas e os olhares mordazes outra vez.
Passara uns dias andando feito lagartixa pelas gretas, com medo de dar de cara com ele. E, quando eu já nem me lembrava mais de sua existência, Joseph me vinha com essa frase carinhosa.
Respirei fundo para responder à altura, mas foi só olhar para ele que esqueci o que pretendia dizer.
Joe parecia um deus grego. Como eu não notara isso da primeira vez? Talvez fosse a roupa. De calça jeans desbotada e rasgada na coxa, botas marrons e camisa de malha demarcando seus músculos — Jesus, que tórax era aquele? —, acho que me esqueci como se respira.
Não sei por que, mas nessa hora meu cérebro resolveu se lembrar das lingeries novas da Victoria’s Secret. Que belo senso de oportunidade!
— É — concordei, mais por impulso do que por concordar com ele. — Não resisti à tentação.
Epa! Frase ambígua. Droga, droga, droga! O sorrisinho safado que Joe esboçou era a prova de que tinha captado o duplo sentido.
— Fico feliz que esteja aproveitando seu tempo aqui da melhor maneira possível. Afinal, de alguma forma tem que valer a pena, né?
Franzi a testa. Não tinha a menor ideia do que exatamente ele estava falando. Estaria tirando uma da minha cara? Provavelmente. O santo dele definitivamente não tinha batido com o meu.
— Quer comer o que, meu bem? — quis saber Karenina, indiferente a toda a estranheza do diálogo entre mim e Joseph.
— Tem café? Se tiver, preciso de uma garrafa inteira. E pão.
Minha resposta me levou a um arrependimento imediato. Deu a entender que eu estava desesperada, isto é, mais munição para a língua ferina do enteado de meu pai.
— Também quero, Karenina — disse Joe.
— Não pelos mesmos motivos, mas também estou um bagaço.
Chatinho ele, não? Coisa de mauricinho, só podia ser. De repente, deixei de ter fome e só queria ir para meu quarto e fugir daquele olhar verde e provocador.
Mas, resignada e com o estômago reclamando, sentei-me em frente à mesa da cozinha, enquanto Karenina servia um lanche com muito mais itens do que eu havia pedido. Joe fez o mesmo, mas sentou-se de um jeito bem mais despojado, com um braço sobre o encosto da cadeira e as pernas meio abertas. Ficou me encarando descaradamente, uma sobrancelha arqueada, desafiando-me a fazer o mesmo.
No entanto, tudo o que eu consegui encarar foi a tatuagem que se insinuou debaixo da manga da camisa dele, bem no tríceps. Não sei ao certo o que era. Parecia uma dessas tribais, toda preta. E sexy. Muito. Engoli com dificuldade enquanto desviava o olhar para o armário das louças, para minha própria segurança.
— Estava reparando daqui — disse ele, começando uma conversa mansa, aparentemente despretensiosa, mas que eu sabia que era pura fachada. — Seus olhos são bonitos.
Oi?
— Meio puxados, né? Cílios longos... — Joseph me estudava como se eu fosse um rato de laboratório. Senti que fiquei vermelha e não havia jeito de disfarçar isso. — Muito sensuais. E a cor é meio indefinida. Não sei ainda se são castanhos-claros ou esverdeados.
Karenina riu e se intrometeu na conversa, salvando-me de um constrangimento ainda maior.
— Menino, para com isso! Não vê que a Demi ficou envergonhada? E é claro que os olhos dela são cinzentos, não percebeu ainda, seu tonto?
Se era para melhorar a situação, adianto que ela não alcançou seu objetivo. Fiquei ainda mais sem graça. E, sim, Karenina estava certa. Meus olhos são cinzentos, um tom tão morno quanto um dia nublado.
Joseph sorria de modo irritante. Senti que as engrenagens do cérebro dele estavam trabalhando a mil, provavelmente para soltar mais uma pérola.
Distraí-me mordendo um pãozinho de batata bem quente, recheado com requeijão, recém-saído do forno. A sensação dele em minha boca era tão boa que, por um instante, esqueci que aquele idiota gostosão permanecia plantado diante de mim.
— Sabe de uma coisa? — perguntou ele, enquanto terminava de engolir um pedaço de pão. — Embora eu não acredite muito nessa história de filha perdida no mundo, até que você se parece com o Andrej. Nem precisa fazer o exame de DNA, eu acho.
Quase cuspi o café naquela cara safada. Quer dizer que a birra toda dele era porque pensava que eu era uma fraude, uma golpista de quinta, de olho na fortuna de Andrej? Seria possível que ninguém tivesse feito o favor de contar para o ordinário que fora meu pai quem me encontrara, que ele viera atrás de mim, e não o contrário?
Mas não consegui abrir a boca para protestar. E não foi só por causa do enorme choque e da indignação, mas principalmente porque fiquei magoada. Isso mesmo. Eu não queria que Joseph pensasse mal de mim, mesmo não entendendo o motivo de eu me importar com isso.
Levantei-me da cadeira, já sem apetite.
Lutando contra um nó dolorido que subia por minha garganta, finalmente disse:
— Você não sabe nada sobre mim. Nada. Então, não fique falando do que não conhece.
Por mais que ele tenha se assustado, pelo menos um pouco, com minha reação, ficou parado como uma estátua.
Enquanto eu me dirigia para fora da cozinha, sem me despedir de Karenina, escutei-a ralhar com Joseph como se ele fosse um garotinho levado. E não era isso mesmo o que ele era? Um filhinho de papai mimado?

EU: — Aí eu saí pisando duro e deixei o metido a besta sem fala!

Já fazia quase meia hora que falava ao telefone com Selena. Já que Andrej resolvera me dar carta branca para gastar à vontade, que mal havia em abusar das chamadas internacionais?
Proporcionalmente à minha vida em Belo Horizonte, era o mesmo que comprar balas na cantina da faculdade. Mixaria.

EU: — Até agora estou sem acreditar que o idiota teve a coragem de dizer na minha cara que duvida das minhas intenções. Vê se pode, Selena! Até outro dia eu nem sabia onde a Krósvia ficava no mapa!
Selena: — Demi, eu...
EU: — Desde o primeiro dia ele fica me encarando de um jeito irônico, com uma das sobrancelhas meio repuxada para cima, me avaliando como se eu fosse uma...
Selena: — Sinceramente...
EU: — Você acredita que ele disse que nem vou precisar fazer o teste de DNA porque eu “até” pareço com o Andrej? É muita cara de pau.
Selena: — Bom, talvez...
EU: — O pior é ter que olhar para aqueles olhos verdes profundos, porque é difícil, levando em consideração a estatura do idiota. Sabe, Selena, você precisa ver, ele é superalto. E tem uns músculos bem definidos, deu para perceber.
Selena: — Bom...
EU: — Mas isso não quer dizer nada, já que ele perde todo o charme assim que abre a boca e solta uma daquelas frases sarcásticas, tipo, que eu participei de uma orgia consumista hoje cedo.
Selena: — Orgia consumista!
EU: — Vou falar com o Andrej, se você quer saber. Isso! Vou pedir para ele evitar encontros entre nós dois. Senão, vai ser insuportável ficar aqui, entende?
Selena: — Puxa...
EU: — Já não está muito fácil, embora eu esteja recebendo mimos e paparicos de todos aqui na casa. Mas meu pai mal tem tempo para mim e a gente quase não se vê, exceto na hora do jantar, que é sagrada. Mas eu não o culpo, porque sei que a rotina dele é complicada.
Selena: — Demi...
EU: — Está resolvido! Nada de contato com o mauricinho gostosão do Joseph.
Selena: — Mauricinho gostosão?
EU: — Nem se ele aparecer sem camiseta, exibindo aquela tatuagem sex... digo, brega. De agora em diante vou ignorá-lo solenemente. Nada vai me fazer mudar de ideia. E então? O que você acha?
Selena: — ...
EU: — Ei, você está aí?
Selena: — Ah! Agora você percebeu, né? Não notou que eu não consegui formular uma única frase desde que você me ligou? Demi, está tão nervosa que ficou falando sozinha, de um jeito totalmente alucinado. Parece que o mauricinhogostosão-com-tatuagem-sex-digo-brega mexeu mesmo com seus nervos.
EU: — Desculpa, Selena. Mil vezes desculpa. Realmente não estou nos meus melhores dias, tudo por causa desse, desse... Aaaai! Nem consigo dizer o nome dele sem ficar brava! E era para eu estar no céu, já que comprei quase o shopping inteiro hoje.
Selena: — Ah, tá! A tal orgia consumista.
EU: — Isso. Quero dizer, mais ou menos.
Selena: — Mas o que deu em você? Comprando feito louca, se zangando com um desconhecido...
EU: — Duas coisas: um pai muito rico e generoso, mais um enteado arrogante.
Selena (rindo): — Segura sua onda aí. Seja proativa, reverta o jogo a seu favor.
EU: — Acho que você está lendo Roberto Shinyashiki demais.
Selena: — Não é nada disso. Só acho que, se um cara gostoso está dando sopa aí na sua frente, aproveita a situação, sua boba.
EU (indignada): — Alo-ô. Esqueceu do Nick?
Selena (não muito natural): — Ah, é, mas deixa ele pra lá por enquanto...
EU: — Do que você está falando? E quem disse que eu quero aproveitar qualquer coisa que se refira ao Joe? Não estou te entendendo.
Selena: — Não é nada, Demi. Bobagem. Mas vê se manda uma foto do mauricinho-gostosão para que eu mesma possa avaliar a situação
EU: — Nem morta!

Saí do quarto e fui direto atrás de meu pai. Estava resolvida a dar um basta naquela situação com o enteado dele. Se o cara estava cismado comigo, provavelmente era porque tinha intenções duvidosas. Cheguei até a pensar que o golpista poderia, na verdade, ser ele mesmo. Quem me garantiria que o queridíssimo Joseph não estava de olho na fortuna de Andrej? Afinal de contas, ele era filho da falecida rainha e devia acreditar que era o único a ter direito à herança.
Agora, eu entendia tudo.
Só que eu não estava nem aí para ele e me lixava para suas cismas. Queria apenas distância para que eu pudesse curtir meus meses na Krósvia sem estresse.
Até porque havia uma pequena luz vermelha piscando dentro de minha cabeça, como se fosse um sinal de alerta, querendo me dizer alguma coisa que eu não estava conseguindo perceber. Assim como meu sonho — aquele do vestido amarelo —, que preenchera boa parte da minha vida sem fazer muito sentido, agora havia essa luz. No fundo, eu devo ser meio esquisita mesmo. Mas não queria me concentrar nisso agora. Não mesmo.
Achei meu pai em seu escritório, uma sala aconchegante, com uma grande mesa no meio e todo aparato necessário para ele se manter conectado ao mundo, mesmo estando em casa.
Percebi que ser rei é muito mais do que representar um país com roupas de príncipes de contos de fadas. Andrej trabalhava o tempo inteiro, no castelo ou em qualquer lugar do planeta. Nunca desligava seus três telefones particulares, jamais saía sem seus assessores e vivia rodeado de políticos, que tinham uma ligação verdadeira com a Krósvia. Estavam sempre planejando coisas e tomando decisões importantes. Parecia até que eu estava no meio de um filme americano, daqueles que mostram o presidente deles — sempre muito altruísta — e sua filha em busca de liberdade. A única diferença era a ausência da esposa forte e compreensiva.
Mas dava orgulho constatar que o líder de uma nação dedicava sua vida a ela, de coração mesmo, e se doava à população de corpo e alma, procurando o melhor para todos. Por sinal, esse cara generoso era meu pai.
Encontrei-o recostado na lateral da mesa, de braços cruzados no peito, ouvindo os argumentos de uma outra pessoa. Ele parecia bastante concentrado e satisfeito, já que exibia um ligeiro sorriso.
Estava prestes a interromper fosse lá quem fosse quando escutei a já familiar voz expondo com veemência seu ponto de vista. Obriguei-me a ficar onde estava, bem imóvel para que eles não notassem minha presença. Sei que escutar a conversa dos outros é muito feio, mas não resisti à tentação assim que ouvi:
— Andrej, sei que a Irina tem feito tudo o que pode para ambientar a Demi, mas tem muito mais para ela conhecer e aprender, e eu posso ajudar. Estou mesmo precisando tirar uns dias de folga do escritório.
Como é que é?
— Acho que seria uma boa, Joe — Andrej concordou. — Não estou conseguindo parar o trabalho para ficar com minha filha. Ela tem sido muito compreensiva, mas não deve estar sendo fácil.
Está, sim. Facílimo.
— Então — Joseph prosseguiu —, deixe a Irina cuidar dos preparativos para o evento de apresentação da Demi e eu fico responsável por ela, quero dizer, responsável por sua aculturação. O que acha?
Acho péssimo, horrível, detestável!
— Perfeito. Você é jovem como ela, conhece muita coisa. Vai ser muito bom para ela.
— O que vai ser muito bom para quem? — Resolvi interromper a conversa, já que eu estava a ponto de implodir.
Os dois olharam para mim na mesma hora, tentando descobrir de onde eu tinha saído. Fixei o olhar em meu pai, que respondeu, cheio de entusiasmo:
— Demi! Tenho boas notícias. O Joe está se oferecendo para acompanhar você nos passeios pela cidade. Ele quer ajudá-la a se ambientar, a conhecer nossos costumes, quem sabe até a língua?
Involuntariamente, torci o nariz. Andrej interpretou meu gesto de forma errada.
— Ei, não se assuste. O krosvi não é tão difícil assim.
— Não vai ser ótimo, Demi? Quero levar você aos lugares mais incríveis, inclusive fora de Perla. — Joe era só sorrisos. Se eu não soubesse, acharia que ele era a personificação da ingenuidade.
— Olha só, Andrej. A Irina tem sido maravilhosa e nessas duas semanas eu conheci muita coisa. Não gostaria de incomodar o Joe. Se for para deixar a Irina cuidar do trabalho dela, posso ficar por minha conta.
Tentei dizer tudo isso num tom tranquilo, procurando não demonstrar minha ira e contrariedade. Se eu tivesse uma foice, acho que a atiraria na cara daquele enteado metido a espertinho.
Meu pai caminhou até onde eu estava e passou um braço em volta de meus ombros. Então ele disse, como se estivesse se dirigindo a uma garotinha de fitinha rosa nos cabelos:
— Filha, tudo bem. O Joe não se importa. E ele terá mais tempo para ficar com você. Está passando da hora de fazermos sua apresentação ao país e a Irina estará cem por cento envolvida nos preparativos. Faz mais sentido deixar o Joe fazer as honras da casa, já que eu não posso, infelizmente.
— É claro — concordou Joseph, entusiasmado como um cachorrinho solto. — Além do mais, as pessoas podem começar a desconfiar da sua relação com o Andrej. E se elas começarem a invadir seu espaço, bom, acho que a Irina não vai conseguir ser muito persuasiva.
Como eu recusaria a oferta dele sem demonstrar minha antipatia? Já que não queria chatear Andrej, só me restou concordar com aquela proposta indecente, sabendo que isso não ia prestar.
Mas deixar meu pai contente foi o que realmente contou para minha decisão. Ele merecia tudo de mim.
Seu celular tocou enquanto ainda estava abraçado comigo. Por isso, ele se afastou cedo demais, deixando-me desconfortável com Joseph. Eu deveria ter me mandado dali o mais rápido possível. Porém, antes que eu me desse conta, ele segurou meu braço e me tirou do escritório do rei.
No corredor, Joseph aproximou o rosto de meu ouvido, sem me soltar, e sussurrou com uma voz deliberadamente sedutora.
— Esteja pronta amanhã bem cedo.
Minhas pernas instantaneamente ficaram moles. Quem ele pensava que era para fazer isso comigo?
— Venho te pegar às oito. — Então recuou um passo e me olhou dos pés à cabeça, lentamente. — Vista algo confortável. Nem pense em colocar as lingeries novinhas da sua orgia consumista de hoje.
E foi embora, enquanto eu ruminava o fato de ele ter tido acesso àquela informação para lá de privilegiada. Como pôde?

~*~

Desculpem a demora. Estou estudando para o vestibular que é dia 1 de Fevereiro e resolvendo umas coisas pessoais. Tá levando muito mais tempo do que eu gostaria, e isso está me fazendo deixa o blog um pouco de lado... Mas aqui estou eu haha Entrei hoje para ver como estava o blog e vi os comentários *-* Obrigada!!! Essa fic não tem hots como as outras, e aborda um tema bem diferente do que eu geralmente posto aqui, então fiquei insegura se vocês iam ou não gostar. Por isso, espero que sejam sinceras com os comentários, porque se quiserem eu mudo de Fic. Ok? Posso contar com vocês? Ótimo ;) 
See you guys soon ;*

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Capítulo 3 – Simplesmente Demi

Aqui não é o Brasil

Meus olhos ainda estavam inchados de tanto que eu tinha chorado. Não esperava a festa de despedida que meus amigos e minha família prepararam para mim no salão de festas do prédio de meus avós.
Depois de me despedir de todo mundo no escritório na sexta-feira, fui à universidade e resolvi o problema com o trancamento da matrícula. Também passei por um doloroso processo de despedida lá, com alguns funcionários que me conhecem.
Estava indo para casa, cabisbaixa, pensando nas coisas que ainda tinha que fazer — terminar de arrumar as malas, separar os livros que queria levar —, quando minha mãe ligou e pediu para eu me encontrar com ela na casa de meus avós. Na hora, não entendi bem o motivo, já que estava combinado que eles iriam comigo até o aeroporto no dia seguinte. Mas, para evitar o falatório de mamãe na minha cabeça, obedeci sem contestar.
Estranhei quando o porteiro avisou que eles estavam esperando por mim na área de lazer. Ele ficou dando umas explicações sem sentido, que minha avó queria que eu desse uma olhada no equipamento novo de ginástica que o condomínio tinha acabado de comprar.
Inocentemente, sem desconfiar de absolutamente nada, fui ao encontro deles. Então, no momento em que pus os pés no salão de festas, as luzes se acenderem e vários rostos conhecidos e queridos apareceram.
Fiquei por um instante meio congelada, em estado de choque, procurando entender o que estava acontecendo. Mas a ficha caiu rapidinho, assim que avistei meus amigos atrás de uma nuvem de balões coloridos, com os olhos brilhando de emoção. E como tinha gente!
Na mesma hora, senti um aperto na garganta que quase me sufocou. Tantas pessoas estavam lá só para me homenagear, para demonstrar que se importavam comigo e que sentiriam minha falta! Minha mãe, minha avó, meu avô, meus tios e primos, Selena, Miley (minha segunda melhor amiga), Nick, até meu pai! E muito mais.
Passei a festa inteira chorando, relutando em me despedir das pessoas que eu amo, querendo me sentir bem, mas com uma sensação terrível de solidão.
Agora eu estava ali, sentada há 13 horas na confortável poltrona do avião da família real de Krósvia, observando o país — que agora também era meu — aproximando-se gradativamente, enquanto a exuberante aeronave de Andrej Markov executava os procedimentos de aterrissagem.
Ainda não sabia o que me esperava lá embaixo. Tive medo de perguntar a meu pai e ouvi-lo dizer que haveria uma comitiva para nos receber. Estava no escuro, com a adrenalina a mil.
— Nervosa? — ele quis saber minutos antes do pouso.
— Sim. — Minha boca estava seca.
— Ajuda se eu disser que ninguém sabe da nossa chegada, ou melhor, ninguém que não deva saber? — Andrej sorria de um jeito encorajador.
— Você quer dizer a imprensa? — questionei, sentindo-me um pouco melhor.
Ele concordou.
— Além de alguns puxa-sacos que só aparecerão para especular. Quero fazer as coisas do meu jeito, do jeito certo. Haverá um momento adequado para eu apresentar minha filha ao país. Mas primeiro eu quero que você se sinta à vontade.
Achei esse gesto muito fofo. Dei um sorrisinho antes de abraçá-lo. Não sei se ele notou, mas era a primeira vez que nos abraçávamos. Foi a primeira vez que eu quis fazer isso.
Ficamos assim por um tempo, até que o piloto informou que já estávamos em solo krosviano. Então, surgiu meu primeiro pânico concreto: como eu me comunicaria com as pessoas se não sabia pronunciar uma só palavra da língua delas?
— Todo mundo fala inglês por aqui? — perguntei antes de descer do avião. — Caso contrário, você sabe, vou ter um probleminha de comunicação.
Andrej soltou uma gargalhada sonora.
— Não se preocupe. Com o inglês você vai se virar muito bem. Mas, se quiser, pode aprender o krosvi.
— Humm... — engasguei. — Acho que não sei se consigo arrastar tanto os érres.
Ele riu de novo.
Meu pai tinha dito a verdade. No aeroporto da capital, Perla, só havia um motorista num carro preto com vidros escuros esperando por nós. O visual nem era tão impressionante assim. Acho que Andrej pensara em tudo. Porque, com toda a certeza, aquele veículo não pertencia à família real.
Com um aperto de mão caloroso, ele cumprimentou o motorista, que abriu a porta de trás para que nós entrássemos.
Era final de outono na Europa, mas o tempo estava muito agradável, mais para frio até. Ao sair do aeroporto e pegar a avenida que levava ao centro da capital, percebi que a natureza era muito receptiva ao clima. Como havia flores em Perla! De todas as cores e tamanhos, ornamentando praças, canteiros, jardins e janelas. Como o céu estava muito azul, o contraste entre as cores, naquela manhã, era belíssimo. Isso acalmou um pouco meus ânimos.
Quase perdi o fôlego diante do palácio administrativo, de onde meu pai governava Krósvia e se reunia com o parlamento. Era uma construção maravilhosa, gigantesca. Andrej me explicou que o palácio fora construído numa planície da região central da cidade, no século XV, durante o reinado de Nicholai III, com o intuito de ser a moradia da família real. Possuía inúmeras alas, com salões imensos, desproporcionais para uma residência familiar.
Por isso, alguns sucessores de Nicholai preferiram morar em outros lugares, menores e menos visados. Era o caso de meu pai, que mora no Palácio Sorvinski.
Mas, afinal, o que mais me impressionou foi a fonte em frente do palácio. Ela ficava dentro de um imenso lago cristalino e devia ter mais de 20 jatos de água, que se alternavam em jorros dançantes. Depois, à medida que nos aproximávamos do Palácio Sorvinski, a paisagem urbana foi dando lugar a um cenário bucólico, quase paradisíaco. Já dava para ver o mar! Meu Deus! Que demais! Só agora eu me dava conta de que passaria uma temporada à beira do oceano. Para nós, mineiros, isso é uma tremenda sorte.
As ondas são suaves. Será que o mar é quentinho? Porque, se for, vou querer dar um mergulho assim que puder.
E então, enquanto eu devaneava sobre água e mergulhos, o palácio surgiu. E meu queixo caiu. Nem tanto pelo prédio em si — que é grande também —, mas pelo conjunto formado pelo castelo, a fonte, o jardim opulento e o Mar Adriático atrás. O que senti não tem explicação.
O carro parou num pátio imenso, onde já havia outros veículos. No mesmo instante, surgiu uma mulher bonita, de cabelos loiros presos num coque perfeito. Ela esbanjava eficiência, tanto pela postura quanto pela aparência, vestida com um tailleur cinza-chumbo, meia-calça e saltos altos com pontas finas, que faziam barulho no piso a cada passo que ela dava.
— Oh, majestade! Como é bom vê-los! — saudou ela, olhando de meu pai para mim, fazendo uma avaliação pouco disfarçada.
— Ah, por favor, Irina, sem o “majestade”. Já passamos disso faz tempo.
Segurei o riso para não magoar... Irina. Coitada. As bochechas branquinhas dela estavam pegando fogo. Deu para perceber que o rei Andrej Markov não era muito de meias palavras.
— E esta é a Demetria. — Franziu a testa. — Quero dizer, é a Demi — corrigiu-se ele —, minha filha. Espero que você tenha feito tudo o que pedi.
— Oh, é claro, majes... digo, Andrej. — E, virando-se para mim, Irina disse: — É um grande prazer conhecer você, querida! Estávamos todos muito ansiosos.
Todos? Ela continuou:
— Espero que goste do seu quarto e do palácio, ah, e do país inteiro. Aqui tudo é perfeito, maravilhoso mesmo.
Pobre Irina! Ela estava uma pilha de nervos. Não sei se por minha causa ou pela presença marcante de meu pai, que revirava os olhos a cada vez que a mulher falava. Mas eu gostei dela. Achei-a espontânea e simpática. Precisava daquela primeira impressão para poder continuar.
— Demi, a Irina será sua... hã... companhia, assessora, secretária... não sei bem como chamar essa relação. Na verdade, ela trabalha para mim, mas penso que você precisará de uma ajuda para se ambientar aqui — explicou Andrej. — Não conheço ninguém melhor para isso do que a nossa querida e fiel Irina.
Epa! Ele estava dizendo que eu teria uma babá?
— Andrej, eu... eu não vou poder andar por aí sozinha? — O pânico tomou conta de mim. Se eu tivesse que andar acompanhada o tempo todo, não aguentaria. Sério.
— Filha, você poderá fazer o que quiser, especialmente quando estiver na propriedade. A Irina só está aqui para ajudar, entende?
Balancei a cabeça, concordando.
— Mas é claro que, assim que a notícia de que eu tenho uma herdeira se tornar pública, teremos que tomar algumas precauções.
— Devo entrar em pânico agora? — brinquei, mas um pouco tensa, na verdade.
— Claro que não — garantiu Andrej.
— Vamos entrar? — sugeriu Irina, pegando minha mão e levando-me até a porta de entrada do palácio.
Eu não via a hora de ficar sozinha e ligar para todo mundo no Brasil. Estava me sentindo uma princesa dos contos de fadas da Disney. Selena adoraria tudo isso.

*

A escadaria da frente do castelo era um prenúncio do que viria a seguir. De alguma forma, ela me pareceu meio familiar. Acho que me lembrou a mansão do Sr. Darcy no filme Orgulho e Preconceito. Os degraus eram de mármore, ladeados por um guarda-corpo em colunas. Tudo muito antigo.
Ao passar pelo portal de entrada, tão enorme e pesado, com o brasão da família Markov esculpido no centro, dei de cara com um salão gigantesco, mobiliado ao estilo do século XVIII. Longas e pesadas cortinas de veludo cobriam as janelas; havia várias poltronas escuras, parecidas com as dos filmes e novelas de época; tapetes — será que da Pérsia? — forravam o chão de mármore branco e polido. E o lustre? Nunca tinha visto um assim: do teto, pendia uma escultura de cristal formada por uma infinidade de gotas cristalinas. A peça devia ter o tamanho de um New Beetle. Sem brincadeira.
Irina não se cansava de explicar a história da família e do castelo. Ouvindo o incansável falatório da secretária/governanta/assessora/sei lá mais o quê, seguimos pelas escadas — longas e adornadas — que levavam ao segundo andar.
Para dizer a verdade, o cansaço foi me dominando e eu pouco escutava o que Irina dizia. É claro que eu estava encantada com tudo. Afinal, nem em meus sonhos mais loucos eu me imaginara passeando por um castelo de verdade, quanto mais como uma princesa. Mas tudo o que queria era ficar sozinha por pelo menos algumas horas e deixar meu corpo voltar a seu lugar. Sim, porque o fuso horário — adiantado cinco horas em relação ao Brasil — e a desgastante viagem resultaram numa fadiga que só um banho quente e muitas horas de sono poderiam resolver. No entanto, precisei me manter firme e seguir em frente, pois, sem quarto, não poderia ter nada disso.
Andrej não nos deixou sozinhas durante a excursão pelo castelo. Tenho certeza de que estava tão esgotado quanto eu. Mas acho que desejava causar uma boa impressão e se manteve firme.
Subimos mais um lance de escadas e minha cabeça já havia flutuado até Marte. Se eu estivesse no paraíso ou no inferno, não saberia dizer.
Continuei andando como uma cobra-cega até que Irina finalmente abriu uma porta no meio do corredor. Entramos em uma suíte que mais parecia um apartamento, de tão grande. Calculei mentalmente e concluí que aquele quarto deveria ser quase do tamanho do que eu tinha em BH, junto com o da minha mãe, mais a sala de televisão. Não preciso de tudo isso, deixo bem registrado aqui.
Mas não nego que era lindo e eu até poderia ter chorado de prazer e admiração se não estivesse tão exausta.
As paredes eram pintadas de bege e adornadas por dois quadros cujas pinturas lembram o movimento impressionista. Será que eram autênticos Monets? Ou Degas? Desculpe, estou me exibindo.
A cama — gigantesca — ficava no centro do dormitório, encostada numa parede recoberta por um papel de parede listrado de bege e marrom. Havia também uma lareira e, em frente a ela, duas poltronas cor de pêssego. Um painel de madeira escura cobria toda a parede em frente da cama. Nele, estava instalada uma televisão enorme de LED com entradas e saídas para tudo o quanto é tipo de mídia.
— O que achou, senhorita? — Irina estava se roendo de ansiedade, esperando uma palavra de aprovação. E Andrej parecia sentir o mesmo.
— É lindo! — murmurei. — Muito lindo mesmo. Eu não precisava de tudo isso.
— Ah! Então, venha ver o closet. — Irina me puxou pela mão e me levou ao outro ambiente. — Veja só o tamanho do seu armário!
— Armário?! — engasguei. — Esse closet é maior do que meu quarto no Brasil. Minhas coisas vão sumir aqui dentro.
Um sorriso insistente e fácil grudou em meu rosto. Nada se comparava a essa sensação de ser querida num meio completamente estranho e novo.
Irina tivera um trabalhão para deixar aquele quarto perfeito para mim. E eu fiquei, é claro, muito grata.
— Puxa, Irina! É tudo tão maravilhoso! Obrigada, de verdade.
Ela abriu um sorrisão maior do que o meu e então eu soube que aquela moça espevitada tinha um coração imenso e seria uma grande amiga nessas terras estrangeiras.
— Oh, querida, fico feliz que tenha gostado. Mas não posso receber os agradecimentos sozinha. O senhor Andrej me orientou em tudo, lá do Brasil ainda.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Meu Deus! Aquele homem existia? Como a louca da minha mãe deixara um príncipe como ele (na verdade, um rei) escapar? Só sendo muito doida mesmo.
— Obrigada — disse, enquanto me aconchegava nele para um abraço cheio de ternura.
— Filha, quero fazer tudo por você, tudo o que estiver ao meu alcance — disse meu pai, com emoção. — Posso ter perdido 20 anos de convivência com você, mas não quero perder mais nada daqui pra frente.
Assenti. Nem eu queria. Porque, admito, queria muito aproveitar esse pai que caíra do céu para mim.
Depois que os dois saíram do quarto para me deixar descansar, a primeira coisa que fiz foi tirar a roupa que vestia havia quase um dia inteiro e mergulhar na banheira que eu tinha só para mim num banheiro acima de todas as classificações dos hotéis de luxo (não que eu estivesse familiarizada com eles).
Devo ter ficado dentro da água por quase uma hora e só saí porque comecei a cochilar. Muito relutantemente, me arrastei — sem roupa mesmo — até a cama gigantesca e me joguei nela. Acho que adormeci em seguida.
Quando acordei, já estava escuro e eu tremia sob a colcha com a qual me enroscara durante o sono. Custei a sacar onde estava. Meu cérebro não fez o processamento automático de minha localização. Por uns instantes, pensei que estava sonhando ou num universo paralelo.
Logo que recuperei a consciência, uma ansiedade me dominou. Gente, sou uma princesa! E estou na Krósvia para desempenhar meu papel, ou melhor, meus dois novos papéis: o de princesa e o de filha com pai. Sinistro.
Lembrei que ainda não tinha dado notícias ao Brasil e minha mãe devia estar desesperada lá em Belo Horizonte. Se bem que, a essa altura, do jeito que ela era estressadinha, já devia ter tomado a iniciativa.
Levantei-me com muita preguiça e olhei a tela do celular. Dito e feito. Havia mais de 20 chamadas não atendidas e umas 10 mensagens de texto. A maioria delas era de minha mãe, mas outras eram de Selena. Só estranhei não ter nenhuma de Nick. Ele provavelmente teria tentado se comunicar comigo pela Internet.
Sem ânimo para conversar e responder ao vivo a todas aquelas perguntas de praxe (Como foi o voo? Você passou mal? A Krósvia é legal? E o palácio?), mandei notícias por sms, as mesmas para minha mãe e minha amiga, dizendo que estava tudo bem, que eu dormira demais e que no dia seguinte ligaria para todo mundo.
Enrolada num lençol, agachei-me em frente a uma de minhas malas, que ainda estavam feitas, e tirei uma peça de roupa limpa. Não sabia que tipo de traje a situação exigiria de mim, então optei pelo básico (que novidade!): calça jeans escura e justinha — uma da Colcci, linda, que ganhei de vovó —, camiseta branca lisa e um casaquinho ajustado na cintura, vermelho, de veludo. Calcei as mesmas sapatilhas de antes e escovei os cabelos. Meu rosto estava meio pálido, então passei um gloss rosado nos lábios e um pouquinho de blush nas bochechas para dar um ar saudável.
Saí do quarto, não sem antes respirar fundo umas cinco vezes para tomar coragem. Foi aí que percebi que estava perdida. O palácio era enorme, cheio de portas e corredores e, na chegada, eu não prestara atenção suficiente para decorar o caminho. Poderia voltar ao quarto e fazer uma ligação de pedido de socorro para Irina — minha suíte tinha um aparelho que se conectava com todos os cômodos do castelo, como nos filmes. Mas seria humilhante demais. O jeito era arriscar.
— Direita — disse em voz alta, tomando a decisão de me localizar sozinha.
Saí às cegas pelo palácio, abrindo portas que levavam a cômodos estranhos, sem esbarrar em nem um ser humano sequer. Os únicos rostos de gente que vi estavam pintados nos inúmeros quadros pendurados nas infinitas paredes. Isso me lembrou da vez que entrara num daqueles castelos mal-assombrados dos parques de diversão. Na verdade, fora no Shopping Del Rey e, mesmo sabendo que era tudo de mentira, eu quase tinha vomitado em cima de um dos monstros que ousara me ameaçar com uma foice. Saíra de lá aos berros, chorando feito um bebê. Eu já tinha 14 anos.
Agora, bufando de raiva por estar perdida e suando de indignação, parei diante de uma grande porta dupla, feita de madeira trabalhada com o que só podia ser o brasão da família real. Se eu acreditasse em forças ocultas, diria que alguma coisa havia me impulsionado a abrir aquela porta e entrar. Mas, como sou quase uma cética quando o assunto é misticismo, ponho a culpa na curiosidade imensa que me atingiu.
Sem pensar demais, empurrei a porta e entrei.
Como já era noite, não se enxergava nada. Tateei a parede em busca de um interruptor e não demorei a encontrá-lo. Assim que as lâmpadas se acenderam, senti minha boca se escancarar de choque e surpresa. Minha curiosidade me levara a um lugar incrível, do tipo que eu só havia visto na televisão ou em livros. Eu estava na maior e mais recheada biblioteca particular do mundo! Bom, pelo menos do meu mundo.
Havia estantes cobrindo todas as paredes do salão, que era grande, mas não a ponto de parecer frio e impessoal. Em cada canto havia livros, todos dispostos de maneira planejada nas prateleiras feitas de uma madeira quase negra.
Meu coração disparou só de imaginar as horas que eu passaria ali, recostada na chaise de veludo verde estrategicamente posicionada debaixo de uma janela ampla, de vidro, cuja vista só podia ser de tirar o fôlego.
Fui caminhando para aquele interior mágico, aconchegante, pisando sobre um tapete não muito felpudo, mas fofo, como se estivesse nas nuvens. Não é exagero meu. Sou louca por livros! Já deixei de ir a muitas festas só para não perder o fio da meada de uma história. Eu trouxera para a Krósvia uma mala só de livros — meus preferidos e aqueles que ainda não lera. Comprava tantos que meu salário como estagiária era quase só para isso. Então, fala sério, aquela biblioteca era um paraíso!
Os livros eram separados por assunto e, em seguida, por autor. Passei os dedos por eles, sentindo a textura, tentando captar sua aura.
Aleatoriamente, retirei um da estante. Era Guerra e Paz, de Tolstoi. Um original, de capa dura e letras douradas! Uma relíquia! Eu já tentara ler Guerra e Paz uma vez, mas confesso que saltei tantas páginas antes de chegar ao fim que não posso dizer que o li realmente. Mas tentei e me orgulho disso. E já vi o filme, só para saber como terminava a história.
Coloquei-o de volta ao lugar e já ia pegar outro quando um carrilhão, no qual eu não tinha reparado, deu o ar da graça, informando as horas com batidas fortes: oito da noite! Puxa! Era tarde e, se eu não me apressasse, Andrej e Irina mandariam uma equipe de resgate atrás de mim.
Prometendo a mim mesma que voltaria mais tarde para uma nova inspeção, dei as costas aos livros, só para me chocar com um corpo grande e rígido, parado no meio da sala.
— Ai! — dei um gritinho, mais pelo susto do que pela dor que atingiu minha testa.
Ainda não tinha visto o rosto do dono daquela parede que se chocou contra mim quando uma voz meio rouca e profunda disse, em inglês:
— O Andrej está maluco atrás de você.
O tom era meio ríspido, por isso dei um passo para trás e ergui os olhos. Dei de cara com um homem jovem, de rosto bonito, mas sério, encarando-me com um olhar irritado. Vestia uma roupa casual — jeans e camiseta de malha — e parecia muito à vontade naquele ambiente.
Tive que engolir em seco, porque aqueles olhos duros — e verdes — estavam me queimando.
— Você pode bisbilhotar mais depois — prosseguiu ele, agora, sim, deixando-meindignada. Como assim, bisbilhotar?
— O que disse? — engasguei.
Ele só balançou a cabeça e me pegou pelo braço, guiando-me porta afora. Não sou nenhuma leitora de linguagem não verbal, mas podia jurar que o cara bonito estava detestando a função de me levar até meu pai.
— Ei, eu posso andar sozinha — protestei.
Ele soltou meu braço sem pensar duas vezes, como se eu estivesse pegando fogo ou fosse transmitir uma doença contagiosa.
Em silêncio, caminhamos por mais um corredor e descemos um longo lance de escadas — eu tinha que guardar esse caminho — até chegar a uma sala decorada por uma mesa enorme, onde Andrej e Irina conversavam de pé perto de uma das cabeceiras. Eles abriram um sorriso ao me verem e acho que meu pai respirou aliviado. Será que ele achou que eu havia fugido?
— Demi! Você sumiu! — observou ele, todo feliz com minha súbita aparição. Chegou perto e beijou meu rosto.
— Desculpa — encolhi os ombros, realmente envergonhada. — Primeiro eu me perdi. Não sabia que direção tomar. Constrangedor, eu sei. Depois, descobri a biblioteca e, bom, quase desmaiei de empolgação diante daqueles livros todos.
Andrej e Irina soltaram uma gargalhada contagiante, mas meu “salvador” continuou rígido e sério como os Dragões da Independência.
— Tudo bem, filha. Fique à vontade para explorar tudo o que quiser neste castelo. Tem minha permissão. Só ficamos preocupados com seu sumiço.
— Desculpa — repeti —, vou ficar mais atenta.
— Então, vamos jantar! — Andrej esfregou uma mão na outra, demonstrando o tamanho da fome que sentia.
Foi então que percebi que eu também estava faminta. Só de pensar na comida, senti meu estômago estremecer. Apertei-o discretamente para que não fosse flagrada por ninguém. Seria uma humilhação se minha barriga rugisse naquela hora.
— Parece que você já conheceu o Joe — Irina comentou.
Meus olhos, mais que depressa, voaram até o homem emburrado, que levantou uma das sobrancelhas, numa atitude meio blasé.
— Oh! É claro! Que cabeça a minha! — Andrej me pegou pela mão e se aproximou do sujeito, todo cheio de afeto — Filho, esta é a Demi, minha menina perdida. E este é o Joseph, Demi. Meu filho postiço.
Nós dois nos encaramos por um instante e, quando eu já ia estender a mão para cumprimenta-lo, coisa que nenhum dos dois tinha feito até então, ele arqueou uma das sobrancelhas e disse:
— Que providencial ela ter sido encontrada justo agora, não é mesmo?
Não sei se Andrej e Irina perceberam o tom, mas para mim ficou claro: Joe foi extremamente sarcástico, o que me levou a acreditar que ele não me queria ali. Fiquei magoada. Até poucos dias atrás, eu mesma relutara em aceitar conhecer essa outra parte de minha vida. Será que aquele playboyzinho estava pensando que eu tinha segundas intenções, tipo, dar um golpe em meu próprio pai? O que não seria pouca coisa, já que ele era um rei. Fala sério!
Ninguém respondeu àquela provocação.
Fechei a cara para ele e me sentei na cadeira que Andrej puxou para mim, bem a seu lado. Joe ficou de frente para nós e nem por um momento relaxou a expressão. Por isso, o jantar foi tenso. Quero dizer, não só por isso. A comida também não ajudou. E olha que eu estou acostumada a comer de tudo, já que minha mãe é dona de buffet e tal, mas nunca havia experimentado aquelas coisas, como, por exemplo, salada de estrela-do-mar! Só de ver os tentáculos do bicho espalhados no meio da travessa, quase passei mal.
Eu queria picanha, arroz, feijão... Será que eles não conheciam esse tipo de comida? Será que eu teria que fazer um regime forçado pelos próximos seis meses?! Ah, não. Se fosse preciso, eu mesma iria para a cozinha. Aprendi com minha mãe a fazer muitas receitas e sei me virar muito bem. Fome eu não passaria.
Percebendo minha relutância em engolir, Irina quis saber:
— A refeição não está do seu agrado, meu bem?
Fiquei roxa de vergonha, até porque Joe semicerrou os olhos, de um jeito maligno, aguardando minha resposta.
Eu poderia mentir e dar uma desculpa qualquer. Aliás, as frases mentirosas chegaram até a ponta de minha língua. Mas mudei de ideia a tempo. Se eu quisesse sobreviver na Krósvia, precisaria ser sincera com todos — e comigo também.
— É que eu não conheço esses pratos — confessei. — Estou acostumada com outras coisas, tipo arroz e feijão. Já ouviram falar?
Andrej caiu na gargalhada e, para minha surpresa, Joe também sorriu. E, meu Deus, quando ele sorriu, tudo mudou naquele rosto. A carranca desapareceu e deu lugar a uma boca muito sexy, meio torta, com dentes branquíssimos e enfileirados. Eu ainda não tinha reparado numa pintinha minúscula acima dos lábios, no canto esquerdo. Muito charmosa a combinação.
De repente, peguei-me perdida naquela imagem, como uma garotinha de olho na Barbie Castelo de Cristal. Joe percebeu e fechou a cara novamente. Ainda bem. Se não, até que horas eu ficaria encarando constrangedoramente?
— Claro que conhecemos arroz e feijão — esclareceu Irina, paciente. — Na verdade, mais o arroz. Mas ele não faz parte das refeições diárias dos krosvianos. Nosso clima não é muito favorável ao seu cultivo.
— Certo. E vocês suprem as necessidades diárias de carboidratos com...?
— Pães e massas, é claro. — Irina foi rápida no gatilho. Mais parecia uma guia de excursão, com suas respostas para todos os tipos de pergunta. O engraçado é que não vi nenhum pão e nenhuma massa naquele jantar. Se eles tivessem sido servidos, eu não estaria passando fome.
No final das contas, Andrej me salvou. Pediu à criada que trouxesse um sanduíche de presunto e queijo para mim, o que me deixou imensamente grata.
Joe, depois do sorriso não intencional, voltou à careta de sempre e ficou quieto, só falando quando a palavra era dirigida a ele.
Consegui observá-lo um pouco mais e concluí que, mesmo bonito, ele era dominado por seu mau temperamento. Queria muito saber se ele agia assim sempre, com todo mundo, mas não tive coragem de perguntar nem para Andrej, nem para Irina. Pareceria invasivo demais, além de dar margem para possíveis especulações.
Então, no momento em que Joseph virou as costas e foi embora para seu apartamento, que ficava sei lá onde em Perla, grudei a língua no céu da boca para não perguntar nada e também saí, refugiando-me em meu novo — e maravilhoso — quarto.
Queria notícias de meu povo e aproveitei a falta de sono e a solidão para entrar em contato com todos. Assim que liguei o computador e me conectei à Internet, as mensagens começaram a pipocar.

De: Dianna Lovato
Para: Demetria Lovato
Assunto: Chegou bem?

Minha querida filhinha,

Tudo bem aí? Chegou bem? Por que não deu notícias até agora? Aconteceu alguma coisa? Você quer voltar? Saiba que estaremos aqui, de braços abertos, caso queira retornar ao Brasil, que é seu lar.
Sei que essa mudança não deve estar sendo nada fácil para você e compreendo se estiver em dúvida. Aliás, todo mundo entende. Não quero que se sinta obrigada a nada.
Então, não me deixe nessa agonia e dê sinal de vida, O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL, tá?
Te amo muito, minha flor. Sempre.

Beijos...
Mamãe

Ai, ai. Essa é minha progenitora. Às vezes, ela é tão dramática, tão superprotetora. Acho que, no fundo, ela estava torcendo para que eu estivesse bem deprimida e voltasse correndo para seu colo.
A próxima mensagem era de Selena, toda animada, perguntando sobre tudo, especialmente sobre a aparência dos krosvianos. Queria saber se eram charmosos como os italianos ou rústicos e misteriosos como os russos. Como assim? No final do e-mail enorme, ela aconselhou:

De: Selena Gomez
Para: Demetria Lovato
Assunto: Conta tudo!

(...)
Não deixe que seu lance recente com o Nick te impeça de paquerar muuuuito por aí. Independente de os krosvianos serem parecidos com os italianos ou com os russos, aposto que são gatos demais, uns gostosos de cabelos claros e olhos verdes. Ah! Comuns narizes charmosos, claro.
Quando puder, tire umas fotos daí e me mande por e-mail. Estou megacuriosa, pode crer.
Agora tenho que ir. Minha irmãzinha quer que eu a leve ao cinema.
Se cuida, amiga.

BJS!
Selena

Olha só o conselho da menina! Como poderia achar graça em qualquer outro cara estando completamente apaixonada por Nick? Aliás, meu coração perdeu uns dois ou três compassos assim que avistei o nome dele em minha caixa de entrada.

De: Nicholas Jonas
Para: Demetria Lovato
Assunto: Oi

Princesa (rs),

Já estou morrendo de saudades.
Falei com a Selena mais cedo, mas ela ainda não tem notícias suas. Entendo. A viagem deve ter sido cansativa e desde que chegou aí você provavelmente tem passado por muitas coisas!
Mas isso não me impede de sentir sua falta. Ontem, quando saí com meus amigos e fomos àquela nova boate nas Seis Pistas, fiquei me lembrando do dia em que a gente se conheceu. Tive que tomar todas para ficar numa boa e não deprê.
E você? Está com saudades também?
Aposto que ainda não conseguiu processar direito essa nova realidade, né?
Espero que esteja gostando de tudo. É muito importante que você fique bem e curta muuuuuuito sua viagem.
Escreva depois, contando as novidades. E não se esqueça de mim!

Mil beijos, gatinha.
Nick.

Espera! Boate nova? Seis Pistas? Tomar todas? Era assim que ele estava sofrendo de saudades? Até parece... Tudo bem que eu mesma não tivera tempo de parar para sofrer e lamentar a distância. Nós também não estávamos namorando nem nada. Mas nem por isso eu já tinha caído na noite e tomado um porre com a desculpa de me animar. Essa não colava!
Mas tudo bem, tudo bem. Foco, Demi. Não era o fim do mundo. As palavras dele demonstraram afeto e carinho e, no momento, isso era tudo de que eu precisava. Né?

Ainda li outras mensagens, de mais amigos e da vovó, e todas continham basicamente o mesmo tema. Bateu uma saudade extrema de todo mundo e, depois daquele jantar esquisito, com comida estranha e olhares assassinos, fiquei me perguntando se valia a pena insistir nessa maluquice de ser princesa.