Divulgação: http://mymirrorstaringbackat-me.blogspot.com.br/
~*~
Alguém já ouviu falar na Krósvia?
Os dias seguintes à minha chegada
foram de reconhecimento de terreno. Ou seja, fui levada de um lado para o outro
por Irina, mas meio clandestinamente. Por mais que Andrej não tivesse divulgado
oficialmente a minha existência, ele temia por minha segurança. Isso era muito engraçado
porque, até então, a única preocupação de minha mãe tinha sido garantir que eu
chegasse em casa todos os dias com a cabeça bem grudada no pescoço e todos os
meus fios de cabelo no lugar.
O que Andrej não queria era que
eu sofresse o assédio da imprensa antes da hora e não pudesse curtir
anonimamente meu novo país. Palavras dele. Meu pai também queria evitar que a
notícia se espalhasse pelo Brasil e se tornasse assunto das revistas de fofoca.
Sendo assim, para que as coisas acontecessem
do jeito certo, Andrej estava planejando um evento de apresentação de sua filha
— ou seja, euzinha — ao povo da Krósvia. Nesse dia, ele faria um comunicado
oficial e divulgaria ao mundo que tinha uma herdeira legítima.
Quando ele me contou tudo isso,
comecei a rir. Fiquei me lembrando de um livro que li sobre uma princesa
americana recém-descoberta. Eu estava vivendo algo bem parecido, com a exceção dos
cabelos indomáveis. Isso eu não tenho, graças a Deus.
Bem, passei dias andando com
Irina para todos os cantos de Perla e me deslumbrando com a beleza da cidade.
Havia tantas praças e todas eram tão bem cuidadas e floridas! Não vi lixo
espalhado nem bancos estragados. As crianças brincavam — livres e seguras — nos
parquinhos.
E as flores! Era tanta variedade,
tanta cor que fiquei sem fala. Aliás, parecia que Perla nascera para ser
florida. Cada casinha tinha um canteiro na frente, fosse no chão ou nas
sacadas. Tudo muito caprichado, como se as pessoas tivessem orgulho de viver
naquele pedaço do mundo.
Irina disse que sou engraçada.
Normalmente os turistas se encantavam pelos palácios, pelos monumentos
históricos, pela arquitetura eclética... e eu lá, babando na natureza e nas
casas das pessoas comuns.
Não é bem assim. Também gosto das
construções. Pelo amor de Deus, nasci em Minas Gerais! Sou fã de Ouro Preto.
Adoro antiguidades. E Perla tinha um monte delas. Mas não dava para ignorar
quão generosa a natureza foi com a Krósvia ao dar ao país um clima agradável, propício
a tudo, além de um litoral digno de catálogos turísticos. Paradisíaco.
Sem brincadeira. Ao afundar meus
pés naquelas areias brancas e finas, fiquei imaginando uma cena idílica com
Nick e eu como protagonistas. Minhas bochechas chegaram a queimar. Não vou
descrever o que passou por minha cabeça. Só sei que foi bom e desejei muito que
as imagens passassem a ser reais. Ai, ai.
Outra marca registrada de Perla
eram os cafés. Assim como eu imaginava que seria em Paris, havia um em cada
esquina, todos cheios de turistas, homens e mulheres de negócios, estudantes,
boêmios. Claro que fui conferir dia após dia se eles eram tão bons quanto
aparentavam e, como cafezeira de primeira, atesto que foram mais do que
aprovados.
Devo registrar que a energia de
Irina não tinha fim. Quando pensei que já tinha visto tudo, conhecido todos os
lugares, ouvido todas as histórias, ela me apareceu com mais um roteiro.
— Vamos seguir hoje a trilha da
moda e do consumismo.
Eu chegara à Krósvia com uma
pequena reserva financeira, conquistada com meu ridículo salário de estagiária,
mais a mesada que recebia de minha mãe para não ter que ficar pedindodinheiro
toda hora. Mas nem bem tinha respirado os ares europeus e Andrej aparecera com
um sorriso nos lábios e um cartão de crédito nas mãos. Não adiantou argumentar,
dizer que não precisava, que ficaria bem com o que trouxera e coisa e tal. Ele
enfiou o cartão em meu bolso e ordenou: Use sem moderação.
Nunca tivemos problemas
econômicos, digo, minha mãe e eu. O trabalho dela é bem remunerado e vivemos
com certo conforto. Mas eu jamais ouvira essa frase em toda a minha vida. Mamãe
sempre regrou tudo. Primeiro, porque a gente não nadava em dinheiro. Segundo,
bem, por motivos óbvios. Todo mundo sabe que não se pode dar a uma criança ou a
um adolescente tudo o que eles querem.
Aí aparece o meu pai e me diz uma
coisa dessas, ainda por cima sorrindo. Inacreditável. Se eu ainda fosse
pequena, ele poderia estragar minha educação. Que bom que já estava bem crescidinha...
Então, por excesso de
responsabilidade — e pela boa educação que recebi de dona Dianna —, insisti que
não queria cartão de crédito nenhum e que nem era tão consumista assim. Essa característica
era forte em minha mãe e em vovó, mas eu sempre fui básica, como todos bem
sabem.
Andrej virou as costas e me
deixou com cara de tacho. E o cartão na mão.
Só por isso, Irina inventou de me
levar às compras. Fala sério. Ela disse que eu precisava de roupas novas. E
sapatos. E bolsas. E maquiagem. Então eu fui, fazer o quê?
Sem que eu me desse conta disso,
já estava enfiada num megashopping, gastando feito louca, comprando coisas que
eu nem sonhava ter.
Por sorte, as atendentes das
lojas falavam inglês (o país estava bem preparado para o turismo) e não houve o
menor problema de comunicação. Elas ficavam empolgadas quando Irina contava que
eu era brasileira e faziam um monte de perguntas, a maioria do tipo: Você
usa biquíni fio-dental? Ninguém
merece.
Acabei comprando três calças
jeans — uma de cintura baixa e justinha, outra básica e uma de estilo
masculino, meio larga no bumbum, da Dolce & Gabanna —, cinco vestidos
básicos, dois vestidos de festa, sete blusas, um casaco de lã e um blazer. Ah! E um lenço também. E um par
de luvas de couro vermelhas.
Tá bom. Para quem se diz não
consumista, exagerei nas compras. Mas era tudo tão lindo, e eu agora tinha
tanto dinheiro...
Apaixonei-me pelos sapatos
italianos Manolo Blahnik, dos quais eu só tinha ouvido falar nos livros de Meg
Cabot e Sophie Kinsella, e acabei levando três pares exclusivíssimos e
carésimos: uma bota preta de bico fino, cano alto e salto agulha, um “meia
pata” rosa-choque, furado na ponta para deixar os dois primeiros dedos do pé à mostra,
e uma sandália de festa creme. De outra butique, levei ainda uma bolsa de couro
verde-escura e uma rasteirinha com as tiras bordadas com pedras douradas.
Consumida pela euforia, acabei
renovando minha gaveta de lingeries, dando-me de presente alguns conjuntos de
renda bem sexies da Victoria’s Secret, para uma emergência. Vai saber? Não que eu
esteja planejando algo... Ou talvez esteja, sei lá! Pelo menos, foi o que fiquei
repetindo para mim ao pagar as calcinhas e os sutiãs novos, embora, só de
pensar na possibilidade de concretizar minhas fantasias na areia da praia, sentisse
a barriga gelar.
Cheia de sacolas nos braços, um
sorriso de prazer na face e um rombo na conta bancária — de meu pai —, avistei
um salão de beleza e decidi que precisava fazer as unhas. Sou básica — ou era?
—, mas não sei ficar com as unhas por fazer.
Graças a Deus, havia uma manicure
no salão e ela estava com tempo para me atender. Irina aproveitou a
oportunidade para trocar a cor do esmalte.
Sentei-me diante da moça e
estendi as mãos para ela, que pegou uma lixa e começou a aparar minhas unhas.
Notei que não havia nenhum sinal
de alicates e removedores de cutículas. Como, por Deus, a manicure pretendia
dar um trato legal nas minhas unhas sem um bom e afiado alicate?
Quando a manicure, depois de
guardar a lixa, retirou uma base da gaveta e quis saber qual cor eu gostaria de
passar, puxei rapidamente as mãos e perguntei, incrédula:
— Você não vai colocar minhas
mãos de molho para tirar as cutículas?
— As cutículas? Tirá-las? Como
assim? Posso empurrá-las, se fizer questão.
De queixo caído, balancei a
cabeça energicamente. Não dá para fazer as unhas sem eliminar as cutículas! A
beleza do negócio está na eliminação das benditas cutículas. Todo mundo sabe
disso, não sabe?
Remexendo a bolsa, encontrei o
saquinho de chita onde guardava os apetrechos que levava para minha manicure de
Belo Horizonte quando ia arrumar as mãos e os pés.
— Olha — comecei, paciente —, eu
não sou manicure, mas posso lhe dar umas dicas. Porque não dá para ficar com as
unhas bonitas e nenhum esmalte as realça se as cutículas continuarem aqui.
— Senhorita, eu realmente...
— Veja bem, hã, Virna — li o nome
da moça em seu crachá. — Você consegue um par de luvas de plástico com a
cabeleireira?
Virna se limitou a balançar a
cabeça, mas se moveu em busca das luvas.
— Muito bem — disse eu em tom professoral.
— Agora, a gente borrifa um pouco de água dentro de uma delas primeiro. Pode
colocar uma pequena dose de creme hidratante também. Depois, é só calçá-la em
uma das mãos. Enquanto lixa as unhas da outra mão, a água e o creme vão amaciar
as cutículas desta e daí você poderá cortá-las com o alicate. Assim. Dê aqui
sua mão.
Sem nem perceber o que estava
fazendo, executei todas as etapas relatadas para Virna na própria Virna, sob os
olhares atentos e incrédulos das clientes e funcionárias do salão. Sem contar a
boca escancarada de Irina, que devia estar a ponto de me arrancar dali e me
prender dentro do castelo. Seu olhar dizia o que ela pensava: O
rei vai me matar! Estou expondo a filhinha dele!
A manicure ficou muda. Mesmo não
tendo destreza para fazer uma unha com perfeição, consegui demonstrar à moça
como deveria ficar uma mão bem-feita. Recebi aplausos entusiasmados assim que
terminei.
— Nos pés, você pode usar sacos
plásticos — finalizei a lição. — E agora? Vai fazer minhas unhas direito?
Virna concordou e tratou de
aplicar as técnicas recém-aprendidas. Tudo bem. Admito que não ficou uma maravilha,
mas já era um começo. E, como já estava em um salão de beleza mesmo, lavei e
sequei os cabelos. Ao me olhar no espelho, senti-me renovada.
Com o guarda-roupa reestruturado,
as unhas feitas e o cabelo limpo e brilhante, estava pronta para encarar essa
vida diferente e mágica que caíra de paraquedas sobre minha cabeça.
*
Tudo lindo... até eu chegar em
casa. Irina e eu entramos no castelo pela entrada secundária, destinada aos
funcionários e moradores por ser mais curta e de acesso mais fácil.
A essa altura, ou seja, quando eu
já estava havia quase duas semanas na Krósvia, todo mundo no palácio sabia quem
eu era e conhecia meus hábitos — principalmente os gastronômicos.
Amiga que fiquei de Karenina, a
principal cozinheira do castelo, sempre passava pela cozinha antes de me enfiar
na biblioteca e ficar entocada lá até que a noite caísse. E não era só para
bater papo com ela que eu ia até lá. Era também para provar tudo o que ela
preparava, principalmente as massas maravilhosas. Eu ficara, sim, assustada com
a comida servida em meu primeiro dia na Krósvia. Mas agora Karenina conhecia
minhas preferências e adorava me paparicar.
Exausta com as compras
desenfreadas, entrei encurvada na cozinha, resmungando algo ininteligível,
principalmente porque falei em português.
— Kare, preciso de energia —
implorei, fazendo uma voz de criança carente e usando o apelido carinhoso que
dei a ela.
Karenina sorriu, mostrando seus
dentes perfeitos, mas quem respondeu não foi minha cozinheira favorita — depois
de minha mãe, claro.
— Estou vendo que participou de
uma orgia consumista.
A voz profunda me atingiu em
cheio. Desde aquele jantar fatídico, eu não vira mais o dono daquela voz. Ainda
bem, pois não estava preparada para suportar as indiretas e os olhares mordazes
outra vez.
Passara uns dias andando feito
lagartixa pelas gretas, com medo de dar de cara com ele. E, quando eu já nem me
lembrava mais de sua existência, Joseph me vinha com essa frase carinhosa.
Respirei fundo para responder à
altura, mas foi só olhar para ele que esqueci o que pretendia dizer.
Joe parecia um deus grego. Como
eu não notara isso da primeira vez? Talvez fosse a roupa. De calça jeans
desbotada e rasgada na coxa, botas marrons e camisa de malha demarcando seus músculos
— Jesus, que tórax era aquele? —, acho que me esqueci como se respira.
Não sei por que, mas nessa hora
meu cérebro resolveu se lembrar das lingeries novas da Victoria’s Secret. Que
belo senso de oportunidade!
— É — concordei, mais por impulso
do que por concordar com ele. — Não resisti à tentação.
Epa! Frase ambígua. Droga,
droga, droga! O sorrisinho
safado que Joe esboçou era a prova de que tinha captado o duplo sentido.
— Fico feliz que esteja
aproveitando seu tempo aqui da melhor maneira possível. Afinal, de alguma forma
tem que valer a pena, né?
Franzi a testa. Não tinha a menor
ideia do que exatamente ele estava falando. Estaria tirando uma da minha cara?
Provavelmente. O santo dele definitivamente não tinha batido com o meu.
— Quer comer o que, meu bem? —
quis saber Karenina, indiferente a toda a estranheza do diálogo entre mim e Joseph.
— Tem café? Se tiver, preciso de
uma garrafa inteira. E pão.
Minha resposta me levou a um arrependimento
imediato. Deu a entender que eu estava desesperada, isto é, mais munição para a
língua ferina do enteado de meu pai.
— Também quero, Karenina — disse
Joe.
— Não pelos mesmos motivos, mas
também estou um bagaço.
Chatinho ele, não? Coisa de
mauricinho, só podia ser. De repente, deixei de ter fome e só queria ir para
meu quarto e fugir daquele olhar verde e provocador.
Mas, resignada e com o estômago reclamando,
sentei-me em frente à mesa da cozinha, enquanto Karenina servia um lanche com muito
mais itens do que eu havia pedido. Joe fez o mesmo, mas sentou-se de um jeito
bem mais despojado, com um braço sobre o encosto da cadeira e as pernas meio
abertas. Ficou me encarando descaradamente, uma sobrancelha arqueada,
desafiando-me a fazer o mesmo.
No entanto, tudo o que eu
consegui encarar foi a tatuagem que se insinuou debaixo da manga da camisa
dele, bem no tríceps. Não sei ao certo o que era. Parecia uma dessas tribais,
toda preta. E sexy. Muito. Engoli com dificuldade enquanto desviava o olhar
para o armário das louças, para minha própria segurança.
— Estava reparando daqui — disse
ele, começando uma conversa mansa, aparentemente despretensiosa, mas que eu
sabia que era pura fachada. — Seus olhos são bonitos.
Oi?
— Meio puxados, né? Cílios
longos... — Joseph me estudava como se eu fosse um rato de laboratório.
Senti que fiquei vermelha e não havia jeito de disfarçar isso. — Muito
sensuais. E a cor é meio indefinida. Não sei ainda se são castanhos-claros ou
esverdeados.
Karenina riu e se intrometeu na
conversa, salvando-me de um constrangimento ainda maior.
— Menino, para com isso! Não vê
que a Demi ficou envergonhada? E é claro que os olhos dela são cinzentos, não
percebeu ainda, seu tonto?
Se era para melhorar a situação,
adianto que ela não alcançou seu objetivo. Fiquei ainda mais sem graça. E, sim,
Karenina estava certa. Meus olhos são cinzentos, um tom tão morno quanto um dia
nublado.
Joseph sorria de modo
irritante. Senti que as engrenagens do cérebro dele estavam trabalhando a mil,
provavelmente para soltar mais uma pérola.
Distraí-me mordendo um pãozinho
de batata bem quente, recheado com requeijão, recém-saído do forno. A sensação
dele em minha boca era tão boa que, por um instante, esqueci que aquele idiota gostosão
permanecia plantado diante de mim.
— Sabe de uma coisa? — perguntou
ele, enquanto terminava de engolir um pedaço de pão. — Embora eu não acredite
muito nessa história de filha perdida no mundo, até que você se parece com o
Andrej. Nem precisa fazer o exame de DNA, eu acho.
Quase cuspi o café naquela cara
safada. Quer dizer que a birra toda dele era porque pensava que eu era uma fraude,
uma golpista de quinta, de olho na fortuna de Andrej? Seria possível que
ninguém tivesse feito o favor de contar para o ordinário que fora meu pai quem
me encontrara, que ele viera atrás de mim, e não o contrário?
Mas não consegui abrir a boca
para protestar. E não foi só por causa do enorme choque e da indignação, mas
principalmente porque fiquei magoada. Isso mesmo. Eu não queria que Joseph
pensasse mal de mim, mesmo não entendendo o motivo de eu me importar com isso.
Levantei-me da cadeira, já sem
apetite.
Lutando contra um nó dolorido que
subia por minha garganta, finalmente disse:
— Você não sabe nada sobre mim.
Nada. Então, não fique falando do que não conhece.
Por mais que ele tenha se
assustado, pelo menos um pouco, com minha reação, ficou parado como uma
estátua.
Enquanto eu me dirigia para fora
da cozinha, sem me despedir de Karenina, escutei-a ralhar com Joseph como se
ele fosse um garotinho levado. E não era isso mesmo o que ele era? Um filhinho
de papai mimado?
EU: — Aí eu saí pisando duro e
deixei o metido a besta sem fala!
Já fazia quase meia hora que
falava ao telefone com Selena. Já que Andrej resolvera me dar carta branca para
gastar à vontade, que mal havia em abusar das chamadas internacionais?
Proporcionalmente à minha vida em
Belo Horizonte, era o mesmo que comprar balas na cantina da faculdade. Mixaria.
EU: — Até agora estou sem
acreditar que o idiota teve a coragem de dizer na minha cara que duvida das
minhas intenções. Vê se pode, Selena! Até outro dia eu nem sabia onde a Krósvia
ficava no mapa!
Selena: — Demi, eu...
EU: — Desde o primeiro dia ele
fica me encarando de um jeito irônico, com uma das sobrancelhas meio repuxada
para cima, me avaliando como se eu fosse uma...
Selena: — Sinceramente...
EU: — Você acredita que ele disse
que nem vou precisar fazer o teste de DNA porque eu “até” pareço com o Andrej?
É muita cara de pau.
Selena: — Bom, talvez...
EU: — O pior é ter que olhar para
aqueles olhos verdes profundos, porque é difícil, levando em consideração a
estatura do idiota. Sabe, Selena, você precisa ver, ele é superalto. E tem uns músculos
bem definidos, deu para perceber.
Selena: — Bom...
EU: — Mas isso não quer dizer
nada, já que ele perde todo o charme assim que abre a boca e solta uma daquelas
frases sarcásticas, tipo, que eu participei de uma orgia consumista hoje cedo.
Selena: — Orgia consumista!
EU: — Vou falar com o Andrej, se
você quer saber. Isso! Vou pedir para ele evitar encontros entre nós dois.
Senão, vai ser insuportável ficar aqui, entende?
Selena: — Puxa...
EU: — Já não está muito fácil,
embora eu esteja recebendo mimos e paparicos de todos aqui na casa. Mas meu pai
mal tem tempo para mim e a gente quase não se vê, exceto na hora do jantar, que
é sagrada. Mas eu não o culpo, porque sei que a rotina dele é complicada.
Selena: — Demi...
EU: — Está resolvido! Nada de
contato com o mauricinho gostosão do Joseph.
Selena: — Mauricinho gostosão?
EU: — Nem se ele aparecer sem
camiseta, exibindo aquela tatuagem sex... digo, brega. De agora em diante vou
ignorá-lo solenemente. Nada vai me fazer mudar de ideia. E então? O que você acha?
Selena: — ...
EU: — Ei, você está aí?
Selena: — Ah! Agora você
percebeu, né? Não notou que eu não consegui formular uma única frase desde que
você me ligou? Demi, está tão nervosa que ficou falando sozinha, de um jeito totalmente
alucinado. Parece que o mauricinhogostosão-com-tatuagem-sex-digo-brega mexeu mesmo
com seus nervos.
EU: — Desculpa, Selena. Mil vezes
desculpa. Realmente não estou nos meus melhores dias, tudo por causa desse,
desse... Aaaai! Nem consigo dizer o nome dele sem ficar brava! E era para eu
estar no céu, já que comprei quase o shopping inteiro hoje.
Selena: — Ah, tá! A tal orgia
consumista.
EU: — Isso. Quero dizer, mais ou
menos.
Selena: — Mas o que deu em você? Comprando
feito louca, se zangando com um desconhecido...
EU: — Duas coisas: um pai muito
rico e generoso, mais um enteado arrogante.
Selena (rindo): — Segura sua onda
aí. Seja proativa, reverta o jogo a seu favor.
EU: — Acho que você está lendo
Roberto Shinyashiki demais.
Selena: — Não é nada disso. Só
acho que, se um cara gostoso está dando sopa aí na sua frente, aproveita a
situação, sua boba.
EU (indignada): — Alo-ô. Esqueceu
do Nick?
Selena (não muito natural): — Ah,
é, mas deixa ele pra lá por enquanto...
EU: — Do que você está falando? E
quem disse que eu quero aproveitar qualquer coisa que se refira ao Joe? Não
estou te entendendo.
Selena: — Não é nada, Demi.
Bobagem. Mas vê se manda uma foto do mauricinho-gostosão para que eu mesma possa
avaliar a situação
EU: — Nem morta!
Saí do quarto e fui direto atrás
de meu pai. Estava resolvida a dar um basta naquela situação com o enteado
dele. Se o cara estava cismado comigo, provavelmente era porque tinha intenções
duvidosas. Cheguei até a pensar que o golpista poderia, na verdade, ser ele
mesmo. Quem me garantiria que o queridíssimo Joseph não estava de olho na
fortuna de Andrej? Afinal de contas, ele era filho da falecida rainha e devia acreditar
que era o único a ter direito à herança.
Agora, eu entendia tudo.
Só que eu não estava nem aí para
ele e me lixava para suas cismas. Queria apenas distância para que eu pudesse
curtir meus meses na Krósvia sem estresse.
Até porque havia uma pequena luz
vermelha piscando dentro de minha cabeça, como se fosse um sinal de alerta,
querendo me dizer alguma coisa que eu não estava conseguindo perceber. Assim como
meu sonho — aquele do vestido amarelo —, que preenchera boa parte da minha vida
sem fazer muito sentido, agora havia essa luz. No fundo, eu devo ser meio
esquisita mesmo. Mas não queria me concentrar nisso agora. Não mesmo.
Achei meu pai em seu escritório,
uma sala aconchegante, com uma grande mesa no meio e todo aparato necessário
para ele se manter conectado ao mundo, mesmo estando em casa.
Percebi que ser rei é muito mais
do que representar um país com roupas de príncipes de contos de fadas. Andrej
trabalhava o tempo inteiro, no castelo ou em qualquer lugar do planeta. Nunca
desligava seus três telefones particulares, jamais saía sem seus assessores e vivia
rodeado de políticos, que tinham uma ligação verdadeira com a Krósvia. Estavam sempre
planejando coisas e tomando decisões importantes. Parecia até que eu estava no
meio de um filme americano, daqueles que mostram o presidente deles — sempre muito
altruísta — e sua filha em busca de liberdade. A única diferença era a ausência
da esposa forte e compreensiva.
Mas dava orgulho constatar que o
líder de uma nação dedicava sua vida a ela, de coração mesmo, e se doava à
população de corpo e alma, procurando o melhor para todos. Por sinal, esse cara
generoso era meu pai.
Encontrei-o recostado na lateral
da mesa, de braços cruzados no peito, ouvindo os argumentos de uma outra
pessoa. Ele parecia bastante concentrado e satisfeito, já que exibia um ligeiro
sorriso.
Estava prestes a interromper
fosse lá quem fosse quando escutei a já familiar voz expondo com veemência seu
ponto de vista. Obriguei-me a ficar onde estava, bem imóvel para que eles não notassem
minha presença. Sei que escutar a conversa dos outros é muito feio, mas não
resisti à tentação assim que ouvi:
— Andrej, sei que a Irina tem
feito tudo o que pode para ambientar a Demi, mas tem muito mais para ela
conhecer e aprender, e eu posso ajudar. Estou mesmo precisando tirar uns dias
de folga do escritório.
Como
é que é?
— Acho que seria uma boa, Joe —
Andrej concordou. — Não estou conseguindo parar o trabalho para ficar com minha
filha. Ela tem sido muito compreensiva, mas não deve estar sendo fácil.
Está,
sim. Facílimo.
— Então — Joseph prosseguiu —,
deixe a Irina cuidar dos preparativos para o evento de apresentação da Demi e
eu fico responsável por ela, quero dizer, responsável por sua aculturação. O que
acha?
Acho
péssimo, horrível, detestável!
— Perfeito. Você é jovem como ela,
conhece muita coisa. Vai ser muito bom para ela.
— O que vai ser muito bom para
quem? — Resolvi interromper a conversa, já que eu estava a ponto de implodir.
Os dois olharam para mim na mesma
hora, tentando descobrir de onde eu tinha saído. Fixei o olhar em meu pai, que
respondeu, cheio de entusiasmo:
— Demi! Tenho boas notícias. O
Joe está se oferecendo para acompanhar você nos passeios pela cidade. Ele quer
ajudá-la a se ambientar, a conhecer nossos costumes, quem sabe até a língua?
Involuntariamente, torci o nariz.
Andrej interpretou meu gesto de forma errada.
— Ei, não se assuste. O krosvi
não é tão difícil assim.
— Não vai ser ótimo, Demi? Quero
levar você aos lugares mais incríveis, inclusive fora de Perla. — Joe era só
sorrisos. Se eu não soubesse, acharia que ele era a personificação da ingenuidade.
— Olha só, Andrej. A Irina tem
sido maravilhosa e nessas duas semanas eu conheci muita coisa. Não gostaria de
incomodar o Joe. Se for para deixar a Irina cuidar do trabalho dela, posso ficar
por minha conta.
Tentei dizer tudo isso num tom
tranquilo, procurando não demonstrar minha ira e contrariedade. Se eu tivesse
uma foice, acho que a atiraria na cara daquele enteado metido a espertinho.
Meu pai caminhou até onde eu
estava e passou um braço em volta de meus ombros. Então ele disse, como se
estivesse se dirigindo a uma garotinha de fitinha rosa nos cabelos:
— Filha, tudo bem. O Joe não se
importa. E ele terá mais tempo para ficar com você. Está passando da hora de
fazermos sua apresentação ao país e a Irina estará cem por cento envolvida nos preparativos.
Faz mais sentido deixar o Joe fazer as honras da casa, já que eu não posso, infelizmente.
— É claro — concordou Joseph, entusiasmado
como um cachorrinho solto. — Além do mais, as pessoas podem começar a
desconfiar da sua relação com o Andrej. E se elas começarem a invadir seu
espaço, bom, acho que a Irina não vai conseguir ser muito persuasiva.
Como eu recusaria a oferta dele
sem demonstrar minha antipatia? Já que não queria chatear Andrej, só me restou
concordar com aquela proposta indecente, sabendo que isso não ia prestar.
Mas deixar meu pai contente foi o
que realmente contou para minha decisão. Ele merecia tudo de mim.
Seu celular tocou enquanto ainda
estava abraçado comigo. Por isso, ele se afastou cedo demais, deixando-me desconfortável
com Joseph. Eu deveria ter me mandado dali o mais rápido possível. Porém, antes
que eu me desse conta, ele segurou meu braço e me tirou do escritório do rei.
No corredor, Joseph aproximou o
rosto de meu ouvido, sem me soltar, e sussurrou com uma voz deliberadamente
sedutora.
— Esteja pronta amanhã bem cedo.
Minhas pernas instantaneamente
ficaram moles. Quem ele pensava que era para fazer isso comigo?
— Venho te pegar às oito. — Então
recuou um passo e me olhou dos pés à cabeça, lentamente. — Vista algo
confortável. Nem pense em colocar as lingeries novinhas da sua orgia consumista
de hoje.
E foi embora, enquanto eu
ruminava o fato de ele ter tido acesso àquela informação para lá de privilegiada.
Como pôde?
~*~
Desculpem a demora. Estou estudando para o vestibular que é dia 1 de Fevereiro e resolvendo umas coisas pessoais. Tá levando muito mais tempo do que eu gostaria, e isso está me fazendo deixa o blog um pouco de lado... Mas aqui estou eu haha Entrei hoje para ver como estava o blog e vi os comentários *-* Obrigada!!! Essa fic não tem hots como as outras, e aborda um tema bem diferente do que eu geralmente posto aqui, então fiquei insegura se vocês iam ou não gostar. Por isso, espero que sejam sinceras com os comentários, porque se quiserem eu mudo de Fic. Ok? Posso contar com vocês? Ótimo ;)
See you guys soon ;*