Aqui não é o Brasil
Meus
olhos ainda estavam inchados de tanto que eu tinha chorado. Não esperava a
festa de despedida que meus amigos e minha família prepararam para mim no salão
de festas do prédio de meus avós.
Depois
de me despedir de todo mundo no escritório na sexta-feira, fui à universidade e
resolvi o problema com o trancamento da matrícula. Também passei por um
doloroso processo de despedida lá, com alguns funcionários que me conhecem.
Estava
indo para casa, cabisbaixa, pensando nas coisas que ainda tinha que fazer —
terminar de arrumar as malas, separar os livros que queria levar —, quando
minha mãe ligou e pediu para eu me encontrar com ela na casa de meus avós. Na hora,
não entendi bem o motivo, já que estava combinado que eles iriam comigo até o
aeroporto no dia seguinte. Mas, para evitar o falatório de mamãe na minha
cabeça, obedeci sem contestar.
Estranhei
quando o porteiro avisou que eles estavam esperando por mim na área de lazer.
Ele ficou dando umas explicações sem sentido, que minha avó queria que eu desse
uma olhada no equipamento novo de ginástica que o condomínio tinha acabado de
comprar.
Inocentemente,
sem desconfiar de absolutamente nada, fui ao encontro deles. Então, no momento
em que pus os pés no salão de festas, as luzes se acenderem e vários rostos
conhecidos e queridos apareceram.
Fiquei
por um instante meio congelada, em estado de choque, procurando entender o que estava
acontecendo. Mas a ficha caiu rapidinho, assim que avistei meus amigos atrás de
uma nuvem de balões coloridos, com os olhos brilhando de emoção. E como tinha
gente!
Na
mesma hora, senti um aperto na garganta que quase me sufocou. Tantas pessoas
estavam lá só para me homenagear, para demonstrar que se importavam comigo e
que sentiriam minha falta! Minha mãe, minha avó, meu avô, meus tios e primos,
Selena, Miley (minha segunda melhor amiga), Nick, até meu pai! E muito mais.
Passei
a festa inteira chorando, relutando em me despedir das pessoas que eu amo,
querendo me sentir bem, mas com uma sensação terrível de solidão.
Agora
eu estava ali, sentada há 13 horas na confortável poltrona do avião da família
real de Krósvia, observando o país — que agora também era meu — aproximando-se
gradativamente, enquanto a exuberante aeronave de Andrej Markov executava os
procedimentos de aterrissagem.
Ainda
não sabia o que me esperava lá embaixo. Tive medo de perguntar a meu pai e ouvi-lo
dizer que haveria uma comitiva para nos receber. Estava no escuro, com a
adrenalina a mil.
—
Nervosa? — ele quis saber minutos antes do pouso.
—
Sim. — Minha boca estava seca.
—
Ajuda se eu disser que ninguém sabe da nossa chegada, ou melhor, ninguém que
não deva saber? — Andrej sorria de um jeito encorajador.
—
Você quer dizer a imprensa? — questionei, sentindo-me um pouco melhor.
Ele
concordou.
—
Além de alguns puxa-sacos que só aparecerão para especular. Quero fazer as
coisas do meu jeito, do jeito certo. Haverá um momento adequado para eu
apresentar minha filha ao país. Mas primeiro eu quero que você se sinta à vontade.
Achei
esse gesto muito fofo. Dei um sorrisinho antes de abraçá-lo. Não sei se ele notou,
mas era a primeira vez que nos abraçávamos. Foi a primeira vez que eu quis
fazer isso.
Ficamos
assim por um tempo, até que o piloto informou que já estávamos em solo
krosviano. Então, surgiu meu primeiro pânico concreto: como eu me comunicaria
com as pessoas se não sabia pronunciar uma só palavra da língua delas?
—
Todo mundo fala inglês por aqui? — perguntei antes de descer do avião. — Caso contrário,
você sabe, vou ter um probleminha de comunicação.
Andrej
soltou uma gargalhada sonora.
—
Não se preocupe. Com o inglês você vai se virar muito bem. Mas, se quiser, pode
aprender o krosvi.
—
Humm... — engasguei. — Acho que não sei se consigo arrastar tanto os érres.
Ele
riu de novo.
Meu
pai tinha dito a verdade. No aeroporto da capital, Perla, só havia um motorista
num carro preto com vidros escuros esperando por nós. O visual nem era tão
impressionante assim. Acho que Andrej pensara em tudo. Porque, com toda a certeza,
aquele veículo não pertencia à família real.
Com
um aperto de mão caloroso, ele cumprimentou o motorista, que abriu a porta de trás
para que nós entrássemos.
Era
final de outono na Europa, mas o tempo estava muito agradável, mais para frio
até. Ao sair do aeroporto e pegar a avenida que levava ao centro da capital,
percebi que a natureza era muito receptiva ao clima. Como havia flores em
Perla! De todas as cores e tamanhos, ornamentando praças, canteiros, jardins e
janelas. Como o céu estava muito azul, o contraste entre as cores, naquela
manhã, era belíssimo. Isso acalmou um pouco meus ânimos.
Quase
perdi o fôlego diante do palácio administrativo, de onde meu pai governava Krósvia
e se reunia com o parlamento. Era uma construção maravilhosa, gigantesca.
Andrej me explicou que o palácio fora construído numa planície da região
central da cidade, no século XV, durante o reinado de Nicholai III, com o intuito
de ser a moradia da família real. Possuía inúmeras alas, com salões imensos, desproporcionais
para uma residência familiar.
Por
isso, alguns sucessores de Nicholai preferiram morar em outros lugares, menores
e menos visados. Era o caso de meu pai, que mora no Palácio Sorvinski.
Mas,
afinal, o que mais me impressionou foi a fonte em frente do palácio. Ela ficava
dentro de um imenso lago cristalino e devia ter mais de 20 jatos de água, que
se alternavam em jorros dançantes. Depois, à medida que nos aproximávamos do Palácio
Sorvinski, a paisagem urbana foi dando lugar a um cenário bucólico, quase
paradisíaco. Já dava para ver o mar! Meu Deus! Que demais! Só agora eu me dava
conta de que passaria uma temporada à beira do oceano. Para nós, mineiros, isso
é uma tremenda sorte.
As
ondas são suaves. Será que o mar é quentinho? Porque, se for, vou querer dar um
mergulho assim que puder.
E
então, enquanto eu devaneava sobre água e mergulhos, o palácio surgiu. E meu
queixo caiu. Nem tanto pelo prédio em si — que é grande também —, mas pelo
conjunto formado pelo castelo, a fonte, o jardim opulento e o Mar Adriático
atrás. O que senti não tem explicação.
O
carro parou num pátio imenso, onde já havia outros veículos. No mesmo instante,
surgiu uma mulher bonita, de cabelos loiros presos num coque perfeito. Ela
esbanjava eficiência, tanto pela postura quanto pela aparência, vestida com um tailleur
cinza-chumbo, meia-calça e saltos altos com pontas finas,
que faziam barulho no piso a cada passo que ela dava.
—
Oh, majestade! Como é bom vê-los! — saudou ela, olhando de meu pai para mim,
fazendo uma avaliação pouco disfarçada.
—
Ah, por favor, Irina, sem o “majestade”. Já passamos disso faz tempo.
Segurei
o riso para não magoar... Irina. Coitada. As bochechas branquinhas dela estavam
pegando fogo. Deu para perceber que o rei Andrej Markov não era muito de meias
palavras.
—
E esta é a Demetria. — Franziu a testa. — Quero dizer, é a Demi — corrigiu-se
ele —, minha filha. Espero que você tenha feito tudo o que pedi.
—
Oh, é claro, majes... digo, Andrej. — E, virando-se para mim, Irina disse: — É
um grande prazer conhecer você, querida! Estávamos todos muito ansiosos.
Todos?
Ela continuou:
—
Espero que goste do seu quarto e do palácio, ah, e do país inteiro. Aqui tudo é
perfeito, maravilhoso mesmo.
Pobre
Irina! Ela estava uma pilha de nervos. Não sei se por minha causa ou pela
presença marcante de meu pai, que revirava os olhos a cada vez que a mulher
falava. Mas eu gostei dela. Achei-a espontânea e simpática. Precisava daquela
primeira impressão para poder continuar.
—
Demi, a Irina será sua... hã... companhia, assessora, secretária... não sei bem
como chamar essa relação. Na verdade, ela trabalha para mim, mas penso que você
precisará de uma ajuda para se ambientar aqui — explicou Andrej. — Não conheço
ninguém melhor para isso do que a nossa querida e fiel Irina.
Epa!
Ele estava dizendo que eu teria uma babá?
—
Andrej, eu... eu não vou poder andar por aí sozinha? — O pânico tomou conta de
mim. Se eu tivesse que andar acompanhada o tempo todo, não aguentaria. Sério.
—
Filha, você poderá fazer o que quiser, especialmente quando estiver na
propriedade. A Irina só está aqui para ajudar, entende?
Balancei
a cabeça, concordando.
—
Mas é claro que, assim que a notícia de que eu tenho uma herdeira se tornar
pública, teremos que tomar algumas precauções.
—
Devo entrar em pânico agora? — brinquei, mas um pouco tensa, na verdade.
—
Claro que não — garantiu Andrej.
—
Vamos entrar? — sugeriu Irina, pegando minha mão e levando-me até a porta de
entrada do palácio.
Eu
não via a hora de ficar sozinha e ligar para todo mundo no Brasil. Estava me
sentindo uma princesa dos contos de fadas da Disney. Selena adoraria tudo isso.
*
A
escadaria da frente do castelo era um prenúncio do que viria a seguir. De
alguma forma, ela me pareceu meio familiar. Acho que me lembrou a mansão do Sr.
Darcy no filme Orgulho e Preconceito.
Os degraus eram de mármore, ladeados por um guarda-corpo em colunas. Tudo muito
antigo.
Ao
passar pelo portal de entrada, tão enorme e pesado, com o brasão da família
Markov esculpido no centro, dei de cara com um salão gigantesco, mobiliado ao
estilo do século XVIII. Longas e pesadas cortinas de veludo cobriam as janelas;
havia várias poltronas escuras, parecidas com as dos filmes e novelas de época;
tapetes — será que da Pérsia? — forravam o chão de mármore branco e polido. E o
lustre? Nunca tinha visto um assim: do teto, pendia uma escultura de cristal
formada por uma infinidade de gotas cristalinas. A peça devia ter o tamanho de
um New Beetle. Sem brincadeira.
Irina
não se cansava de explicar a história da família e do castelo. Ouvindo o
incansável falatório da secretária/governanta/assessora/sei lá mais o quê,
seguimos pelas escadas — longas e adornadas — que levavam ao segundo andar.
Para
dizer a verdade, o cansaço foi me dominando e eu pouco escutava o que Irina
dizia. É claro que eu estava encantada com tudo. Afinal, nem em meus sonhos
mais loucos eu me imaginara passeando por um castelo de verdade, quanto mais como
uma princesa. Mas tudo o que queria era ficar sozinha por pelo menos algumas
horas e deixar meu corpo voltar a seu lugar. Sim, porque o fuso horário —
adiantado cinco horas em relação ao Brasil — e a desgastante viagem resultaram numa
fadiga que só um banho quente e muitas horas de sono poderiam resolver. No
entanto, precisei me manter firme e seguir em frente, pois, sem quarto, não
poderia ter nada disso.
Andrej
não nos deixou sozinhas durante a excursão pelo castelo. Tenho certeza de que
estava tão esgotado quanto eu. Mas acho que desejava causar uma boa impressão e
se manteve firme.
Subimos
mais um lance de escadas e minha cabeça já havia flutuado até Marte. Se eu
estivesse no paraíso ou no inferno, não saberia dizer.
Continuei
andando como uma cobra-cega até que Irina finalmente abriu uma porta no meio do
corredor. Entramos em uma suíte que mais parecia um apartamento, de tão grande.
Calculei mentalmente e concluí que aquele quarto deveria ser quase do tamanho
do que eu tinha em BH, junto com o da minha mãe, mais a sala de televisão. Não preciso
de tudo isso, deixo bem registrado aqui.
Mas
não nego que era lindo e eu até poderia ter chorado de prazer e admiração se
não estivesse tão exausta.
As
paredes eram pintadas de bege e adornadas por dois quadros cujas pinturas lembram
o movimento impressionista. Será que eram autênticos Monets? Ou Degas?
Desculpe, estou me exibindo.
A
cama — gigantesca — ficava no centro do dormitório, encostada numa parede
recoberta por um papel de parede listrado de bege e marrom. Havia também uma
lareira e, em frente a ela, duas poltronas cor de pêssego. Um painel de madeira
escura cobria toda a parede em frente da cama. Nele, estava instalada uma
televisão enorme de LED com entradas e saídas para tudo o quanto é tipo de mídia.
—
O que achou, senhorita? — Irina estava se roendo de ansiedade, esperando uma
palavra de aprovação. E Andrej parecia sentir o mesmo.
—
É lindo! — murmurei. — Muito lindo mesmo. Eu não precisava de tudo isso.
—
Ah! Então, venha ver o closet. — Irina me puxou pela mão e me levou ao outro
ambiente. — Veja só o tamanho do seu armário!
—
Armário?! — engasguei. — Esse closet é maior do que meu quarto no Brasil.
Minhas coisas vão sumir aqui dentro.
Um
sorriso insistente e fácil grudou em meu rosto. Nada se comparava a essa
sensação de ser querida num meio completamente estranho e novo.
Irina
tivera um trabalhão para deixar aquele quarto perfeito para mim. E eu fiquei, é
claro, muito grata.
—
Puxa, Irina! É tudo tão maravilhoso! Obrigada, de verdade.
Ela
abriu um sorrisão maior do que o meu e então eu soube que aquela moça
espevitada tinha um coração imenso e seria uma grande amiga nessas terras
estrangeiras.
—
Oh, querida, fico feliz que tenha gostado. Mas não posso receber os agradecimentos
sozinha. O senhor Andrej me orientou em tudo, lá do Brasil ainda.
Meus
olhos se encheram de lágrimas. Meu Deus! Aquele homem existia? Como a louca da minha
mãe deixara um príncipe como ele (na verdade, um rei) escapar? Só sendo muito
doida mesmo.
—
Obrigada — disse, enquanto me aconchegava nele para um abraço cheio de ternura.
—
Filha, quero fazer tudo por você, tudo o que estiver ao meu alcance — disse meu
pai, com emoção. — Posso ter perdido 20 anos de convivência com você, mas não
quero perder mais nada daqui pra frente.
Assenti.
Nem eu queria. Porque, admito, queria muito aproveitar esse pai que caíra do
céu para mim.
Depois
que os dois saíram do quarto para me deixar descansar, a primeira coisa que fiz
foi tirar a roupa que vestia havia quase um dia inteiro e mergulhar na banheira
que eu tinha só para mim num banheiro acima de todas as classificações dos hotéis
de luxo (não que eu estivesse familiarizada com eles).
Devo
ter ficado dentro da água por quase uma hora e só saí porque comecei a
cochilar. Muito relutantemente, me arrastei — sem roupa mesmo — até a cama
gigantesca e me joguei nela. Acho que adormeci em seguida.
Quando
acordei, já estava escuro e eu tremia sob a colcha com a qual me enroscara
durante o sono. Custei a sacar onde estava. Meu cérebro não fez o processamento
automático de minha localização. Por uns instantes, pensei que estava sonhando
ou num universo paralelo.
Logo
que recuperei a consciência, uma ansiedade me dominou. Gente,
sou uma princesa! E estou na Krósvia para desempenhar meu papel, ou melhor,
meus dois novos papéis: o de princesa e o de filha com pai. Sinistro.
Lembrei
que ainda não tinha dado notícias ao Brasil e minha mãe devia estar desesperada
lá em Belo Horizonte. Se bem que, a essa altura, do jeito que ela era
estressadinha, já devia ter tomado a iniciativa.
Levantei-me
com muita preguiça e olhei a tela do celular. Dito e feito. Havia mais de 20 chamadas
não atendidas e umas 10 mensagens de texto. A maioria delas era de minha mãe,
mas outras eram de Selena. Só estranhei não ter nenhuma de Nick. Ele
provavelmente teria tentado se comunicar comigo pela Internet.
Sem
ânimo para conversar e responder ao vivo a todas aquelas perguntas de praxe (Como
foi o voo? Você passou mal? A Krósvia é legal? E o palácio?),
mandei notícias por sms, as mesmas para minha mãe e minha amiga, dizendo que
estava tudo bem, que eu dormira demais e que no dia seguinte ligaria para todo
mundo.
Enrolada
num lençol, agachei-me em frente a uma de minhas malas, que ainda estavam
feitas, e tirei uma peça de roupa limpa. Não sabia que tipo de traje a situação
exigiria de mim, então optei pelo básico (que novidade!): calça jeans escura e justinha
— uma da Colcci, linda, que ganhei de vovó —, camiseta branca lisa e um
casaquinho ajustado na cintura, vermelho, de veludo. Calcei as mesmas
sapatilhas de antes e escovei os cabelos. Meu rosto estava meio pálido, então passei
um gloss rosado nos lábios e um pouquinho de blush nas bochechas para dar um ar
saudável.
Saí
do quarto, não sem antes respirar fundo umas cinco vezes para tomar coragem. Foi
aí que percebi que estava perdida. O palácio era enorme, cheio de portas e
corredores e, na chegada, eu não prestara atenção suficiente para decorar o
caminho. Poderia voltar ao quarto e fazer uma ligação de pedido de socorro para
Irina — minha suíte tinha um aparelho que se conectava com todos os cômodos do
castelo, como nos filmes. Mas seria humilhante demais. O jeito era arriscar.
—
Direita — disse em voz alta, tomando a decisão de me localizar sozinha.
Saí
às cegas pelo palácio, abrindo portas que levavam a cômodos estranhos, sem
esbarrar em nem um ser humano sequer. Os únicos rostos de gente que vi estavam
pintados nos inúmeros quadros pendurados nas infinitas paredes. Isso me lembrou
da vez que entrara num daqueles castelos mal-assombrados dos parques de
diversão. Na verdade, fora no Shopping Del Rey e, mesmo sabendo que era tudo de
mentira, eu quase tinha vomitado em cima de um dos monstros que ousara me
ameaçar com uma foice. Saíra de lá aos berros, chorando feito um bebê. Eu já
tinha 14 anos.
Agora,
bufando de raiva por estar perdida e suando de indignação, parei diante de uma
grande porta dupla, feita de madeira trabalhada com o que só podia ser o brasão
da família real. Se eu acreditasse em forças ocultas, diria que alguma coisa
havia me impulsionado a abrir aquela porta e entrar. Mas, como sou quase uma
cética quando o assunto é misticismo, ponho a culpa na curiosidade imensa que me
atingiu.
Sem
pensar demais, empurrei a porta e entrei.
Como
já era noite, não se enxergava nada. Tateei a parede em busca de um interruptor
e não demorei a encontrá-lo. Assim que as lâmpadas se acenderam, senti minha
boca se escancarar de choque e surpresa. Minha curiosidade me levara a um lugar
incrível, do tipo que eu só havia visto na televisão ou em livros. Eu estava na
maior e mais recheada biblioteca particular do mundo! Bom, pelo menos do meu
mundo.
Havia
estantes cobrindo todas as paredes do salão, que era grande, mas não a ponto de
parecer frio e impessoal. Em cada canto havia livros, todos dispostos de
maneira planejada nas prateleiras feitas de uma madeira quase negra.
Meu
coração disparou só de imaginar as horas que eu passaria ali, recostada na chaise
de veludo verde estrategicamente posicionada debaixo de uma
janela ampla, de vidro, cuja vista só podia ser de tirar o fôlego.
Fui
caminhando para aquele interior mágico, aconchegante, pisando sobre um tapete
não muito felpudo, mas fofo, como se estivesse nas nuvens. Não é exagero meu.
Sou louca por livros! Já deixei de ir a muitas festas só para não perder o fio
da meada de uma história. Eu trouxera para a Krósvia uma mala só de livros —
meus preferidos e aqueles que ainda não lera. Comprava tantos que meu salário
como estagiária era quase só para isso. Então, fala sério, aquela biblioteca
era um paraíso!
Os
livros eram separados por assunto e, em seguida, por autor. Passei os dedos por
eles, sentindo a textura, tentando captar sua aura.
Aleatoriamente,
retirei um da estante. Era Guerra e Paz,
de Tolstoi. Um original, de capa dura e letras douradas! Uma relíquia! Eu já
tentara ler Guerra e Paz uma
vez, mas confesso que saltei tantas páginas antes de chegar ao fim que não
posso dizer que o li realmente. Mas tentei e me orgulho disso. E já vi o filme,
só para saber como terminava a história.
Coloquei-o
de volta ao lugar e já ia pegar outro quando um carrilhão, no qual eu não tinha
reparado, deu o ar da graça, informando as horas com batidas fortes: oito da noite!
Puxa! Era tarde e, se eu não me apressasse, Andrej e Irina mandariam uma equipe
de resgate atrás de mim.
Prometendo
a mim mesma que voltaria mais tarde para uma nova inspeção, dei as costas aos livros,
só para me chocar com um corpo grande e rígido, parado no meio da sala.
—
Ai! — dei um gritinho, mais pelo susto do que pela dor que atingiu minha testa.
Ainda
não tinha visto o rosto do dono daquela parede que se chocou contra mim quando
uma voz meio rouca e profunda disse, em inglês:
—
O Andrej está maluco atrás de você.
O
tom era meio ríspido, por isso dei um passo para trás e ergui os olhos. Dei de
cara com um homem jovem, de rosto bonito, mas sério, encarando-me com um olhar
irritado. Vestia uma roupa casual — jeans e camiseta de malha — e parecia muito
à vontade naquele ambiente.
Tive
que engolir em seco, porque aqueles olhos duros — e verdes — estavam me queimando.
—
Você pode bisbilhotar mais depois — prosseguiu ele, agora, sim, deixando-meindignada.
Como assim, bisbilhotar?
—
O que disse? — engasguei.
Ele
só balançou a cabeça e me pegou pelo braço, guiando-me porta afora. Não sou
nenhuma leitora de linguagem não verbal, mas podia jurar que o cara bonito
estava detestando a função de me levar até meu pai.
—
Ei, eu posso andar sozinha — protestei.
Ele
soltou meu braço sem pensar duas vezes, como se eu estivesse pegando fogo ou
fosse transmitir uma doença contagiosa.
Em
silêncio, caminhamos por mais um corredor e descemos um longo lance de escadas —
eu tinha que guardar esse caminho — até chegar a uma sala decorada por uma mesa
enorme, onde Andrej e Irina conversavam de pé perto de uma das cabeceiras. Eles
abriram um sorriso ao me verem e acho que meu pai respirou aliviado. Será
que ele achou que eu havia fugido?
—
Demi! Você sumiu! — observou ele, todo feliz com minha súbita aparição. Chegou
perto e beijou meu rosto.
—
Desculpa — encolhi os ombros, realmente envergonhada. — Primeiro eu me perdi.
Não sabia que direção tomar. Constrangedor, eu sei. Depois, descobri a
biblioteca e, bom, quase desmaiei de empolgação diante daqueles livros todos.
Andrej
e Irina soltaram uma gargalhada contagiante, mas meu “salvador” continuou
rígido e sério como os Dragões da Independência.
—
Tudo bem, filha. Fique à vontade para explorar tudo o que quiser neste castelo.
Tem minha permissão. Só ficamos preocupados com seu sumiço.
—
Desculpa — repeti —, vou ficar mais atenta.
—
Então, vamos jantar! — Andrej esfregou uma mão na outra, demonstrando o tamanho
da fome que sentia.
Foi
então que percebi que eu também estava faminta. Só de pensar na comida, senti
meu estômago estremecer. Apertei-o discretamente para que não fosse flagrada
por ninguém. Seria uma humilhação se minha barriga rugisse naquela hora.
—
Parece que você já conheceu o Joe — Irina comentou.
Meus
olhos, mais que depressa, voaram até o homem emburrado, que levantou uma das sobrancelhas,
numa atitude meio blasé.
—
Oh! É claro! Que cabeça a minha! — Andrej me pegou pela mão e se aproximou do sujeito,
todo cheio de afeto — Filho, esta é a Demi, minha menina perdida. E este é o
Joseph, Demi. Meu filho postiço.
Nós
dois nos encaramos por um instante e, quando eu já ia estender a mão para cumprimenta-lo,
coisa que nenhum dos dois tinha feito até então, ele arqueou uma das
sobrancelhas e disse:
—
Que providencial ela ter sido encontrada justo agora, não é mesmo?
Não
sei se Andrej e Irina perceberam o tom, mas para mim ficou claro: Joe foi
extremamente sarcástico, o que me levou a acreditar que ele não me queria ali.
Fiquei magoada. Até poucos dias atrás, eu mesma relutara em aceitar conhecer
essa outra parte de minha vida. Será que aquele playboyzinho estava pensando
que eu tinha segundas intenções, tipo, dar um golpe em meu próprio pai? O que
não seria pouca coisa, já que ele era um rei. Fala sério!
Ninguém
respondeu àquela provocação.
Fechei
a cara para ele e me sentei na cadeira que Andrej puxou para mim, bem a seu lado.
Joe ficou de frente para nós e nem por um momento relaxou a expressão. Por
isso, o jantar foi tenso. Quero dizer, não só por isso. A comida também não ajudou.
E olha que eu estou acostumada a comer de tudo, já que minha mãe é dona de
buffet e tal, mas nunca havia experimentado aquelas coisas, como, por exemplo,
salada de estrela-do-mar! Só de ver os tentáculos do bicho espalhados no meio
da travessa, quase passei mal.
Eu
queria picanha, arroz, feijão... Será que eles não conheciam esse tipo de
comida? Será que eu teria que fazer um regime forçado pelos próximos seis
meses?! Ah, não. Se fosse preciso, eu mesma iria para a cozinha. Aprendi com
minha mãe a fazer muitas receitas e sei me virar muito bem. Fome eu não
passaria.
Percebendo
minha relutância em engolir, Irina quis saber:
—
A refeição não está do seu agrado, meu bem?
Fiquei
roxa de vergonha, até porque Joe semicerrou os olhos, de um jeito maligno, aguardando
minha resposta.
Eu
poderia mentir e dar uma desculpa qualquer. Aliás, as frases mentirosas
chegaram até a ponta de minha língua. Mas mudei de ideia a tempo. Se eu
quisesse sobreviver na Krósvia, precisaria ser sincera com todos — e comigo também.
—
É que eu não conheço esses pratos — confessei. — Estou acostumada com outras
coisas, tipo arroz e feijão. Já ouviram falar?
Andrej
caiu na gargalhada e, para minha surpresa, Joe também sorriu. E, meu Deus,
quando ele sorriu, tudo mudou naquele rosto. A carranca desapareceu e deu lugar
a uma boca muito sexy, meio torta, com dentes branquíssimos e enfileirados. Eu
ainda não tinha reparado numa pintinha minúscula acima dos lábios, no canto
esquerdo. Muito charmosa a combinação.
De
repente, peguei-me perdida naquela imagem, como uma garotinha de olho na Barbie
Castelo de Cristal. Joe percebeu e fechou a cara novamente. Ainda bem. Se não,
até que horas eu ficaria encarando constrangedoramente?
—
Claro que conhecemos arroz e feijão — esclareceu Irina, paciente. — Na verdade,
mais o arroz. Mas ele não faz parte das refeições diárias dos krosvianos. Nosso
clima não é muito favorável ao seu cultivo.
—
Certo. E vocês suprem as necessidades diárias de carboidratos com...?
—
Pães e massas, é claro. — Irina foi rápida no gatilho. Mais parecia uma guia de
excursão, com suas respostas para todos os tipos de pergunta. O engraçado é que
não vi nenhum pão e nenhuma massa naquele jantar. Se eles tivessem sido
servidos, eu não estaria passando fome.
No
final das contas, Andrej me salvou. Pediu à criada que trouxesse um sanduíche
de presunto e queijo para mim, o que me deixou imensamente grata.
Joe,
depois do sorriso não intencional, voltou à careta de sempre e ficou quieto, só
falando quando a palavra era dirigida a ele.
Consegui
observá-lo um pouco mais e concluí que, mesmo bonito, ele era dominado por seu
mau temperamento. Queria muito saber se ele agia assim sempre, com todo mundo,
mas não tive coragem de perguntar nem para Andrej, nem para Irina. Pareceria
invasivo demais, além de dar margem para possíveis especulações.
Então,
no momento em que Joseph virou as costas e foi embora para seu apartamento, que
ficava sei lá onde em Perla, grudei a língua no céu da boca para não perguntar
nada e também saí, refugiando-me em meu novo — e maravilhoso — quarto.
Queria
notícias de meu povo e aproveitei a falta de sono e a solidão para entrar em
contato com todos. Assim que liguei o computador e me conectei à Internet, as
mensagens começaram a pipocar.
De:
Dianna Lovato
Para:
Demetria Lovato
Assunto:
Chegou bem?
Minha
querida filhinha,
Tudo
bem aí? Chegou bem? Por que não deu notícias até agora? Aconteceu alguma coisa?
Você quer voltar? Saiba que estaremos aqui, de braços abertos, caso queira
retornar ao Brasil, que é seu lar.
Sei
que essa mudança não deve estar sendo nada fácil para você e compreendo se
estiver em dúvida. Aliás, todo mundo entende. Não quero que se sinta obrigada a
nada.
Então,
não me deixe nessa agonia e dê sinal de vida, O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL, tá?
Te
amo muito, minha flor. Sempre.
Beijos...
Mamãe
Ai,
ai. Essa é minha progenitora. Às vezes, ela é tão dramática, tão
superprotetora. Acho que, no fundo, ela estava torcendo para que eu estivesse bem
deprimida e voltasse correndo para seu colo.
A próxima mensagem era de Selena, toda animada, perguntando
sobre tudo, especialmente sobre a aparência dos krosvianos. Queria saber se eram
charmosos como os italianos ou rústicos e misteriosos como os russos. Como
assim? No final do e-mail enorme, ela aconselhou:
De: Selena Gomez
Para: Demetria Lovato
Assunto: Conta tudo!
(...)
Não deixe que seu lance recente com o Nick te impeça de
paquerar muuuuito por aí. Independente de os krosvianos serem parecidos com os italianos
ou com os russos, aposto que são gatos demais, uns gostosos de cabelos claros e
olhos verdes. Ah! Comuns narizes charmosos, claro.
Quando puder, tire umas fotos daí e me mande por e-mail.
Estou megacuriosa, pode crer.
Agora tenho que ir. Minha irmãzinha quer que eu a leve ao
cinema.
Se cuida, amiga.
BJS!
Selena
Olha
só o conselho da menina! Como poderia achar graça em qualquer outro cara
estando completamente apaixonada por Nick? Aliás, meu coração perdeu uns dois
ou três compassos assim que avistei o nome dele em minha caixa de entrada.
De: Nicholas Jonas
Para: Demetria Lovato
Assunto: Oi
Princesa (rs),
Já estou morrendo de saudades.
Falei com a Selena mais cedo, mas ela ainda não tem notícias
suas. Entendo. A viagem deve ter sido cansativa e desde que chegou aí você
provavelmente tem passado por muitas coisas!
Mas isso não me impede de sentir sua falta. Ontem, quando
saí com meus amigos e fomos àquela nova boate nas Seis Pistas, fiquei me
lembrando do dia em que a gente se conheceu. Tive que tomar todas para ficar
numa boa e não deprê.
E você? Está com saudades também?
Aposto que ainda não conseguiu processar direito essa nova
realidade, né?
Espero que esteja gostando de tudo. É muito importante que você
fique bem e curta muuuuuuito sua viagem.
Escreva depois, contando as novidades. E não se esqueça de
mim!
Mil beijos, gatinha.
Nick.
Espera!
Boate nova? Seis Pistas? Tomar todas? Era assim que ele estava sofrendo de
saudades? Até parece... Tudo bem que eu mesma não tivera tempo de parar para
sofrer e lamentar a distância. Nós também não estávamos namorando nem nada. Mas
nem por isso eu já tinha caído na noite e tomado um porre com a desculpa de me
animar. Essa não colava!
Mas
tudo bem, tudo bem. Foco, Demi. Não era o fim do mundo. As palavras dele
demonstraram afeto e carinho e, no momento, isso era tudo de que eu precisava.
Né?
Ainda
li outras mensagens, de mais amigos e da vovó, e todas continham basicamente o
mesmo tema. Bateu uma saudade extrema de todo mundo e, depois daquele jantar
esquisito, com comida estranha e olhares assassinos, fiquei me perguntando se
valia a pena insistir nessa maluquice de ser princesa.
To amando essa fic *-* Não vi que tinha começado a postar, tive que ler os três em velocidade recorde kkkkk
ResponderExcluirNemi <3 Gosto tanto de Nemi *-*
"Espera! Boate nova? Seis Pistas? Tomar todas? Era assim que ele estava sofrendo de saudades?"
Adorei!
Posta Logo, hein!
~xoxo
http://inspiration-tatis.blogspot.com.br/
Postaaaaa logoooo to amando
ResponderExcluirposta logo por favor ...quero mais n aguento .......
ResponderExcluirhttp://tati-joeedemi.blogspot.com.br/
cara, essa fanfic é demais. Na boa mesmo, eu estou amando de verdade. É muito diferente das que eu leio e isso me faz gostar dela ainda mais *-* Não demore pra postar, sim? Eu não gosto de ficar curiosa ):
ResponderExcluirvocê poderia divulgar meu blog, por favor?
http://mymirrorstaringbackat-me.blogspot.com.br/
Estou começando agora e ficaria feliz se pudesse dar uma olhadinha lá, garanto que não vai se arrepender <3
Desde já, agradeço bastante (:
Beijãos.
p.s poste logo, é sério :3