Capítulo
2
Então, você é uma princesa?
— Você está de brincadeira.
Selena, minha melhor amiga de
todos os tempos, tinha acabado de receber a notícia e reagiu com ceticismo.
— É verdade. Sou uma princesa.
Meu pai é o rei Andrej Markov, da Krósvia.
Antes que pudesse ser pega pelo
professor de Direito Penal, Selena se escondeu atrás do livro e segurou uma
gargalhada. Alguns instantes depois, jogou um bilhete para mim:
“Pare de brincar. Vou acabar
levando uma suspensão por sua causa.”
Dei de ombros. Não poderia
convencê-la durante a aula mesmo.
Um pouco mais tarde, sentada com
ela na cantina da faculdade, tentei mais uma vez:
— Selena, sei que parece a maior
maluquice do mundo, mas descobri quem é
meu pai e ele é, sim, o rei da Krósvia. Na verdade, foi ele quem me achou e
ontem mesmo tivemos uma conversa reveladora no hotel onde ele está hospedado.
Contei para Selena tudo o que
ficara sabendo por Andrej e, depois, por minha mãe, quando já estávamos em
casa, a sós. E minha mãe tinha confirmado a história toda, nos mínimos
detalhes. Mas, ao contrário do que eu estava pensando, meus avós também não
sabiam de nada: acreditavam tanto quanto eu que o namorado europeu é que tinha
dado no pé ao saber da gravidez. Ainda bem. Menos
dois mentirosos, pensei.
— Então, você está me dizendo que
é filha de um rei? — A expressão no rosto de Selena já não era mais de ironia.
— E agora? — indagou ela, abrindo um sorrisão todo satisfeito. — Você vai ser
coroada? Caramba, Demi, já parou para pensar que você agora vai ser uma
celebridade? Vai aparecer em tudo quanto é revista e vai ser disputada por
jornalistas daqui e da Europa! E vai ganhar um monte de roupas e sapatos de
grife! Uau! Que demais!
Sinceramente, tem horas que eu
acho que Selena vive em outro planeta. Eu conto para ela que finalmente tenho
um pai e a garota só pensa em futilidades!
— Por que eu ganharia roupas,
Selena?
Ela revirou os olhos, como se
minha pergunta tivesse sido ridícula.
— Minha filha, todo mundo vai
querer vestir a mais nova princesa do pedaço.
— Eu estou mais preocupada em
descobrir como vou lidar com isso agora. Meu pai quer que eu vá ficar com ele
durante um tempo, para conhecer minhas origens e ser apresentada ao país dele.
Eu não sei...
— Não sabe por quê? É claro que
você tem que ir.
— É que não estou preparada para
mudar minha vida assim — disse, enrolando uma mecha de cabelo entre os dedos. —
Hoje estou aqui, sentada com você, tomando um suco de manga de caixinha,
completamente anônima e dona do meu nariz. Se amanhã eu for para a Krósvia, não
vou ter controle de mais nada. Vou ser vigiada e controlada o tempo todo, coisa
que nunca fui, nem mesmo pela minha mãe, você sabe.
— Você está tomando por base os
filmes da Sessão da Tarde. De repente, fazer parte da família real de um país
pequeno como a Krósvia nem é tão sensacional assim. Aposto que as outras princesas
e os príncipes de lá têm uma vida normal.
Soltei a mecha e suspirei.
— Aí é que está. Não existem
outros príncipes e princesas. Meu pai não teve mais filhos e só tem uma irmã
com filhos ainda pequenos, que nem são herdeiros do trono.
A gargalhada de Selena ecoou por
toda a cantina.
— Herdeiros do trono? Parece que
você está falando de um filme de época.
— É. Eu sei. É ridículo. Viu como
eu não posso ir? Já me imaginou vestida de princesa, toda produzida e maquiada
que nem as Barbies da sua irmã?
— Não seja dramática. Você tem
que ir porque é a outra metade da sua história. Ser mineira, de BH, estudante
de Direito e apaixonada pelo abestalhado do Nick é fácil. Você tira de letra.
Só que você não é só isso e precisa descobrir como é ser de outro jeito, mesmo
que depois prefira a forma antiga.
Sério. Às vezes, Selena me
surpreende com sua filosofia. Mas ela não deixava de ter um pouco de razão,
afinal.
*
— O que sua mulher, quero dizer,
a rainha, acha de tudo isso? — perguntei a Andrej, assim que me encontrei com ele
de novo, mais tarde.
Eu estava sentada em uma poltrona
bem confortável, saboreando um maravilhoso café da tarde e pensando se a vida
dele era sempre assim: luxo e comida com fartura.
— Ela morreu há dois anos, Demi —
disse meu pai depois de um suspiro melancólico.
Coloquei a mão sobre a boca,
chocada.
— Mas... o que houve com ela?
— Câncer.
— Puxa. Eu sinto muito mesmo.
Deve ter sido muito triste para você — falei, com sinceridade.
— Sim. Para o país inteiro. A
Elena era muito querida e carismática. E jovem. Tinha acabado de fazer 45 anos.
Nossa!
Definitivamente, o dinheiro não é capaz de salvar tudo, não é mesmo?
— Por que não tiveram filhos? —
ousei perguntar. Já que estávamos nesse processo de recuperação do tempo
perdido, achei que não faria mal me envolver mais. Juro que não perguntei só por
curiosidade.
— Ela teve. Quando nos casamos, a
Elena já tinha o Joseph, mas não podia mais engravidar porque tivera que
retirar o útero.
— Ela era mãe solteira? — Eu
quase gritei ao fazer a pergunta. E minha mãe com medo de ser rejeitada...
— Viúva. Então, nós nos casamos e
criamos o Joe como se ele fosse de nós dois. Só que ele não é meu sucessor ao
trono, porque nossa legislação não permite isso para filhos adotivos.
— Então você o adotou?
— Não no papel. A Elena não quis
porque o Joe tinha conhecido o pai biológico e gostava muito dele. — Andrej
sentou-se a meu lado e tocou a ponta de meu nariz. — Mas ele é como um filho
para mim, assim como você é minha filha.
Sorrimos um para o outro.
Eu nunca tinha conhecido um rei
de verdade e sempre pensei que eles fossem pomposos e esnobes. Mas Andrej
Markov, meu pai, é o contrário disso, o que me deixa muito feliz. Já pensou se
eu tivesse que conviver com uma pessoa intratável, arrogante e soberba só por
causa do grau de parentesco?
— Quantos anos o Joseph tem hoje?
— quis saber. Já deu para notar que sou muito curiosa, não?
— Humm... — ele parou para
pensar. Homens! — Acho que 25. Hoje ele não mora mais comigo, no Palácio
Sorvinski. Desde que saiu da escola, ganhou sua independência e viveu vários anos
fora do país, nos Estados Unidos.
— Então, você está sozinho? Digo,
não tem companhia no palácio?
— O que mais tenho é companhia —
disse Andrej, com humor. — Você vai ver só quantas pessoas moram lá comigo.
Abaixei a cabeça. Ainda não tinha
certeza se queria mesmo conhecer minhas origens europeias. O medo permanecia à
espreita.
— Andrej, eu... não sei se posso
sair do Brasil agora. Você sabe, tem a faculdade e eu faço estágio num
escritório de advocacia. É complicado.
Ele pareceu decepcionado, mas não
desistiu.
— Filha, você pode trancar
matrícula por um semestre. Não precisa ficar na Krósvia mais do que seis meses,
se não quiser. Mas acho que não pode virar as costas para parte do que é. Lá também
é o seu lugar e, se não tivesse sido por todo esse mal-entendido, você teria
vivido na Krósvia a vida inteira. Eu não estou pedindo para você assumir o
trono ou começar a governar o país junto comigo. Nem para abandonar o Brasil de
vez e esquecer o que viveu aqui. Será só uma experiência. Eu prometo.
Bem que eu gostaria de acreditar
em tudo isso, porque uma parte de mim queria muito ir com ele. Mas havia muitos
fatores a considerar, como minha mãe, meus avós, meus amigos, Nick.
Com Nick, era um pouco diferente.
Não é como se fôssemos namorados nem nada. Estávamos começando o que poderia
ser uma relação duradoura, e viajar agora poderia significar o fim. Os homens
não são muito de esperar, principalmente quando o vínculo ainda não é tão
forte. Mas eu gostava dele e queria mesmo investir nesse relacionamento. Ou
seja, mais um empecilho para minha temporada na Krósvia.
Será
que estou sendo ridícula?
*
— É claro que está!
Vovó foi enfática. Para ela, não
existia um porém. Era só questão de ajeitar a parte burocrática (trancar
matrícula, pedir demissão, fazer o passaporte) e partir. Eu não tinha o que pensar
a respeito.
— Você encontrou seu pai. Ele
quer muito passar um tempo com você. O fato de ele ser um rei é só um detalhe.
Não pode deixar passar essa oportunidade.
— Um detalhe? Vovó, não é como se
ele fosse só rico. Ele é um rei! Isso não é só um detalhe.
Ela torceu o nariz.
Minha avó é minha segunda mãe.
Boa parte de minha infância foi passada na casa dela, com meu avô também. Por
isso, há muita afinidade entre nós e não temos receio de falar tudo uma com a
outra. Estamos acostumadas com esse excesso de sinceridade, que com minha vó é
até maior do que entre mim e minha mãe.
— Se você não for, vai ser como
fugir, exatamente como a Dianna fez — profetizou ela, enquanto aumentava a
velocidade da esteira ergométrica.
Ah! Esqueci de dizer. Vovó é tão
preocupada com a aparência quanto sua filha, minha digníssima mãe. O dia em que
ela não faz exercício é tão raro que eu nem me lembro mais de quando foi o
último. Hoje, vovó está na esteira, mas também tem hidroginástica, ioga, pilates
e dança de salão. Não esperem encontrar minha avó na cozinha, assando tortas.
Ela não é como a maioria.
— Não é questão de fugir, puxa!
Eu só acho que ainda não estou preparada para encarar tudo isso.
E foi assim com todo mundo.
Ninguém achava que eu deveria esperar mais um pouco e me acostumar primeiro com
a ideia de ser uma princesa antes de viajar para a Krósvia. Até mamãe foi a
favor, pois ela também acreditava que os sentimentos de meu pai por mim eram verdadeiros
e que ele queria mesmo que eu conhecesse e fizesse parte de seu mundo.
Assim que cheguei em casa, à
noite, corri para meu quarto e liguei o computador. Havia várias mensagens em
minha caixa de e-mail, a maioria banal. Só houve uma que realmente me
interessou. Era de Nick, que dizia:
De: Nicholas Jonas
Para: Demetria Lovato
Assunto: Você existe?
Ei, lindinha! Tá sumida, hein? O que
anda aprontando?
A gente precisa se ver... Tentei ligar pro
seu celular hoje, mas só deu caixa postal. Quer encontrar comigo mais tarde?
Posso te pegar na sua casa?
Beijão!
Nick J
A primeira coisa que fiz quando
li a mensagem foi checar meu celular e, para minha surpresa, constatei que ele
estava sem bateria.
Porcaria!
Eu queria muito ver Nick, mas, ao
mesmo tempo, estava receosa. E se ele não quisesse me esperar? Ou se eu
desistisse de ir por causa dele e depois me arrependesse? De qualquer forma, eu
teria que descobrir o que aconteceria a seguir.
De: Demetria Lovato
Para: Nicholas Jonas
Assunto: Sim. Existo.
Oi!
Desculpa por ter desaparecido.
É que aconteceram umas coisas e eu
fiquei super envolvida.
Também quero te ver, até porque preciso
te contar uma história. Pode me pegar às oito?
BJ
Mal terminei de enviar o e-mail e
Nick me chamou no Skype. Acho que ficou curioso e não quis esperar até a noite
para saber a tal história.
Nick: O que houve? problema?
Demi: Não. Ou melhor, talvez seja
um problema, sim. Mas não é nada sério.
Nick: Não vai contar?
Demi: Nem sei por onde começar,
hahaha É complicado.
Nick: Tente. Eu to aqui. Não vou
a lugar nenhum.
Demi: Valeu... é que eu descobri
ontem quem é meu pai.
Nick: Sério?! mas isso é ótimo!
né??
Demi: Sim, é ótimo. Ele é super legal
e ficou muito a vontade comigo. Ele nem sabia que eu existia, acredita? foi
pura coincidência ter me encontrado.
Nick: Jura? que incrível! mas
então, qual é o problema? quero dizer, já que ele é legal e tal...
Demi: Bom, é que meu pai não é
brasileiro. E ele quer que eu fique uns tempos c/ ele, para a gente se conhecer
melhor e também para eu ver o lugar onde ele mora.
Nick: Você vai morar com ele?
tipo, sair do Brasil?
Demi: Isso, mas só por uns meses.
Nick: Entendo. mas você não disse
de onde seu pai é
Demi: De um país pequenininho na
Europa, entre a Itália e a Eslovênia. O nome é KRÓSVIA.
Nick: KRÓSVIA?! Mas fica longe
pra caralho! pow! nunca pensei que vocÊ fosse descendente de europeus.
Demi: Nem eu. Para dizer a
verdade, eu já tinha me conformado em ter só mãe. parei de pensar nas minhas
origens paternas ha muito tempo.
Nick: Eu achei legal.
Demi: Serio? pensei que você
fosse ficar triste.
Nick: Demi, entende que você não
pode deixar de ir? é a sua história e nada pode te forçar a ficar. é claro que
vou ficar triste, a gente ta começando um lance legal e eu queria investir nisso.
mas a gente pode esperar um pouco, né?
Demi: Quer dizer que você ta
dando um tempo, tipo, até eu voltar?
Nick: Não é isso, sua encucada.
quero dizer que to disposto a esperar. você não leu direito? Eu disse que quero
investir na gente. não importa o tempo que vc vai ficar lá na... Krosvia, é
isso?
Demi: Isso. Bom, também penso
assim, mas não posso impor nada... você tem toda a liberdade de pular fora. não
estamos namorando.
Nick: não?
Demi: estamos?
Nick: kkkkkkkk
Demi: ????????
Nick: podemos chamar o que temos
um com o outro do que você quiser.
Aninha: Ta. Então vamos deixar
para dar nome ao nosso... lance quando eu voltar. justo?
Nick: Como quiser. quando é que você
vai pra lá?
Demi: Não sei. ainda nem dei a
resposta ao Andrej, digo, meu pai. mas ele precisa voltar logo, por causa
dos... negócios.
Nick: E o que ele faz lá?
Demi: Jura que não vai rir?
Nick: XD
Demi: Ele é... bom... o rei do
pais.
Nick: !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
*
— Você não pode estar falando
sério.
Estava sentada em frente a Nick numa lanchonete aonde resolvemos ir depois do cinema. Contemplava a expressão
dele, que demonstrava um misto de dúvida e divertimento.
Fazia três meses que estávamos
saindo e ainda eu não me acostumara com sua aparência. Isso porque Nick é um
cara bem bonito, daqueles que vivem sendo perseguidos pelas garotas — e até por
alguns caras também.
Ele é alto e moreno e meio
musculoso, mas não em excesso como aqueles lutadores do Ultimate
Fighting. Tem
cabelos escuros e olhos profundos, que me deixaram sem ar quando os vi pela
primeira vez, numa festa da universidade.
Desde esse dia a gente vinha se
encontrando com frequência e não era segredo para ninguém que eu estava
bastante interessada... Afinal, não é todo dia que a gente encontra um cara
lindo, sexy, legal e disponível por aí.
Portanto, se essa minha ida
súbita para a Krósvia não esfriasse nosso affair, teríamos um futuro.
— Não, Nick, isso é sério. Entra
lá no Facebook que você vai ver a mensagem que o Andrej mandou para mim. Pode
parecer assustador e sinistro, mas é a mais pura verdade.
Meu possível futuro namorado
exalou o ar devagar.
— Isso significa que você é uma
princesa?
Por que essa tem que ser a
primeira constatação de todo mundo?
— Seja lá o que isso signifique
na Krósvia — respondi, cansada.
— Bom, quem diria, hein? Quando
essa notícia vazar, ninguém vai te deixar em paz.
— Eu sei. Vai ser terrível. Só
espero já estar bem longe quando isso acontecer. Não quero ser bombardeada
pelos fofoqueiros de plantão.
— Pois então se prepare. A
imprensa da Krósvia vai ficar muito mais ouriçada do que a nossa. — Nick
segurou minha mão, transmitindo um calor reconfortante. Se eu pudesse ter um pouco
de meus dois mundos ao mesmo tempo, encararia tudo com mais facilidade.
— Por favor, não vamos mais falar
sobre esse assunto, tá? — pedi. Cheguei bem perto dele e toquei seu rosto. —
Será que podemos aproveitar o tempinho que nos resta? Vou embora no fim da
semana.
Nick me deu um beijo leve e
balançou a cabeça.
— Tão cedo?
— Sim — suspirei, voltando a me
recostar na cadeira. — Quanto mais cedo eu for, mais rápido volto.
Fiz uma careta nada graciosa.
— Desse jeito, parece que você
está indo para a forca. Se liga, Demi! Aproveita a viagem. Vai ser legal, você
vai ver.
Sorri. Nick tinha razão. Eu
estava sendo boba. Mas é difícil relaxar quando uma vozinha fica sussurrando na
sua cabeça coisas do tipo:
Prepare-se.
Nada será como antes.
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