O pescador de Corações
SELENA: — Você vai o quê, Demi?
EU: — Você escutou, Selena. Ouviu
muito bem, por sinal.
SELENA: — Sim, mas queria
confirmar se ouvi direito mesmo. Então, quer dizer que vai trabalhar com
crianças órfãs?
EU (corrigindo): — Meninas.
SELENA: — Como?
EU (arrancando um generoso pedaço
de uma maçã verde): — Vou trabalhar com meninas órfãs, Selena. Elas vão passar
duas tardes comigo durante a semana e eu vou ler para elas, contar histórias. Já
separei um monte de livros para começar. Lembra quando lemos A
Droga da Obediência na escola?
Pois então. Resolvi começar por ele e vou traduzi-lo para o inglês enquanto
leio. Legal, né?
SELENA: — Dá para parar de
mastigar enquanto fala, ô sem noção?
EU: — Credo! Que estresse é esse,
hein?
SELENA: — Um cara chamado Nick. Conhece?
EU (engolindo a maçã depressa): —
O que o imbecil fez dessa vez? Deu em cima da minha mãe ou, pior, da vovó Sue?
— Não segurei o riso.
SELENA: — Nada disso. Ele
continua atrás de mim, fica me enchendo o saco, dizendo que você o dispensou e
que não tem nada de mais a gente ficar.
EU: — Não foi bem uma dispensa,
mas ele realmente sumiu. Para mim, foi ótimo. Agora, se você achar que não tem
nada a ver...
SELENA (com o tom de voz
aumentando uns decibéis): — Cala a boca, Demi! Eu não quero nada com aquele
safado, cara de pau, ridículo. Você fica aí bancando a descolada, mas é porque
não tem que aguentar o que eu tenho aguentado. Ele me liga quase todos os dias
e fica flertando. Deve ser para eu te contar e fazer ciúmes em você.
EU: — Ou não. Vai ver que o Nick
está mesmo a fim de você. Olha, Selena, por mim, tudo bem. Sério mesmo. Eu não
sinto mais nada por ele e não vou ficar chateada caso você resolva ter algo com
ele, tá legal?
SELENA (descontrolada): —
Demetria, tem nexo isso que você está dizendo? Esse Nick é um mentiroso, um
enrolador que não sabe manter a palavra. Disse que ia esperar por você, mas na primeira
oportunidade caiu em tentação. E, quer saber, não sou eu quem devia estar
dizendo isso, mas você mesma. Que ideia é essa de ficar empurrando o
sacripantas para cima de mim, hein?
EU (com lágrimas de riso): —
Sacripantas? Quem te ensinou essa palavra, hein? Seu bisavô?
SELENA: — Se você mencionar o
nome do Nick outra vez, vou desligar, Demi. E também vou ficar sem te atender
por um bom tempo.
EU: — Ei, tudo bem. Parei, viu?
SELENA (mais calma): — Ótimo.
Agora, me explica direito esse lance com a creche.
EU: — Não é creche, Selena, é
orfanato. Vou trabalhar como voluntária, porque fiquei realmente comovida com
as meninas e suas histórias de vida. Já que eu só como, leio e durmo aqui na
Krósvia, fazer algo produtivo vai ser, no mínimo, uma distração.
SELENA: — E como pretende
despistar os paparazzi?
EU: — Não vou sair de casa. As
meninas vêm me encontrar aqui.
SELENA: — Aposto que essa
revolução tem um dedo do gostosão. Pode confessar.
EU: — Nem uma unha, se quer
saber.
SELENA: — Talvez seja uma forma
de você se mostrar como uma pessoa altruísta e, consequentemente, subir no
conceito dele.
EU (indignada): — Se fosse essa a
minha intenção, eu seria uma fútil.
SELENA: — Pelo visto, continua
resistindo, né? Nada de admitir que gosta do Joe.
Até que eu já tinha assumido, mas
só para mim. Desabafar com Selena pelo telefone, mesmo ela sendo minha melhor
amiga, não estava em meus planos.
EU: — É verdade. Não tem
admissão. E vamos parar por aqui, certo? Principalmente porque a conta de
telefone vai chegar mordendo o bolso do meu pai.
SELENA (rindo de alívio): — Antes
o dele do que o meu.
***
Na faculdade, durante as aulas do
curso de Direito, eu aprendi que todas as pessoas são inocentes até que se
prove o contrário. Mas, observando os rostinhos embevecidos das garotas do Lar
Irmã Celeste, pus-me a questionar que tipo de ser humano é capaz de abandonar
seus filhos. Sim, porque penso que existem pouquíssimas justificativas, ou
melhor, só uma: a morte dos pais e a total falta de parentes próximos. Qualquer
outro motivo não cola.
Elas chegaram ao castelo numa
van. Vestiam o uniforme do orfanato — camisa branca, saia azul-marinho
plissada, na altura do joelho, casaco da mesma cor, meias brancas e sapatos
pretos. Nas costas, todas carregavam uma mochilinha.
Eram apenas dez garotas, com
idades entre 6 e 10 anos. Na última hora, eu disse a tia Marieva que não
precisava vir com elas. Se eu não fosse capaz de dar conta sozinha de algumas
poucas crianças, como lidaria com audiências no fórum no futuro?
Fiquei um dia inteiro por conta
dos preparativos. Organizei a biblioteca de modo que parecesse mais
aconchegante. Irina me ajudou a escolher umas almofadas bem coloridas e fofas, que
deram um ar infantil à sala.
Separei vários títulos
interessantes, mas deixei o livro de Pedro Bandeira, A
Droga da Obediência, meu
predileto na pré-adolescência, na frente de todos. Não que eu seja nacionalista
nem nada — ou só um pouco. Mas que mal tem priorizar meu país, o de nascimento
mesmo?
Karenina preparou um banquete digno
de chefes de Estado. Caprichou num cardápio condizente com o gosto das crianças
e abusou de doces e guloseimas com zero teor de nutrientes.
Por tudo isso, meu coração só
faltava transbordar no peito de tanta agitação. Eu queria que as meninas
gostassem de passar o dia comigo, queria que elas se divertissem e ficassem à vontade.
Portanto, desci a escadaria da
entrada do castelo parecendo um filhotinho de cachorro, ou seja, só faltei
balançar o rabinho — caso tivesse um, é claro.
— Olá! — disse num tom alegre —
Que bom que vocês chegaram!
As garotas sorriram timidamente,
menos uma, que se manteve séria e deu um passo à frente. Logo deduzi que
deveria ser uma espécie de líder, a que tinha a responsabilidade de falar pelas
outras.
— Bom dia, princesa Demi. Em nome
de todas nós, eu gostaria de agradecer pelo convite — disse a menina, mais
parecendo uma funcionária de telemarketing do que uma criança.
— Bom dia, minha linda. E me
chame só de Demi — pedi. — É mais fácil. Também gostaria de saber o nome de
vocês. Mas vamos combinar uma coisa? Cada uma diz o seu. Legal assim?
Como se tivessem combinado, as
meninas esperaram a líder falar primeiro.
— Eu sou Sofja. A Irmã Sonja
pediu para eu tomar conta das outras. É que eu já tenho 10 anos e sou a mais
velha do grupo.
— Que ótimo, Sofja! É uma
responsabilidade muito grande. Parabéns.
Ela esboçou uma risada,
deliciando-se com o elogio.
— Meu nome é Ekaterina — anunciou
uma delas, talvez a menor de todas, com o peito estufado. — E meu aniversário
está chegando. Vou fazer 7 anos no dia 8 de novembro. Vai ter bolo.
— Nossa, isso é maravilhoso! —
exclamei, dando-lhe minha total atenção. Já vi que criança gosta disso. —
Espero ser convidada, combinado?
— Hum-hum.
Em seguida, uma a uma, todas
foram se pronunciando, não apenas revelando os nomes — alguns megadifíceis de
pronunciar —, mas também complementando as apresentações com pequenos comentários
sobre assuntos diversos. Achei tão divertido...
— Princesa Demi, a Irmã Catja
pediu que entregássemos isto para você. — Sofja retirou da mochila um embrulho
impecável, feito com papel azul-piscina e fita amarela.
Peguei o pacote de suas mãos e,
com cuidado, retirei a fita adesiva que prendia as laterais do papel. Lá
dentro, havia uma toalha de banho branca, com meu nome bordado em ponto cruz numa
das extremidades e uma tira de renda ornamentando uma das pontas.
— Que linda! — Fiquei emocionada
com o gesto carinhoso.
— Foi a Sofja que bordou — alguém
contou.
— Menina, como você é prendada! —
elogiei. — Eu realmente adorei.
Fiz um sinal para que elas me acompanhassem
e segui ao lado das garotas em direção ao interior do castelo.
Nenhuma delas conseguiu segurar
os “ahs” e “ohs”. É a reação natural de todo mundo que entra pela primeira vez
num castelo de verdade, digo, com moradores ainda vivos, se é que me entendem.
Deixei que as garotas
perguntassem o que quisessem e admirassem tudo. Até mesmo eu ainda me
impressionava com tanta ostentação e suntuosidade. Teríamos o dia inteiro para
ler histórias e, se elas achassem mais interessante ficar perambulando pelo
palácio, eu não me oporia.
— Nós podemos ir à praia? —
indagou uma delas, Karol, eu acho.
— Karol! — Sofja puxou-a pela
camisa e fechou a cara para ela. Ela devia ter recebido mil vezes a
recomendação de não permitir que as colegas perdessem o controle. Mas a pequena
Karol não se intimidou.
— Nós trouxemos maiô. Colocamos
na mochila, escondidos da Irmã Sonja. — Ela me olhou com a carinha mais fofa do
universo, dessas que fazem gelo derreter. — Por favor...
Realmente, eu havia planejado de
tudo, menos levar as garotas à praia. Em primeiro lugar, não queria me arriscar
caso algumas — ou todas — não soubessem nadar e acabassem se afogando.
Depois, estava fazendo frio. E
não há nada neste mundo que eu deteste mais do que água gelada em minhas
costas.
— Bom, podemos combinar o
seguinte... — disse, tentando ganhar tempo para elaborar uma ideia brilhante. —
A gente vai à biblioteca primeiro. Quando nos cansarmos de ler, fazemos um
piquenique na praia, mas sem usar roupa de banho por enquanto. Legal assim?
Minha proposta foi aceita com
entusiasmo.
Para quem não vivia rodeada por
crianças, eu até que levava jeito. Talvez trocasse de curso assim que voltasse
para o Brasil. Pedagogia era uma boa, né? Ou psicologia, quem sabe?
Brincadeirinha.
Eu sabia que os livros não me decepcionariam.
Por quase três horas, ficamos mergulhadas em páginas e mais páginas de ficção. Pedro
Bandeira fez o maior sucesso com o grupo Os Karas, mas só com as mais velhas.
As menores acabaram escolhendo histórias mais infantis e também se deixaram
levar pelo mundo da imaginação.
Gosto de ler desde pequena,
graças ao estímulo e ao exemplo de minha mãe. Ela sempre foi uma leitora
frenética e nunca negou sequer um livro para mim. Na verdade, tomei gosto pela coisa
com as revistinhas da Turma da Mônica. E não parei mais desde então.
Agora imagino como deve ser
motivo de orgulho para um adulto constatar que seu filho aprecia os livros,
pois eu estava me sentindo assim: orgulhosa. E olhe que eu não tinha mérito nenhum
pela curiosidade literária daquelas meninas.
Karenina entrou com o lanche,
depois voltou para buscar o que restara e, nas duas vezes, encontrou todas elas
esparramadas pelos tapetes e almofadas, concentradíssimas em suas histórias.
Ela apenas piscou para mim e saiu
toda satisfeita, também com sua dose própria de orgulho no olhar. Quando
chegasse a hora de voltar para Belo Horizonte, uma parte de meu coração ficaria
para trás. Digo isso sem querer ser piegas nem sentimental demais. O fato é que
me apeguei às pessoas. Karenina, Irina, tia Marieva, meus primos, as meninas do
orfanato — de quem eu queria cuidar, proteger, dar carinho —, meu pai... E era
melhor eu nem colocar Joseph nesse grupo, se não aí é que a coisa ficaria feia
mesmo.
E eu que achava que sentiria
falta de Nick por ficar seis meses na Krósvia. Era até covardia comparar isso
com o que eu sentiria quando deixasse Joe para trás.
— Demi, você deixa a gente ir
para a praia agora? Hein?
Devanear perto de crianças não é
legal. Elas não esperam a gente voltar a raciocinar.
— Podemos, Demi?
— Claro que a Demi vai deixar,
não é, princesa?
Dei um pulo. Apesar de todos os
rostos terem se mexido automaticamente pela manifestação de uma voz masculina
naquele ambiente dominado por garotas, eu me mantive na mesma posição, ou seja,
de costas para a porta e impossibilitada de verificar quem entrava e saía na
biblioteca. Não que eu precisasse olhar, diga-se de passagem, pois sabia
exatamente quem era o dono da voz mais profunda e sexy da face da Terra.
Por que Joe tinha que aparecer
para complicar um dia tão bom? E como assim, me chamar de princesa? Ridículo.
Ainda sem me mover, respondi
calmamente — se é que dava para ficar calma naquela situação —, como uma
professora das mais pacientes:
— Se vocês estiverem mesmo
cansadas de ler por hoje, não vejo nenhum problema em levá-las à praia. Mas não
vamos nadar, certo? E só vamos sair depois de guardarmos os livros.
Rapidamente, as meninas deram
conta de organizar a sala. Quer motivação melhor que a promessa de um passeio
ao ar livre na praia particular do Palácio Sorvinski?
Durante todo o momento de
arrumação, senti os olhos de Joe me observando. Ele ficou parado na porta, com
um ombro encostado de maneira despojada no batente, de olho em tudo, ou melhor,
em mim. Claro que primeiro cumprimentou as meninas e fez um gesto rápido com a
cabeça em minha direção, mas nem se preocupou em nos ajudar, nem disse nada. Só
ficou lá, com aquele olhar de lince, avaliando meus movimentos, como um
encarregado de turma numa fábrica.
— Precisa de alguma coisa? —
indaguei, a personificação da indiferença. Pura fachada.
— Nada, não — disse, todo
confortável. — Só estou esperando vocês para o passeio. Vou acompanhá-las.
Deu para perceber o tom? “Vou acompanhá-las”
e não: “Posso acompanhá-las?”. É muita confiança, fala sério.
— Não precisa. Vamos fazer um
programa feminino, não é, garotas?
— Ah... Mas ele pode ir, se
quiser — falou Karol, meio enfeitiçada por Joseph. E quem é que não ficaria?
Até uma garotinha de 7 anos.
— Obrigado pelo convite, lindinha
— agradeceu, charmoso. — Porque, se dependesse dessa princesa aqui, eu ficaria
sozinho, sem nada para fazer.
Encarei-o com fúria. Princesa era
a vovozinha. Bom, eu também era, mas não precisava ficar lembrando disso toda
hora.
— Você não tem que trabalhar? — questionei.
Sim, pois, de acordo com Nome de Cachorro, Joseph já tinha perdido tempo demais
comigo.
Ele levantou o punho da jaqueta —
a já mencionada, de couro, preta — e checou o horário no relógio de atleta. Sei
disso porque esse tipo de relógio é... bom... Ah, sei disso porque sei.
— Trabalhei o suficiente por
hoje. Mereço uma tarde relaxante. Concordam, meninas?
— Siiiiim!
Ai, Senhor. Vencida por dez
pirralhas que passaram o dia comigo e deveriam estar do meu lado. O que um
homem bonito faz com o cérebro das mulheres? Congela?
— O que vocês acham de a gente
pescar? — sugeriu Joe, todo empolgado. — Conheço um lugar superlegal.
— Como assim, pescar? — guinchei,
de um jeito nada atraente.
— Bom, a gente usa vara, anzol e
isca e joga na água. — Joe cruzou os braços no peito e plantou no rosto uma
expressão bem safada. — Se o peixe for fisgado, significa que a gente pescou. Entendeu
agora?
Ele estava zoando com minha cara.
Que sujeitinho mais irritante! Ou ele se achava muito engraçado, ou sabia que
me afetava. Senti o sangue subir para minha face, rompendo o restante de autocontrole
que eu ainda possuía.
— Nossa! Essa piada foi hilária.
Viu como eu ri? — ironizei. — Agora, vamos, meninas, senão fica tarde.
— Demi, eu estou falando sério.
Quero levá-las para pescar. O lago da Caverna do Pirata é um lugar excelente
para pescaria. Qual é o problema?
Pus as mãos da cintura e empinei
o nariz.
— O problema, Joseph, é que não
dá para ir a pé até a Caverna do Pirata. E também não temos o equipamento
adequado para essa atividade.
Ele não se deixou vencer. Como
aspirante a advogada, meu poder de persuasão ia de mal a pior.
— As meninas chegaram aqui de
quê? Vi uma van parada no estacionamento. Imagino que tenha trazido as garotas.
— Então, ele andou até parar bem perto de mim e completou: — E o castelo tem um
depósito cheio de apetrechos de pescaria. Podemos até escolher. E agora? Mais
alguma desculpa?
A derrotada na discussão acabou
sendo eu. O que mais eu poderia alegar? Não, Joseph, não vamos
com você porque quase morro quando estamos juntos. Ou então eu poderia dizer também:
É melhor não sairmos juntos mais porque eu mal
consigo respirar perto de você.
Murchei os ombros, sentindo-me
diminuída. Em compensação, as crianças ficaram em êxtase. Dispararam um
falatório em krosvi e rodearam Joseph, resolvendo deliberadamente que a companhia
dele gerava muito mais diversão do que a minha.
Olhei para minhas roupas. Não
eram adequadas para uma pescaria. Afinal, um conjunto de plush
confortável
foi feito para, no máximo, uma caminhada com pouco suor.
Joe, percebendo minha hesitação,
questionou:
— O que houve agora?
— Nem as garotas nem eu estamos
vestidas para a ocasião.
Com a paciência por um fio, Joe
passou a mão pelos cabelos e suspirou:
— Demi, pelo amor de Deus, qualquer
roupa serve. Vamos ficar sentados na beira do lago, com as varas estendidas
sobre a água. Não estamossaindo para mergulhar. Deixa de fazer drama.
Pronto. Agora ele tinha mexido
com meu orgulho.
— Tudo bem. — Virei as palmas das
mãos na direção de Joe e baixei a guarda. — Mas vamos depressa, antes que fique
muito tarde.
Não preciso nem comentar que o
sorriso que ele me lançou fez minhas pernas amolecerem e meu coração mudar de
ritmo. Não preciso, embora não me canse de contar.
— Os peixes desse lago não são
ornamentais?
— Não se tiverem mais de 30
centímetros. E aqui a maioria tem.
Não gosto muito de pescar porque
morro de pena dos peixes. Odeio ver o anzol agarrado na boca dos bichos, o que
deve causar uma dor horripilante. Mesmo quando a pescaria é do tipo “pesca e
solta”, fico imaginando a sensação de ter a boca furada e ser largado de volta
na água. Mas as meninas estavam achando o máximo.
Cada uma ganhou uma vara e se
ajeitou em torno do lago da caverna, repetindo tudo o que Joe havia explicado a
elas sobre pescaria. Graças aos céus, o trajeto até a Caverna do Pirata fora
tranquilo. Depois das primeiras semanas falando da princesa declarada da Krósvia,
os jornalistas começaram a se dispersar e meu pai manteve as medidas de
segurança só por garantia. Está certo que eu ainda não tinha permissão para ir
e vir por conta própria, mas só o fato de poder entrar numa van sem Zlafer e
Boris já era um imenso progresso.
Achei prudente avisar tia Marieva
antes de nos aventurarmos fora dos limites do castelo, mas ela concordou que
fôssemos passear, especialmente porque Joe iria junto. Ele aproveitou o
percurso para contar a história do pirata Barba Longa para as garotas e elas
ficaram tão ou mais impressionadas do que eu. Pena que Joseph não havia levado
a moeda antiga para dar um susto nelas, como havia feito comigo.
Sentada numa pedra, meio longe de
todo mundo, como boa observadora que sou, fiquei analisando a situação,
tentando ser a mais imparcial possível. Joe era mesmo um cara diferente. Além
de todas as características que já contei e repeti não sei quantas vezes, ele
também sabia lidar com crianças. Na maior paciência, ele ensinou como segurar a
vara e lançar o anzol até mesmo para as menores. Quando uma delas errava, Joseph
a encorajava a tentar de novo. Ele evitava falar em krosvi para não me excluir,
mas a afinidade que criou com as meninas levou-o a acabar se comunicando na
língua materna deles, um ato inconsciente.
Tanta observação me deu sono. Eu
acabei deitada sobre a pedra e nem vi quando cochilei. Só sei que tudo começou
a perder o foco e as vozes foram ficando abafadas e distantes. Fui sugada por
Morfeu.
— Você não vai se aproveitar de
mim.
Os pingos de água fria e aquela
voz de general me libertaram de meu sonho recorrente. Já me disseram que podemos
sonhar uma história inteira durante um sono de 30 segundos. E foi justamente
isso o que aconteceu comigo. Nem bem fechei os olhos, todo aquele drama de
vestido amarelo, ventania, cabelos revoltos e olhares perdidos passou como um
filme em minha cabeça. Esse enredo ainda era um mistério para mim.
— O quê? — ofeguei, assustada.
— Pensa que vai ficar numa boa,
dormindo por aí, enquanto tomo conta de todas as meninas?
— As meninas? — Meu susto se
elevou ao cubo. — O que houve?
Com um pulo, já estava de pé. Joe
começou a rir de um jeito gostoso, relaxado. Então, esticou o braço e tirou uma
mecha de cabelo de meu rosto, ajeitando-a atrás da orelha. A sensação foi a
mesma de ter sido eletrocutada numa cadeira elétrica.
— Calma, estou brincando. Não
aconteceu nada. As meninas continuam bem ali. — Ele apontou para elas, mas
continuou olhando diretamente em meus olhos. Temi que eles revelassem meu
segredo mais bem guardado.
— Está na hora de voltar?
— Não. Está na hora de você
tentar.
Não entendi, de verdade. Tentar o
quê? Falar krosvi? Pilotar a moto dele? Beijá-lo?
Joe pegou minha mão e me puxou
consigo.
— Você agora vai pescar.
Retirei a mão e empaquei.
— Não. De jeito nenhum. Não tenho
vocação para torturadora de animais. Já é bem difícil para mim ver vocês
fazerem isso.
— Demi, não estamos torturando
nada. É só uma pescaria. Vem. Eu te ajudo.
Com a mão mais uma vez capturada,
deixei Joe me arrastar até a beirada do lago. Olhei para as garotas com cara de
“socorro”, mas elas só riram de mim e nenhuma tomou meu partido.
Traidoras.
— Joe, é sério, me deixe fora
dessa. Além de dó, eu tenho nojo de peixe, morto ou vivo.
Ele nem ligou. Limitou-se a me
repassar as regras básicas, fazendo os gestos certos de modo que eu o imitasse.
— Pensei que bastasse lançar a
isca na água e esperar o peixe fisgar, se fisgar — comentei, esforçando-me
para copiar o que Joe fazia. — Em Minas Gerais, o estado onde moro, as pessoas têm
o costume de ir a pesque-pagues. Geralmente, são sítios ou chácaras com lagoas
e a gente tem que pagar para pescar. Se quiser, pode levar o peixe pescado para
casa ou devolvê-lo à água.
— E o que isso tem de
emocionante? — Joseph questionou.
— Absolutamente nada. — Eu ri. —
É isso o que estou tentando dizer.
— Não, senhora. Deve ser chato
pescar peixes confinados, mas esse não é nosso caso.
Olhei para o lago.
— Não?
— Demi, esse lago é formado pelo
mar. Se você mergulhar nele, vai enxergar por onde a água do oceano entra.
— Sério?! — exclamei. — Que
bacana!
Joe balançou a cabeça, me desaprovando
como se eu fosse uma tapada de carteirinha. E eu devia ser mesmo, porque a
linha de meu anzol não ficava reta nem por decreto, enquanto a dele estava
esticadinha.
— Demi, você precisa fazer o
movimento certo com os braços.
— Eu estou fazendo.
— Não está, não. Precisa fazer
assim.
Em questão de milésimos de
segundo, Joseph largou seu anzol no chão e passou por trás de mim. Antes que eu
tivesse tempo de raciocinar sobre o que acontecia ali, ele encostou o corpo no
meu e fechou sua mão direita sobre a minha. Meu corpo inteiro se enrijeceu com
o contato e eu perdi a noção do que estava fazendo.
— Levante o braço até aqui.
Com a boca a centímetros de minha
orelha, seu comando soou como um mantra inebriante. Tive que lutar para não
fechar os olhos e deixar meu corpo se recostar no dele. De repente, eu me tornei
ultrassensível. Podia sentir todos os músculos dele e também as batidas de seu coração,
além do odor masculino que exalava. Tortura pura e lenta.
— Depois, lance a linha desse
jeito.
Que linha? E eu lá ligava para
aqueles movimentos de pesca idiotas? Se bem que era por causa deles que Joseph
estava grudado em mim. Acho que vou amar pescarias para sempre.
Agora, sua barba por fazer fazia
cócegas em minha nuca. E todas as partes de meu torturado corpo começaram a dar
sinal de vida. Fui ficando lânguida e muito empolgada, a ponto de quase perder
a rigidez nas pernas e cair de cara no lago.
Será que Joseph tinha ideia do
que estava fazendo comigo? Já não era fácil quando não havia aproximação entre nós...
Mas ele não se afastou. Parecia tão entusiasmado como eu, preso naquele
joguinho safado de sedução. Mais antigo e barato, impossível.
— Não deu certo — sussurrei,
quase inaudível.
— Não. Vamos tentar de novo. —
Com uma voz rouca, Joseph pronunciou pausadamente cada uma daquelas palavras,
prolongando ao máximo aquele momento.
Só que, em vez de explicar os
movimentos novamente, ele fez com que meus dedos abrissem e soltassem o anzol,
que caiu no chão de qualquer jeito. Acariciou minha nuca com o nariz, abrindo espaço
entre meus cabelos soltos, enquanto subia as mãos lentamente por meus braços,
só deixando-os para segurar minha cintura. A respiração dele se tornou mais
difícil e pesada e dessa vez eu fechei os olhos para potencializar a sensação
de seu toque. Apesar de minha pele estar quase toda coberta pelas roupas, sentia
meu corpo queimar onde Joe tocava. Eu estava prestes a entrar em combustão na
frente das dez meninas do Lar Irmã Celeste. Se aquilo não era loucura, não sei
mais o que seria. Mesmo assim, eu só queria estar ali e em mais nenhum outro
lugar no mundo.
E pelo jeito Joe queria o mesmo.
Não havia dúvidas. Ele estava se aproveitando de mim, mas de uma forma boa. Seu
nariz manteve o movimento através de meus cabelos, o que me deixou toda arrepiada.
Já fora beijada antes, é claro,
muitas vezes até — ok, não tanto. Mas nenhum dos beijos que recebera chegou a
ser tão excitante e sedutor quanto o toque sutil de Joseph. A frase “subindo
pelas paredes” tinha acabado de ganhar uma nova versão.
— Demi — ele sussurrou em meu
ouvido, roçando os lábios em minha orelha, tão de leve que eu poderia ter
apenas imaginado. — Eu...
— Ai, pesquei um! — alguém
gritou.
Justamente na hora que as coisas
estavam ficando quentes, muito quentes mesmo. Entretanto, elas ficaram frias
num piscar de olhos, pois o susto fez Joe se deslocar para trás numa rapidez...
Sobraram apenas o vácuo e uma sensação estranha de vazio. Meu corpo queria o dele
de volta.
Só fui capaz de perceber de onde
e por que o grito havia surgido quando meu cérebro tomou as rédeas da situação.
Assim que voltei a pensar racionalmente, enxerguei Karol esforçando-se para puxar
da água um peixe muito bem fisgado.
Como se nada tivesse acontecido
momentos antes, Joe agiu como herói, dando a força necessária para que a menina
conseguisse fazer o peixe emergir. E, com a ajuda dele, isso não demorou a
acontecer. Em poucos segundos, o animal surgiu chacoalhando-se todo, lutando
pela vida prestes a ir embora.
As garotas comemoraram com
palmas.
Estavam maravilhadas com o
resultado da atividade que entrara na agenda do dia de maneira inusitada e
tornara-se a sensação do passeio. Mesmo não tendo sido ideia minha, a pescaria completou
a felicidade delas e só por isso eu já era grata a Joseph.
Por outro lado, meu corpo ainda
tentava processar o fato de Joe e eu termos nos deixado levar pelo impulso, o
que poderia ter tomado proporções medonhas caso tivéssemos sido flagrados pelas
meninas. E eu não me perdoava por ter sido tão descuidada e tão óbvia. Minha aceitação
às suas carícias pode ter revelado a ele o que eu sinto. Como eu sabia que o
sentimento não era compartilhado — se fosse, ele não estaria com Nome de
Cachorro —, tudo o que eu podia fazer era, além de lamentar, fingir que estavatranquila
em relação ao fato. Se Joe quisesse se explicar e pedir desculpas, eu daria de
ombros e perguntaria: “Está se desculpando por quê?”.
Eu não aguentaria ouvi-lo dizer
que nosso “momento” havia sido um erro e que não se repetiria mais, nem que ele
tinha sido levado pelo calor do momento etc. Preferia seu silêncio a seu remorso.
— Demi, venha ver o peixe que eu
pesquei!
A vozinha excitada da pequena
Karol me tirou de minha autorreflexão. Olhei para ela com um sorriso amarelo
para disfarçar a angústia.
Ignorei Joe deliberadamente.
— Puxa, que peixão! — E,
realmente, era um dos grandes. — O que quer fazer com ele? Devolver para o lago
ou levar para a Karenina preparar um assado?
Não sei de onde tirei tanta
tranquilidade para falar sem gaguejar. Acho que foi o receio de me expor ainda
mais.
— Posso mesmo ficar com ele? —
Karol indagou, com uma súplica muito mal encoberta. — Queria tirar uma foto
para mostrar para minhas amigas que não vieram hoje.
— Se o problema é esse, então
está resolvido — Joe disse, muito à vontade por sinal. — Estou com meu celular
e ele tem uma câmera excelente.
— Então eu quero uma foto que nem
as dos pescadores de verdade!
Segurando o peixe pela cauda,
Karol posou para a máquina. Enquanto eu torcia o nariz de nojo do bicho, ela e
as outras meninas se divertiram, encorajadas por um Joe alegre e despreocupado.
Por fim, acabei me rendendo e me
juntei ao grupo para uma foto coletiva. Só não consegui encarar a câmera. Como
poderia sorrir para o fotógrafo se eu mal conseguia olhar para ele?
~*~
Consegui postar hoje hahaha estou morta de cansaço. Não desejo a ninguém faculdade em tempo integral ;P kkkkk
Sobre os cometários: Obrigada por comentarem! E Gente, eu não queria ficar tanto tempo sem postar, mas as vezes a vida pessoal fica um caos... :/ Eu disse que não ia abandonar o blog, mas também disse que não ia poder postar regularmente. Não garanto que postarei toda semana, mas vou tentar. E não garanto ficar, sei lá, um mês sem postar nada, mas vou fazer o possível para isso não acontecer. Não irei fazer promessas que não poderei cumprir, porque eu sei que serão vocês a ficarem decepcionadas. Tudo bem? Falei quinhentas mil vezes, mas só pra não perder o costume: "Vocês só precisam ter paciência" <3 E ficar com raiva de mim pela demora faz parte kkkk
Amo vocês, amores.
Yumi H.
Ps: Esqueci de falar com vocês, MAS EU FINALMENTE REALIZEI MEU SONHO E FUI NO SHOW DA DEMI AQUI EM BRASÍLIA ksjhflksjdafhalksjdfhaksjdhf Melhor dia da minha vida!!! <33333
(vídeo gravado por mim aksjfhalskdjf)
Ok amor, tudo bem, entendo a correria e não fico com raiva sua, auhsau só ansiosa, porque essa fic tá realmente muito, muito boa. Espero que consiga postar logo, beijos ��
ResponderExcluirApesar de não fazer faculdade ainda te entendo super. Aberto que você postou. Amei esse capítulo, sempre tem alguém pra atrapalhar o momento.
ResponderExcluirBeijos
Fabíola Barboza
perfeito!
ResponderExcluirJoe safadinho kkkkkk
POSTA LOGO!
Tem um tempão que não comento aqui! Também comecei minha faculdade e ta loucura!! Espero que esteja gostando da sua!
Parabéns pelo show da Demi, eu fui no do Rio kkkkk!!
Obs: se quiser ajuda pra postar a Fic é só falar comigo que o dia que você não puder postar eu posto kkk =D
Meu tt @NandinhaLoveyou
Beijos
POSTA LOGO
ResponderExcluirPosta dois capítulos hoje por favor
ResponderExcluirPosta hoje por favor
ResponderExcluirPosta logo por favor
ResponderExcluirPosta hoje por favor
ResponderExcluirSocorro, posta logo. I miss you :'( ta perfeita essa fic <3
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