terça-feira, 13 de maio de 2014

Capítulo 12 - Simplesmente Demi

O pescador de Corações

SELENA: — Você vai o quê, Demi?
EU: — Você escutou, Selena. Ouviu muito bem, por sinal.
SELENA: — Sim, mas queria confirmar se ouvi direito mesmo. Então, quer dizer que vai trabalhar com crianças órfãs?
EU (corrigindo): — Meninas.
SELENA: — Como?
EU (arrancando um generoso pedaço de uma maçã verde): — Vou trabalhar com meninas órfãs, Selena. Elas vão passar duas tardes comigo durante a semana e eu vou ler para elas, contar histórias. Já separei um monte de livros para começar. Lembra quando lemos A Droga da Obediência na escola? Pois então. Resolvi começar por ele e vou traduzi-lo para o inglês enquanto leio. Legal, né?
SELENA: — Dá para parar de mastigar enquanto fala, ô sem noção?
EU: — Credo! Que estresse é esse, hein?
SELENA: — Um cara chamado Nick. Conhece?
EU (engolindo a maçã depressa): — O que o imbecil fez dessa vez? Deu em cima da minha mãe ou, pior, da vovó Sue? — Não segurei o riso.
SELENA: — Nada disso. Ele continua atrás de mim, fica me enchendo o saco, dizendo que você o dispensou e que não tem nada de mais a gente ficar.
EU: — Não foi bem uma dispensa, mas ele realmente sumiu. Para mim, foi ótimo. Agora, se você achar que não tem nada a ver...
SELENA (com o tom de voz aumentando uns decibéis): — Cala a boca, Demi! Eu não quero nada com aquele safado, cara de pau, ridículo. Você fica aí bancando a descolada, mas é porque não tem que aguentar o que eu tenho aguentado. Ele me liga quase todos os dias e fica flertando. Deve ser para eu te contar e fazer ciúmes em você.
EU: — Ou não. Vai ver que o Nick está mesmo a fim de você. Olha, Selena, por mim, tudo bem. Sério mesmo. Eu não sinto mais nada por ele e não vou ficar chateada caso você resolva ter algo com ele, tá legal?
SELENA (descontrolada): — Demetria, tem nexo isso que você está dizendo? Esse Nick é um mentiroso, um enrolador que não sabe manter a palavra. Disse que ia esperar por você, mas na primeira oportunidade caiu em tentação. E, quer saber, não sou eu quem devia estar dizendo isso, mas você mesma. Que ideia é essa de ficar empurrando o sacripantas para cima de mim, hein?
EU (com lágrimas de riso): — Sacripantas? Quem te ensinou essa palavra, hein? Seu bisavô?
SELENA: — Se você mencionar o nome do Nick outra vez, vou desligar, Demi. E também vou ficar sem te atender por um bom tempo.
EU: — Ei, tudo bem. Parei, viu?
SELENA (mais calma): — Ótimo. Agora, me explica direito esse lance com a creche.
EU: — Não é creche, Selena, é orfanato. Vou trabalhar como voluntária, porque fiquei realmente comovida com as meninas e suas histórias de vida. Já que eu só como, leio e durmo aqui na Krósvia, fazer algo produtivo vai ser, no mínimo, uma distração.
SELENA: — E como pretende despistar os paparazzi?
EU: — Não vou sair de casa. As meninas vêm me encontrar aqui.
SELENA: — Aposto que essa revolução tem um dedo do gostosão. Pode confessar.
EU: — Nem uma unha, se quer saber.
SELENA: — Talvez seja uma forma de você se mostrar como uma pessoa altruísta e, consequentemente, subir no conceito dele.
EU (indignada): — Se fosse essa a minha intenção, eu seria uma fútil.
SELENA: — Pelo visto, continua resistindo, né? Nada de admitir que gosta do Joe.
Até que eu já tinha assumido, mas só para mim. Desabafar com Selena pelo telefone, mesmo ela sendo minha melhor amiga, não estava em meus planos.
EU: — É verdade. Não tem admissão. E vamos parar por aqui, certo? Principalmente porque a conta de telefone vai chegar mordendo o bolso do meu pai.
SELENA (rindo de alívio): — Antes o dele do que o meu.

***

Na faculdade, durante as aulas do curso de Direito, eu aprendi que todas as pessoas são inocentes até que se prove o contrário. Mas, observando os rostinhos embevecidos das garotas do Lar Irmã Celeste, pus-me a questionar que tipo de ser humano é capaz de abandonar seus filhos. Sim, porque penso que existem pouquíssimas justificativas, ou melhor, só uma: a morte dos pais e a total falta de parentes próximos. Qualquer outro motivo não cola.
Elas chegaram ao castelo numa van. Vestiam o uniforme do orfanato — camisa branca, saia azul-marinho plissada, na altura do joelho, casaco da mesma cor, meias brancas e sapatos pretos. Nas costas, todas carregavam uma mochilinha.
Eram apenas dez garotas, com idades entre 6 e 10 anos. Na última hora, eu disse a tia Marieva que não precisava vir com elas. Se eu não fosse capaz de dar conta sozinha de algumas poucas crianças, como lidaria com audiências no fórum no futuro?
Fiquei um dia inteiro por conta dos preparativos. Organizei a biblioteca de modo que parecesse mais aconchegante. Irina me ajudou a escolher umas almofadas bem coloridas e fofas, que deram um ar infantil à sala.
Separei vários títulos interessantes, mas deixei o livro de Pedro Bandeira, A Droga da Obediência, meu predileto na pré-adolescência, na frente de todos. Não que eu seja nacionalista nem nada — ou só um pouco. Mas que mal tem priorizar meu país, o de nascimento mesmo?
Karenina preparou um banquete digno de chefes de Estado. Caprichou num cardápio condizente com o gosto das crianças e abusou de doces e guloseimas com zero teor de nutrientes.
Por tudo isso, meu coração só faltava transbordar no peito de tanta agitação. Eu queria que as meninas gostassem de passar o dia comigo, queria que elas se divertissem e ficassem à vontade.
Portanto, desci a escadaria da entrada do castelo parecendo um filhotinho de cachorro, ou seja, só faltei balançar o rabinho — caso tivesse um, é claro.
— Olá! — disse num tom alegre — Que bom que vocês chegaram!
As garotas sorriram timidamente, menos uma, que se manteve séria e deu um passo à frente. Logo deduzi que deveria ser uma espécie de líder, a que tinha a responsabilidade de falar pelas outras.
— Bom dia, princesa Demi. Em nome de todas nós, eu gostaria de agradecer pelo convite — disse a menina, mais parecendo uma funcionária de telemarketing do que uma criança.
— Bom dia, minha linda. E me chame só de Demi — pedi. — É mais fácil. Também gostaria de saber o nome de vocês. Mas vamos combinar uma coisa? Cada uma diz o seu. Legal assim?
Como se tivessem combinado, as meninas esperaram a líder falar primeiro.
— Eu sou Sofja. A Irmã Sonja pediu para eu tomar conta das outras. É que eu já tenho 10 anos e sou a mais velha do grupo.
— Que ótimo, Sofja! É uma responsabilidade muito grande. Parabéns.
Ela esboçou uma risada, deliciando-se com o elogio.
— Meu nome é Ekaterina — anunciou uma delas, talvez a menor de todas, com o peito estufado. — E meu aniversário está chegando. Vou fazer 7 anos no dia 8 de novembro. Vai ter bolo.
— Nossa, isso é maravilhoso! — exclamei, dando-lhe minha total atenção. Já vi que criança gosta disso. — Espero ser convidada, combinado?
— Hum-hum.
Em seguida, uma a uma, todas foram se pronunciando, não apenas revelando os nomes — alguns megadifíceis de pronunciar —, mas também complementando as apresentações com pequenos comentários sobre assuntos diversos. Achei tão divertido...
— Princesa Demi, a Irmã Catja pediu que entregássemos isto para você. — Sofja retirou da mochila um embrulho impecável, feito com papel azul-piscina e fita amarela.
Peguei o pacote de suas mãos e, com cuidado, retirei a fita adesiva que prendia as laterais do papel. Lá dentro, havia uma toalha de banho branca, com meu nome bordado em ponto cruz numa das extremidades e uma tira de renda ornamentando uma das pontas.
— Que linda! — Fiquei emocionada com o gesto carinhoso.
— Foi a Sofja que bordou — alguém contou.
— Menina, como você é prendada! — elogiei. — Eu realmente adorei.
Fiz um sinal para que elas me acompanhassem e segui ao lado das garotas em direção ao interior do castelo.
Nenhuma delas conseguiu segurar os “ahs” e “ohs”. É a reação natural de todo mundo que entra pela primeira vez num castelo de verdade, digo, com moradores ainda vivos, se é que me entendem.
Deixei que as garotas perguntassem o que quisessem e admirassem tudo. Até mesmo eu ainda me impressionava com tanta ostentação e suntuosidade. Teríamos o dia inteiro para ler histórias e, se elas achassem mais interessante ficar perambulando pelo palácio, eu não me oporia.
— Nós podemos ir à praia? — indagou uma delas, Karol, eu acho.
— Karol! — Sofja puxou-a pela camisa e fechou a cara para ela. Ela devia ter recebido mil vezes a recomendação de não permitir que as colegas perdessem o controle. Mas a pequena Karol não se intimidou.
— Nós trouxemos maiô. Colocamos na mochila, escondidos da Irmã Sonja. — Ela me olhou com a carinha mais fofa do universo, dessas que fazem gelo derreter. — Por favor...
Realmente, eu havia planejado de tudo, menos levar as garotas à praia. Em primeiro lugar, não queria me arriscar caso algumas — ou todas — não soubessem nadar e acabassem se afogando.
Depois, estava fazendo frio. E não há nada neste mundo que eu deteste mais do que água gelada em minhas costas.
— Bom, podemos combinar o seguinte... — disse, tentando ganhar tempo para elaborar uma ideia brilhante. — A gente vai à biblioteca primeiro. Quando nos cansarmos de ler, fazemos um piquenique na praia, mas sem usar roupa de banho por enquanto. Legal assim?
Minha proposta foi aceita com entusiasmo.
Para quem não vivia rodeada por crianças, eu até que levava jeito. Talvez trocasse de curso assim que voltasse para o Brasil. Pedagogia era uma boa, né? Ou psicologia, quem sabe?
Brincadeirinha.
Eu sabia que os livros não me decepcionariam. Por quase três horas, ficamos mergulhadas em páginas e mais páginas de ficção. Pedro Bandeira fez o maior sucesso com o grupo Os Karas, mas só com as mais velhas. As menores acabaram escolhendo histórias mais infantis e também se deixaram levar pelo mundo da imaginação.
Gosto de ler desde pequena, graças ao estímulo e ao exemplo de minha mãe. Ela sempre foi uma leitora frenética e nunca negou sequer um livro para mim. Na verdade, tomei gosto pela coisa com as revistinhas da Turma da Mônica. E não parei mais desde então.
Agora imagino como deve ser motivo de orgulho para um adulto constatar que seu filho aprecia os livros, pois eu estava me sentindo assim: orgulhosa. E olhe que eu não tinha mérito nenhum pela curiosidade literária daquelas meninas.
Karenina entrou com o lanche, depois voltou para buscar o que restara e, nas duas vezes, encontrou todas elas esparramadas pelos tapetes e almofadas, concentradíssimas em suas histórias.
Ela apenas piscou para mim e saiu toda satisfeita, também com sua dose própria de orgulho no olhar. Quando chegasse a hora de voltar para Belo Horizonte, uma parte de meu coração ficaria para trás. Digo isso sem querer ser piegas nem sentimental demais. O fato é que me apeguei às pessoas. Karenina, Irina, tia Marieva, meus primos, as meninas do orfanato — de quem eu queria cuidar, proteger, dar carinho —, meu pai... E era melhor eu nem colocar Joseph nesse grupo, se não aí é que a coisa ficaria feia mesmo.
E eu que achava que sentiria falta de Nick por ficar seis meses na Krósvia. Era até covardia comparar isso com o que eu sentiria quando deixasse Joe para trás.
— Demi, você deixa a gente ir para a praia agora? Hein?
Devanear perto de crianças não é legal. Elas não esperam a gente voltar a raciocinar.
— Podemos, Demi?
— Claro que a Demi vai deixar, não é, princesa?
Dei um pulo. Apesar de todos os rostos terem se mexido automaticamente pela manifestação de uma voz masculina naquele ambiente dominado por garotas, eu me mantive na mesma posição, ou seja, de costas para a porta e impossibilitada de verificar quem entrava e saía na biblioteca. Não que eu precisasse olhar, diga-se de passagem, pois sabia exatamente quem era o dono da voz mais profunda e sexy da face da Terra.
Por que Joe tinha que aparecer para complicar um dia tão bom? E como assim, me chamar de princesa? Ridículo.
Ainda sem me mover, respondi calmamente — se é que dava para ficar calma naquela situação —, como uma professora das mais pacientes:
— Se vocês estiverem mesmo cansadas de ler por hoje, não vejo nenhum problema em levá-las à praia. Mas não vamos nadar, certo? E só vamos sair depois de guardarmos os livros.
Rapidamente, as meninas deram conta de organizar a sala. Quer motivação melhor que a promessa de um passeio ao ar livre na praia particular do Palácio Sorvinski?
Durante todo o momento de arrumação, senti os olhos de Joe me observando. Ele ficou parado na porta, com um ombro encostado de maneira despojada no batente, de olho em tudo, ou melhor, em mim. Claro que primeiro cumprimentou as meninas e fez um gesto rápido com a cabeça em minha direção, mas nem se preocupou em nos ajudar, nem disse nada. Só ficou lá, com aquele olhar de lince, avaliando meus movimentos, como um encarregado de turma numa fábrica.
— Precisa de alguma coisa? — indaguei, a personificação da indiferença. Pura fachada.
— Nada, não — disse, todo confortável. — Só estou esperando vocês para o passeio. Vou acompanhá-las.
Deu para perceber o tom? “Vou acompanhá-las” e não: “Posso acompanhá-las?”. É muita confiança, fala sério.
— Não precisa. Vamos fazer um programa feminino, não é, garotas?
— Ah... Mas ele pode ir, se quiser — falou Karol, meio enfeitiçada por Joseph. E quem é que não ficaria? Até uma garotinha de 7 anos.
— Obrigado pelo convite, lindinha — agradeceu, charmoso. — Porque, se dependesse dessa princesa aqui, eu ficaria sozinho, sem nada para fazer.
Encarei-o com fúria. Princesa era a vovozinha. Bom, eu também era, mas não precisava ficar lembrando disso toda hora.
— Você não tem que trabalhar? — questionei. Sim, pois, de acordo com Nome de Cachorro, Joseph já tinha perdido tempo demais comigo.
Ele levantou o punho da jaqueta — a já mencionada, de couro, preta — e checou o horário no relógio de atleta. Sei disso porque esse tipo de relógio é... bom... Ah, sei disso porque sei.
— Trabalhei o suficiente por hoje. Mereço uma tarde relaxante. Concordam, meninas?
— Siiiiim!
Ai, Senhor. Vencida por dez pirralhas que passaram o dia comigo e deveriam estar do meu lado. O que um homem bonito faz com o cérebro das mulheres? Congela?
— O que vocês acham de a gente pescar? — sugeriu Joe, todo empolgado. — Conheço um lugar superlegal.
— Como assim, pescar? — guinchei, de um jeito nada atraente.
— Bom, a gente usa vara, anzol e isca e joga na água. — Joe cruzou os braços no peito e plantou no rosto uma expressão bem safada. — Se o peixe for fisgado, significa que a gente pescou. Entendeu agora?
Ele estava zoando com minha cara. Que sujeitinho mais irritante! Ou ele se achava muito engraçado, ou sabia que me afetava. Senti o sangue subir para minha face, rompendo o restante de autocontrole que eu ainda possuía.
— Nossa! Essa piada foi hilária. Viu como eu ri? — ironizei. — Agora, vamos, meninas, senão fica tarde.
— Demi, eu estou falando sério. Quero levá-las para pescar. O lago da Caverna do Pirata é um lugar excelente para pescaria. Qual é o problema?
Pus as mãos da cintura e empinei o nariz.
— O problema, Joseph, é que não dá para ir a pé até a Caverna do Pirata. E também não temos o equipamento adequado para essa atividade.
Ele não se deixou vencer. Como aspirante a advogada, meu poder de persuasão ia de mal a pior.
— As meninas chegaram aqui de quê? Vi uma van parada no estacionamento. Imagino que tenha trazido as garotas. — Então, ele andou até parar bem perto de mim e completou: — E o castelo tem um depósito cheio de apetrechos de pescaria. Podemos até escolher. E agora? Mais alguma desculpa?
A derrotada na discussão acabou sendo eu. O que mais eu poderia alegar? Não, Joseph, não vamos com você porque quase morro quando estamos juntos. Ou então eu poderia dizer também: É melhor não sairmos juntos mais porque eu mal consigo respirar perto de você.
Murchei os ombros, sentindo-me diminuída. Em compensação, as crianças ficaram em êxtase. Dispararam um falatório em krosvi e rodearam Joseph, resolvendo deliberadamente que a companhia dele gerava muito mais diversão do que a minha.
Olhei para minhas roupas. Não eram adequadas para uma pescaria. Afinal, um conjunto de plush confortável foi feito para, no máximo, uma caminhada com pouco suor.
Joe, percebendo minha hesitação, questionou:
— O que houve agora?
— Nem as garotas nem eu estamos vestidas para a ocasião.
Com a paciência por um fio, Joe passou a mão pelos cabelos e suspirou:
— Demi, pelo amor de Deus, qualquer roupa serve. Vamos ficar sentados na beira do lago, com as varas estendidas sobre a água. Não estamossaindo para mergulhar. Deixa de fazer drama.
Pronto. Agora ele tinha mexido com meu orgulho.
— Tudo bem. — Virei as palmas das mãos na direção de Joe e baixei a guarda. — Mas vamos depressa, antes que fique muito tarde.
Não preciso nem comentar que o sorriso que ele me lançou fez minhas pernas amolecerem e meu coração mudar de ritmo. Não preciso, embora não me canse de contar.
— Os peixes desse lago não são ornamentais?
— Não se tiverem mais de 30 centímetros. E aqui a maioria tem.
Não gosto muito de pescar porque morro de pena dos peixes. Odeio ver o anzol agarrado na boca dos bichos, o que deve causar uma dor horripilante. Mesmo quando a pescaria é do tipo “pesca e solta”, fico imaginando a sensação de ter a boca furada e ser largado de volta na água. Mas as meninas estavam achando o máximo.
Cada uma ganhou uma vara e se ajeitou em torno do lago da caverna, repetindo tudo o que Joe havia explicado a elas sobre pescaria. Graças aos céus, o trajeto até a Caverna do Pirata fora tranquilo. Depois das primeiras semanas falando da princesa declarada da Krósvia, os jornalistas começaram a se dispersar e meu pai manteve as medidas de segurança só por garantia. Está certo que eu ainda não tinha permissão para ir e vir por conta própria, mas só o fato de poder entrar numa van sem Zlafer e Boris já era um imenso progresso.
Achei prudente avisar tia Marieva antes de nos aventurarmos fora dos limites do castelo, mas ela concordou que fôssemos passear, especialmente porque Joe iria junto. Ele aproveitou o percurso para contar a história do pirata Barba Longa para as garotas e elas ficaram tão ou mais impressionadas do que eu. Pena que Joseph não havia levado a moeda antiga para dar um susto nelas, como havia feito comigo.
Sentada numa pedra, meio longe de todo mundo, como boa observadora que sou, fiquei analisando a situação, tentando ser a mais imparcial possível. Joe era mesmo um cara diferente. Além de todas as características que já contei e repeti não sei quantas vezes, ele também sabia lidar com crianças. Na maior paciência, ele ensinou como segurar a vara e lançar o anzol até mesmo para as menores. Quando uma delas errava, Joseph a encorajava a tentar de novo. Ele evitava falar em krosvi para não me excluir, mas a afinidade que criou com as meninas levou-o a acabar se comunicando na língua materna deles, um ato inconsciente.
Tanta observação me deu sono. Eu acabei deitada sobre a pedra e nem vi quando cochilei. Só sei que tudo começou a perder o foco e as vozes foram ficando abafadas e distantes. Fui sugada por Morfeu.
— Você não vai se aproveitar de mim.
Os pingos de água fria e aquela voz de general me libertaram de meu sonho recorrente. Já me disseram que podemos sonhar uma história inteira durante um sono de 30 segundos. E foi justamente isso o que aconteceu comigo. Nem bem fechei os olhos, todo aquele drama de vestido amarelo, ventania, cabelos revoltos e olhares perdidos passou como um filme em minha cabeça. Esse enredo ainda era um mistério para mim.
— O quê? — ofeguei, assustada.
— Pensa que vai ficar numa boa, dormindo por aí, enquanto tomo conta de todas as meninas?
— As meninas? — Meu susto se elevou ao cubo. — O que houve?
Com um pulo, já estava de pé. Joe começou a rir de um jeito gostoso, relaxado. Então, esticou o braço e tirou uma mecha de cabelo de meu rosto, ajeitando-a atrás da orelha. A sensação foi a mesma de ter sido eletrocutada numa cadeira elétrica.
— Calma, estou brincando. Não aconteceu nada. As meninas continuam bem ali. — Ele apontou para elas, mas continuou olhando diretamente em meus olhos. Temi que eles revelassem meu segredo mais bem guardado.
— Está na hora de voltar?
— Não. Está na hora de você tentar.
Não entendi, de verdade. Tentar o quê? Falar krosvi? Pilotar a moto dele? Beijá-lo?
Joe pegou minha mão e me puxou consigo.
— Você agora vai pescar.
Retirei a mão e empaquei.
— Não. De jeito nenhum. Não tenho vocação para torturadora de animais. Já é bem difícil para mim ver vocês fazerem isso.
— Demi, não estamos torturando nada. É só uma pescaria. Vem. Eu te ajudo.
Com a mão mais uma vez capturada, deixei Joe me arrastar até a beirada do lago. Olhei para as garotas com cara de “socorro”, mas elas só riram de mim e nenhuma tomou meu partido.
Traidoras.
— Joe, é sério, me deixe fora dessa. Além de dó, eu tenho nojo de peixe, morto ou vivo.
Ele nem ligou. Limitou-se a me repassar as regras básicas, fazendo os gestos certos de modo que eu o imitasse.
— Pensei que bastasse lançar a isca na água e esperar o peixe fisgar, se fisgar — comentei, esforçando-me para copiar o que Joe fazia. — Em Minas Gerais, o estado onde moro, as pessoas têm o costume de ir a pesque-pagues. Geralmente, são sítios ou chácaras com lagoas e a gente tem que pagar para pescar. Se quiser, pode levar o peixe pescado para casa ou devolvê-lo à água.
— E o que isso tem de emocionante? — Joseph questionou.
— Absolutamente nada. — Eu ri. — É isso o que estou tentando dizer.
— Não, senhora. Deve ser chato pescar peixes confinados, mas esse não é nosso caso.
Olhei para o lago.
— Não?
— Demi, esse lago é formado pelo mar. Se você mergulhar nele, vai enxergar por onde a água do oceano entra.
— Sério?! — exclamei. — Que bacana!
Joe balançou a cabeça, me desaprovando como se eu fosse uma tapada de carteirinha. E eu devia ser mesmo, porque a linha de meu anzol não ficava reta nem por decreto, enquanto a dele estava esticadinha.
— Demi, você precisa fazer o movimento certo com os braços.
— Eu estou fazendo.
— Não está, não. Precisa fazer assim.
Em questão de milésimos de segundo, Joseph largou seu anzol no chão e passou por trás de mim. Antes que eu tivesse tempo de raciocinar sobre o que acontecia ali, ele encostou o corpo no meu e fechou sua mão direita sobre a minha. Meu corpo inteiro se enrijeceu com o contato e eu perdi a noção do que estava fazendo.
— Levante o braço até aqui.
Com a boca a centímetros de minha orelha, seu comando soou como um mantra inebriante. Tive que lutar para não fechar os olhos e deixar meu corpo se recostar no dele. De repente, eu me tornei ultrassensível. Podia sentir todos os músculos dele e também as batidas de seu coração, além do odor masculino que exalava. Tortura pura e lenta.
— Depois, lance a linha desse jeito.
Que linha? E eu lá ligava para aqueles movimentos de pesca idiotas? Se bem que era por causa deles que Joseph estava grudado em mim. Acho que vou amar pescarias para sempre.
Agora, sua barba por fazer fazia cócegas em minha nuca. E todas as partes de meu torturado corpo começaram a dar sinal de vida. Fui ficando lânguida e muito empolgada, a ponto de quase perder a rigidez nas pernas e cair de cara no lago.
Será que Joseph tinha ideia do que estava fazendo comigo? Já não era fácil quando não havia aproximação entre nós... Mas ele não se afastou. Parecia tão entusiasmado como eu, preso naquele joguinho safado de sedução. Mais antigo e barato, impossível.
— Não deu certo — sussurrei, quase inaudível.
— Não. Vamos tentar de novo. — Com uma voz rouca, Joseph pronunciou pausadamente cada uma daquelas palavras, prolongando ao máximo aquele momento.
Só que, em vez de explicar os movimentos novamente, ele fez com que meus dedos abrissem e soltassem o anzol, que caiu no chão de qualquer jeito. Acariciou minha nuca com o nariz, abrindo espaço entre meus cabelos soltos, enquanto subia as mãos lentamente por meus braços, só deixando-os para segurar minha cintura. A respiração dele se tornou mais difícil e pesada e dessa vez eu fechei os olhos para potencializar a sensação de seu toque. Apesar de minha pele estar quase toda coberta pelas roupas, sentia meu corpo queimar onde Joe tocava. Eu estava prestes a entrar em combustão na frente das dez meninas do Lar Irmã Celeste. Se aquilo não era loucura, não sei mais o que seria. Mesmo assim, eu só queria estar ali e em mais nenhum outro lugar no mundo.
E pelo jeito Joe queria o mesmo. Não havia dúvidas. Ele estava se aproveitando de mim, mas de uma forma boa. Seu nariz manteve o movimento através de meus cabelos, o que me deixou toda arrepiada.
Já fora beijada antes, é claro, muitas vezes até — ok, não tanto. Mas nenhum dos beijos que recebera chegou a ser tão excitante e sedutor quanto o toque sutil de Joseph. A frase “subindo pelas paredes” tinha acabado de ganhar uma nova versão.
— Demi — ele sussurrou em meu ouvido, roçando os lábios em minha orelha, tão de leve que eu poderia ter apenas imaginado. — Eu...
— Ai, pesquei um! — alguém gritou.
Justamente na hora que as coisas estavam ficando quentes, muito quentes mesmo. Entretanto, elas ficaram frias num piscar de olhos, pois o susto fez Joe se deslocar para trás numa rapidez... Sobraram apenas o vácuo e uma sensação estranha de vazio. Meu corpo queria o dele de volta.
Só fui capaz de perceber de onde e por que o grito havia surgido quando meu cérebro tomou as rédeas da situação. Assim que voltei a pensar racionalmente, enxerguei Karol esforçando-se para puxar da água um peixe muito bem fisgado.
Como se nada tivesse acontecido momentos antes, Joe agiu como herói, dando a força necessária para que a menina conseguisse fazer o peixe emergir. E, com a ajuda dele, isso não demorou a acontecer. Em poucos segundos, o animal surgiu chacoalhando-se todo, lutando pela vida prestes a ir embora.
As garotas comemoraram com palmas.
Estavam maravilhadas com o resultado da atividade que entrara na agenda do dia de maneira inusitada e tornara-se a sensação do passeio. Mesmo não tendo sido ideia minha, a pescaria completou a felicidade delas e só por isso eu já era grata a Joseph.
Por outro lado, meu corpo ainda tentava processar o fato de Joe e eu termos nos deixado levar pelo impulso, o que poderia ter tomado proporções medonhas caso tivéssemos sido flagrados pelas meninas. E eu não me perdoava por ter sido tão descuidada e tão óbvia. Minha aceitação às suas carícias pode ter revelado a ele o que eu sinto. Como eu sabia que o sentimento não era compartilhado — se fosse, ele não estaria com Nome de Cachorro —, tudo o que eu podia fazer era, além de lamentar, fingir que estavatranquila em relação ao fato. Se Joe quisesse se explicar e pedir desculpas, eu daria de ombros e perguntaria: “Está se desculpando por quê?”.
Eu não aguentaria ouvi-lo dizer que nosso “momento” havia sido um erro e que não se repetiria mais, nem que ele tinha sido levado pelo calor do momento etc. Preferia seu silêncio a seu remorso.
— Demi, venha ver o peixe que eu pesquei!
A vozinha excitada da pequena Karol me tirou de minha autorreflexão. Olhei para ela com um sorriso amarelo para disfarçar a angústia.
Ignorei Joe deliberadamente.
— Puxa, que peixão! — E, realmente, era um dos grandes. — O que quer fazer com ele? Devolver para o lago ou levar para a Karenina preparar um assado?
Não sei de onde tirei tanta tranquilidade para falar sem gaguejar. Acho que foi o receio de me expor ainda mais.
— Posso mesmo ficar com ele? — Karol indagou, com uma súplica muito mal encoberta. — Queria tirar uma foto para mostrar para minhas amigas que não vieram hoje.
— Se o problema é esse, então está resolvido — Joe disse, muito à vontade por sinal. — Estou com meu celular e ele tem uma câmera excelente.
— Então eu quero uma foto que nem as dos pescadores de verdade!
Segurando o peixe pela cauda, Karol posou para a máquina. Enquanto eu torcia o nariz de nojo do bicho, ela e as outras meninas se divertiram, encorajadas por um Joe alegre e despreocupado.
Por fim, acabei me rendendo e me juntei ao grupo para uma foto coletiva. Só não consegui encarar a câmera. Como poderia sorrir para o fotógrafo se eu mal conseguia olhar para ele?

 ~*~

Consegui postar hoje hahaha estou morta de cansaço. Não desejo a ninguém faculdade em tempo integral ;P kkkkk

Sobre os cometários: Obrigada por comentarem! E Gente, eu não queria ficar tanto tempo sem postar, mas as vezes a vida pessoal fica um caos... :/ Eu disse que não ia abandonar o blog, mas também disse que não ia poder postar regularmente. Não garanto que postarei toda semana, mas vou tentar. E não garanto ficar, sei lá, um mês sem postar nada, mas vou fazer o possível para isso não acontecer. Não irei fazer promessas que não poderei cumprir, porque eu sei que serão vocês a ficarem decepcionadas. Tudo bem? Falei quinhentas mil vezes, mas só pra não perder o costume: "Vocês só precisam ter paciência" <3 E ficar com raiva de mim pela demora faz parte kkkk

Amo vocês, amores.
Yumi H. 


Ps: Esqueci de falar com vocês, MAS EU FINALMENTE REALIZEI MEU SONHO E FUI NO SHOW DA DEMI AQUI EM BRASÍLIA ksjhflksjdafhalksjdfhaksjdhf Melhor dia da minha vida!!! <33333

(vídeo gravado por mim aksjfhalskdjf)

9 comentários:

  1. Ok amor, tudo bem, entendo a correria e não fico com raiva sua, auhsau só ansiosa, porque essa fic tá realmente muito, muito boa. Espero que consiga postar logo, beijos ��

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  2. Apesar de não fazer faculdade ainda te entendo super. Aberto que você postou. Amei esse capítulo, sempre tem alguém pra atrapalhar o momento.
    Beijos
    Fabíola Barboza

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  3. perfeito!
    Joe safadinho kkkkkk
    POSTA LOGO!

    Tem um tempão que não comento aqui! Também comecei minha faculdade e ta loucura!! Espero que esteja gostando da sua!
    Parabéns pelo show da Demi, eu fui no do Rio kkkkk!!

    Obs: se quiser ajuda pra postar a Fic é só falar comigo que o dia que você não puder postar eu posto kkk =D
    Meu tt @NandinhaLoveyou

    Beijos

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  4. Posta dois capítulos hoje por favor

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  5. Socorro, posta logo. I miss you :'( ta perfeita essa fic <3

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