Laika é nome de gente?
Na manhã seguinte, Joe não
apareceu. Deixou um recado com Irina, dizendo que não poderia sair comigo
naquele dia. Só fiquei um pouquinho brava, não pelo bolo, mas, poxa, tinha
acordado cedo para não precisar ser escorraçada da cama outra vez por ele!
De qualquer forma, como já estava
de pé, resolvi fazer uma caminhada por conta própria, na beira da praia
particular do castelo. Prendi meus cabelos num rabo de cavalo e, depois de
tomar café na cozinha mesmo, saí rumo ao sol.
Dei dois passos do lado de fora
antes de ser “atacada” por um enorme cão cor de chocolate, que chegou todo
assanhado, mexendo o rabo freneticamente. Ele enfiou o focinho na palma da minha
mão, exigindo carinho.
Eu já o conhecia. Era Bruce, um
dos cachorros do castelo, um labrador sapeca que adorava saltitar pela
propriedade, mais parecendo um cabrito. Fuçava o jardim e deixava os empregados
loucos. Por isso, quase sempre ficava de castigo, preso no canil.
Acariciei o pelo atrás das
orelhas dele e fiz sinal para que me seguisse. Bruce era moleque e partiu na
minha frente, chafurdando na areia molhada.
Atrás dele, caminhei fazendo um
balanço de minha vida nos últimos tempos. Tanta coisa havia mudado, mas eu me
sentia a mesma. Eu tinha um pai que, apesar de ser um doce e querer o melhor para
mim, era muito ausente. Por outro lado, a saudade que sentia de minha mãe
fortaleceu ainda mais meus laços com ela. Nos falávamos quase todos os dias, por
telefone, skype ou qualquer outro meio. Na noite anterior, ficamos cerca de uma
hora conectadas. Ela me contou que o buffet estava a mil por hora e que vovó ia
participar de uma maratona em volta da Lagoa da Pampulha. Não sei por que isso
não me surpreendeu. Minha avó tinha mais energia e disposição do que eu.
Na noite anterior eu falara com
Selena. Ficamos trocando mensagens pelo Facebook. Primeiro, escrevemos
banalidades, mas depois, quando perguntei por Nick, senti que ela desconversou
um pouco. Achei esquisito. Aliás, já fazia um tempinho que uma pulga andava
morando atrás de minha orelha. Eram raros os momentos em que Nick me procurava
e, quando o fazia, esquivava-se de assuntos mais íntimos. Ficava no oba-oba de
velhos amigos, mas jamais falava de nós como um casal.
No início, achei que era uma
forma de ele bloquear a saudade. Só que, mesmo não sendo uma expert em
relacionamentos, notei que as coisas não eram assim tão claras. Ele parecia estar
fugindo. Se isso for verdade, pensei, acho
que nunca ficaremos juntos para valer. Se o que espero for maior do que o que o Nick quer,
será difícil levar qualquer coisa adiante.
Eu ainda me considerava
apaixonada por ele. Quero dizer, talvez. Ou sei lá! Como eu disse, não era
exatamente experiente nessas questões de romance e isso contava muito no modo
como via as coisas.
Bom, voltando a falar de Selena,
gostaria muito que ela viesse para cá. A gente se divertiria horrores. Sugeri
isso e ela quase desmaiou — pelo menos, foi o que demonstrou. Combinamos de arranjar
a vinda dela para minha cerimônia de apresentação ao povo da Krósvia, mesmo eu
não tendo ideia de quando isso aconteceria. Irina dizia que seria em breve, mas
ainda não tinha uma data marcada nem nada. Eu queria só ver. Esperava que ninguém
me obrigasse a vestir um traje de princesa, todo repolhudo, cafona e tal.
Agora, depois de meia hora de
caminhada na areia, eu já estava suando. Então decidi mergulhar no mar, gesto
imediatamente copiado por Bruce. A água estava fria, mas nem liguei. Achei a
sensação deliciosa e fiquei nadando e furando ondas durante um tempão.
Assim que cansei daquilo, estendi
uma saída de praia na areia e deitei sobre ela, tendo o cuidado de não encostar
o corpo molhado nos grãos para não virar um filé empanado. Bruce se deitou a
meu lado, todo fiel, e nós dois curtimos uma boa manhã na praia, como eu fazia
quando era criança e ia para praia com minha mãe, meus avós e tios.
Não demorou muito e meu estômago
deu sinal de vida. Que inferno, eu vivia para comer naquele lugar! Tinha mais é
que caminhar mesmo.
Corri até a cozinha, farejando o
aroma de coisas gostosas. Como previ, Karenina preparava um molho para rechear
a torta que serviria no almoço. Cheguei por trás dela e a agarrei pela cintura.
Ela deu um pulo, segurando o peito.
— Menina, assim você me mata! Que
susto! — exclamou, ofegante, para me dar um sorriso supercarinhoso em seguida.
— Kare, estou com uma fome...
— Senta aí que eu te sirvo. O que
quer? Uma saladinha de frutas? Suco?
— O que eu queria mesmo não
existe aqui na Krósvia. Chama-se pão de queijo. Conhece?
Ela olhou para o alto,
refletindo.
— Pão de queijo? Acho que não.
Como é?
De repente, tive uma ideia.
— Kare, eu sei fazer pão de
queijo! Aprendi com minha mãe um tempo atrás e me lembro da receita. Posso te
ensinar?
— A se-senhorita? — gaguejou. —
Mexer na cozinha? Seu pai me mata.
— Ah, deixa disso! Eu sou boa de
cozinha. Lá no Brasil, quando estou com fome, quase sempre me viro sozinha. Não
faz diferença estar lá ou aqui. E então? Quer ou não quer aprender? Garanto que
não vai se arrepender...
— Tem certeza? — Ela ainda estava
insegura. — Ai, meu Deus, se seu pai descobre...
— Ele não vai fazer nada. —
garanti. — Aliás, ele vai adorar poder comer os pãezinhos depois. Vamos! Me
ajude a juntar os ingredientes.
E foi o que Karenina fez. Ainda
bem que tínhamos tudo, afinal, a receita do pão de queijo até que é simples.
Então, depois de limpar a areia das mãos, comecei a dar a primeira aula de culinária
de minha vida — o que jamais imaginei que fosse fazer um dia. E minha aluna não
era qualquer uma, não. Era simplesmente a cozinheira-chefe do castelo da
família real da Krósvia. Se minha mãe me visse agora...
— O único problema, Kare, é que
não temos queijo Minas. Vamos ter que improvisar com este aqui — avisei.
Ela me olhava atenta, encantada
por estar aprendendo uma nova receita, que depois poderia ser servida nas mais
variadas ocasiões.
— Quando um chefe de Estado vier
se reunir aqui com o Andrej, você pode servir pão de queijo, que fica bom com
vários acompanhamentos. O ilustre visitante vai te elogiar e até querer levá-la
para o país dele. Já pensou?
— Mas isso está totalmente fora
de cogitação — Karenina retrucou, com muita veemência. — Meu lugar é aqui.
Sempre foi e sempre será.
Sorri. Continuei a lição,
esforçando-me muito para não me esquecer de nada.
— O polvilho doce pode ser
substituído pela mesma quantidade de polvilho azedo, Kare. Tanto faz usar um
como outro — expliquei. — Se quiser congelar a massa, faça bolinhas e
congele-as num recipiente aberto para não grudarem. Só depois coloque-as num
saquinho. Entendeu? Vamos assar?
Rapidamente o cheiro do pão de
queijo invadiu a cozinha. A essa altura, várias ajudantes de Karenina nos
rodeavam, aguardando ansiosas o resultado de nosso projeto. Não revelei isso,
mas eu também estava na expectativa. Se ficasse ruim, acho que morreria de
vergonha.
Enquanto o tempo passava,
sentei-me na bancada da pia e fiquei mordiscando uma maçã. Karenina voltou para
o molho dela e ambas esperamos num silêncio confortável, só interrompido por
uma voz que começava a assaltar com certa regularidade meus pensamentos.
— Que cheiro é esse? Hummmm...
Joseph. Ele nunca aparecia sem
fazer uma entrada triunfal. Parecia que ficava esperando o momento certo.
Pulei da bancada e dei as costas
para ele. Achei melhor ir checar os pãezinhos em vez de olhar para seu rosto
tão rapidamente. Sabe-se lá o que Joe poderia ler em meus olhos.
— Oi, meu filho! Chegou na hora
certa — Karenina saudou-o com entusiasmo, indo até ele para dar-lhe um abraço.
Não deixei de observar que Joseph retribuiu da mesma maneira. — A Demi acabou
de preparar uma receita nova, típica lá do Brasil, sabe? Pão de queijo.
Endireitei o corpo e olhei para
ele. Nãoposso afirmar se o que vi foi real ou se minha imaginação hiperativa me
levou a enxergar aquilo, mas tenho quase certeza de que os batimentos cardíacos
de Joseph passaram por uma ligeira alterada. Não sou paranormal, não leio pensamentos
nem tenho pressentimentos, mas parece que a veia do pescoço dele ficou mais
alta.
Só isso, e só talvez; não estou
afirmando.
Outro detalhe: Joe estava de
terno. Era a primeira vez que eu o via em traje social. Como defini-lo? Ora, um
verdadeiro príncipe!
Então ele se aproximou devagar e
estendeu o braço em minha direção. Ele vai me tocar! Pensei, excitada demais para meu
gosto. E foi exatamente isso que Joe fez, mas não para um carinho nem nada. Com
o polegar, ele limpou algo que estava sobre meu nariz, bem na ponta.
— Farinha — disse ele, sorrindo
com apenas um dos cantos da boca.
Afastei-me depressa, levando automaticamente
uma das mãos ao nariz. Roxa de vergonha — e com o coração aos pulos —, agradeci,
meio sem jeito, voltando a olhar para o forno. Eu não queria tentar explicar o
frio na barriga que senti quando ele encostou aquele dedo em mim.
— O pão de queijo está pronto —
anunciei. — Espero que esteja bom.
Karenina me ajudou a retirar o
tabuleiro do forno. Pela cara, os pãezinhos só poderiam estar ótimos.
Joseph, posicionado
estrategicamente atrás de mim, perguntou:
— Desde quando você sabe
cozinhar?
Ainda sem encará-lo, fui
retirando os pãezinhos, um a um, e ajeitando-os numa cesta de palha,
delicadamente forrada com um pano bordado à mão.
— Para sua informação — respondi
—, aprendi com minha mãe, há muito tempo. — Estendi a cesta para Karenina
primeiro e depois para Joe. Enquanto os dois provavam o famoso pão de queijo
mineiro, continuei tagarelando: — Caso você não tenha percebido, não nasci em
berço de ouro e sei me virar sozinha desde pequena. Na minha casa não fico
esperando minha mãe me dar tudo de mão beijada, como se eu fosse uma princesa
afetada.
Tive vontade de engolir o
restante daquela frase absurda. Mas nem Joe nem Karenina prestaram atenção a
nada que eu disse. Eles estavam se deleitando com o pão de queijo, comendo um
atrás do outro, como se fosse um néctar dos deuses. Fiquei toda orgulhosa.
Fingi que não notei e perguntei,
sendo humilde:
— E aí? Ficou aceitável?
Karenina me olhou com os olhos esbugalhados
e só soltou um huuuummmm bastante significativo. Joseph grudou o olhar em minha saída de
praia meio transparente e disparou uma de suas já famosas pérolas:
— Já vi que você é cheia de
surpresas, né?
Não consegui identificar a real
intenção daquele comentário, mas, de certa forma, aquilo me animou. Um pouco.
Juntei-me a eles na mesa e
procurei manter um clima superficial, como se aquela cena fosse comum no meu
dia a dia, se é que se pode chamar de normal estar sentada à mesa da cozinha de
um castelo verdadeiro, de frente para um pseudo-príncipe super atraente,
comendo pão de queijo.
— Você deu um jeito de se
divertir sozinha hoje, pelo visto — observou Joe, voltando a encarar meus
trajes sumários. — Tive uns contratempos...
Ele foi interrompido pelo toque
de um celular: o dele. Sua expressão adquiriu um tom sério assim que leu o nome
no visor do aparelho.
Fiquei doida para saber quem era,
mas fingi não ter prestado atenção. Porém, para minha decepção, toda a conversa
ocorreu em krosvi e a única palavra que consegui identificar mais ou menos foi “Laika”.
Ele poderia estar falando sobre um cachorro, uma marca de carro, um tipo famoso
de balas — se bem que essas se chamam Lalka — ou sobre qualquer outro assunto.
A meus ouvidos analfabetos na língua daquele país, nada daquilo fazia o menor
sentido.
Sem parar de falar, Joseph se
levantou e começou a andar pela cozinha, indo para lá e para cá de forma
inconsciente. Karenina se aproximou de mim e cochichou:
— Aposto que é a Laika.
Hein?
— Quem é a Laika? A cadelinha
dele? — Não consegui deixar de ser irônica.
Sem perceber o tom, Karenina riu.
— Não, Demi. É a namorada do Joe.
Primeiro: Laika, no meu país, é
nome de cachorro, sim. Minha prima já teve uma poodle com esse nome.
Segundo: namorada? Como eu não
ficara sabendo, depois de todo esse tempo? Não que eu tivesse direito a algum
tipo de explicação e tal, mas esse é o tipo de informação que não se deixa de
fora. Não é?
Bom, está certo que eu nunca
perguntei — nem jamais perguntaria, que isso fique bem claro— e o assunto nunca
surgiu de fato. Seria meio esquisito se Joseph tivesse dito: “Olha, aquela é a
Caverna do Pirata. Ah! E eu tenho namorada”. Ou: “Você se parece muito com o
Andrej. Nem precisa fazer exame de DNA. E, a propósito, eu tenho namorada”.
Mesmo assim, eu já deveria saber
disso. Não é por nada, mas pelo menos eu teria um fortíssimo motivo para parar
de colocar na mesma frase os nomes Joseph e Victoria’s Secret. Se pelo menos
Nick assumisse mais seu papel de quase namorado, eu pararia de imaginar coisas
com outros caras...
Ah, pelo amor de Deus! Quem eu
estava querendo enganar? Outros caras nada. Joseph. Só ele. Quem mandou ser
tãããão... sexy.
Mas agora já era. Eu não me
permitiria nem mais um pensamento censurável. Nunca mais olharia para aquela
tatuagem impressa naquele tríceps modelado. Nem sequer andaria na garupa da BMW
sei lá das quantas. Ou melhor, poderia até andar, mas seguraria na própria
moto. Nada de agarrar a cintura cheia de músculos de Joseph.
Ainda bem que sou uma pessoa
lúcida, madura e sei lidar muito bem com esse tipo de situação. De qualquer
forma, assumo que senti um prazer gigante quando Karenina contou que a tal Laika
era uma patricinha e que ninguém ia muito com a cara dela. Quando ela disse ninguém, referiu-se, na verdade, a ela
mesma, Irina e os outros empregados do castelo. Porque aparentemente a moça era
bem esnobe.
Segundo Irina, Laika era filha de
um antigo adversário político de meu pai. Agora, o cara era senador e tinha
muita influência no Congresso. Ela fizera faculdade de Administração na
Inglaterra e trabalhava na empresa da família: uma fábrica de peças de avião.
Moça poderosa!
Joseph e Laika estavam juntos
havia dois anos, de acordo com a boca miúda de Karenina, e a garota estava
doida para enfiar uma argola dourada no dedo anelar da mão esquerda. Mas Joe
ainda não se decidira, embora o tal senador estivesse fazendo uma certa
pressão, do tipo “ou casa ou cai fora”.
Eu teria caído fora, sem dúvida.
Mas essa é só minha opinião.
Assim que Joe desligou o
telefone, olhou para mim meio sem graça e deu uma desculpa qualquer para sair
às pressas, não antes de confirmar uma nova excursão no dia seguinte. Eu deveria
ter recusado, devido à reviravolta no contexto, mas fiquei bem quietinha e
concordei com a cabeça.
Com a deixa, fugi da cozinha,
pronta para me enfiar no chuveiro e tirar a mistura de sal e areia do corpo. No
entanto, fui obrigada a adiar meu compromisso com a sessão de limpeza corporal,
pois trombei com Irina nas escadarias e ela acabou me puxando para uma conversa
em seu escritório.
— Está vendo esta papelada aqui?
— indagou, segurando um bolo de papéis e sacudindo-os na minha frente. — Está
tudo planejado, Demi.
— Planejado? — Não consegui
captar seu raciocínio.
— Sim. Sua apresentação à
população da Krósvia como filha do rei Andrej Markov! — anunciou, como se
estivesse fazendo uma tremenda revelação. — Tudo resolvido. Ah, seu pai vai ficar
tão feliz! Finalmente ele vai poder contar ao mundo que tem uma filha e mostrar
a todos como você é linda e adorável.
Sorri, meio sem jeito. Irina
podia ser como um canarinho amarelo saltitando sobre o alpiste, mas era também
uma pessoa incrível.
Então, lembrei-me de algo que
vinha me perturbando ocasionalmente:
— Andrej tem uma irmã e
sobrinhos. Por que ainda não os conheci? Eles não sabem de nada também?
— Não. Seu pai quer contar
pessoalmente e não teve tempo para fazer isso. Mas vai fazer antes da
apresentação oficial. Parece que na semana que vem.
Assenti. Como seriam essas
pessoas? Meus parentes de sangue, mas sujeitos completamente estranhos e sem
significado para mim. Será que me aceitariam? Que me entenderiam?
— E quando vai ser o evento? —
quis saber. — Demora?
— Daqui a 20 dias, se seu pai
confirmar a data para mim.
De repente, tive uma ideia
brilhante:
— Irina, será que posso convidar
minha mãe e meus avós? E também minha amiga Selena? Seria tão maravilhoso poder
contar com eles aqui nesse dia! Minha avó ficaria maluca, tenho certeza.
— Claro que pode. Eu já estava
contando com isso e seu pai faz questão que eles fiquem aqui no castelo.
— Ele disso isso para você?
— Sim. E não comentamos nada
porque queríamos fazer uma surpresa.
Dei a Irina meu sorriso mais
genuíno, além de um abraço apertado. Se todos topassem, tudo ficaria mais que
perfeito.
Ainda com a história da namorada
Laika na cabeça, aproveitei a presença de Irina para fazer mais perguntas, de
uma forma bem sutil, é claro. Afastei-me da secretária de meu pai e fingi estar
compenetrada na paisagem do lado de fora da janela. Então, mandei:
— A Laika ainda não apareceu
desde que cheguei — comentei com uma inocência tão fingida quanto o amor dos
políticos brasileiros pelas criancinhas pobres. — Ela não costuma vir aqui com
o Joe?
Sem tirar os olhos de sua
papelada, Irina respondeu, muito pouco interessada no assunto:
— Quase nunca.
— Por quê? Ela trabalha muito? —
Precisei aumentar meu poder de persuasão. Não sei por quê, mas eu estava
empenhada em saber tudo sobre o namoro até então desconhecido de Joseph com a
Nome de Cachorro.
Irina suspirou e foi a primeira
vez que demonstrou uma ligeira irritação na voz.
— Sim, ela é ocupada demais e não
gosta muito do clima bucólico do castelo.
Entendi. Melhor mudar de assunto.
Laika não era o tema preferido de Irina para uma conversa amistosa. Despedi-me
dela, mais uma vez agradecendo pelo carinho que tivera comigo.
*
Os dias seguintes foram bastante
agitados e diferentes. Caí numa rotina com Joseph, mas uma rotina boa. Não
tomei mais nenhum bolo dele, que me levava para conhecer os lugares mais legais
do mundo. Eu levantava cedo, tomava café na cozinha e às nove horas já
estávamos de saída.
Admito que uns dias eram melhores
do que outros. Algumas vezes, Joe chegava para me pegar com um humor tão
obscuro que era melhor ficar na minha, deixando a poeira se assentar sozinha.
E, quando eu menos esperava, estava ele todo alegre, falando besteira, deixando
o clima leve e agradável.
Ele nunca mencionou o nome da
namorada.
Por alguma razão, esse era um
assunto que não fazia a menor questão de dividir comigo. Aliás, jamais
falávamos sobre nós mesmos, nem de nada profundo. Só amenidades entravam em
nosso repertório. Melhor assim. Sem tentações, sem riscos.
Naquela sexta-feira, estávamos
tomando sorvete na praça de uma cidadezinha rural ao norte de Perla. Não era a
primeira vez que saíamos da capital. Já haviam se tornado comuns os passeios pelo
país afora, que não é tão grande assim. Para dar uma ideia da coisa, a Krósvia
é do tamanho do Rio Grande do Sul. E tudo dentro de seus limites é lindo, seja
na região urbana, seja no campo.
Escolhi um sabor diferente, meio
picante. Enquanto degustava meu sorvete, concentrada nas crianças que corriam
entre os bancos, Joseph perguntou de repente:
— Você tem namorado?
Engasguei na mesma hora. Dei uma abocanhada
tão enorme no sorvete que ele desceu rasgando minha garganta, fazendo minhas
narinas arderem e meus olhos se encherem de lágrimas.
— Não — gemi. — Mais ou menos —
acabei corrigindo. Minha situação com Nick não havia mudado nada. Aliás, as
coisas pareciam cada vez mais frias. Fazíamos pouco contato e, quando acontecia,
era estranho, sem química. Selena continuava se esquivando das perguntas sobre
ele, o que, na minha concepção, só podia significar que Nick devia estar
aprontando no Brasil. Mesmo assim, não consegui responder outra coisa. Em minha
cabeça, ainda que não ficássemos juntos quando eu voltasse, tínhamos que
resolver tudo pessoalmente.
— Não ou mais ou menos? — repetiu
Joseph, olhando mais para seu sorvete do que para mim.
— Mais ou menos. —
Definitivamente, eu não estava a fim de falar sobre isso com ele.
Mas Joe insistiu:
— Nada sério, então?
— Isso. Por enquanto.
Ele estreitou o olhar,
igualando-o à minha altura, como se estivesse me desafiando a falar mais. Eu
não estava com a menor vontade de continuar, mas acabei cedendo, nem sei por
quê.
— Eu estava começando um
relacionamento quando saí do Brasil. Decidimos manter contato, mas sem chamar
de namoro. Não enquanto eu estiver aqui. Entendeu agora? — Minha voz saiu mais
ríspida do que eu gostaria.
Joe deu um meio-sorriso, aquele
que fazia meu coração dar umas piruetas, de tão sensual que era.
— Eu, no lugar dele, estaria
maluco — disse ele, como quem não quer nada, sem saber que aquele simples
comentário fez o ritmo de meu coração passar para bateria de escola de samba.
— Será que seu quase--namorado não
fica se perguntando quantos caras dão em cima de você todo dia aqui na Krósvia?
Tive que rir. Aquilo não condizia
com o que vinha acontecendo. Fora umas olhadas que ganhava de um ou outro cara
mais atiradinho, ninguém jamais me paquerara de verdade em solo krosviano. Joseph
só podia estar de brincadeira.
— Nada a ver, Joe — foi só o que
disse em resposta ao comentário sem noção.
— Nada a ver? Um cara interessado
de verdade numa mulher pensa nessa possibilidade o tempo inteiro. Eu ficaria
doente se estivesse no lugar dele.
Não entendi direito o que ele
quis dizer. Joe ficaria doente se a namorada dele fosse embora para outro país
ou se ele fosse Nick? A primeira hipótese me deixava com dor de estômago e a segunda...
bom, também.
— Sua namorada não te deixa
assim?
Ai, Deus, foi só eu dizer isso
que quis engolir tudo de novo. Para todos os efeitos, Joe não sabia que eu
sabia sobre Nome de Cachorro.
Ele franziu a testa. Senti que o
clima ia azedar.
— Como sabe sobre a Laika?
Eu quis mentir, juro. Inventar
uma desculpa qualquer, dizer que joguei verde. Mas a palavra Laika, proferida
de forma tão séria por aquela boca linda, me fez ter uma crise de risos.
Daquelas bem demoradas, que fazem a gente perder o fôlego e o nariz escorrer.
Joseph ficou me olhando como quem
olha para uma garota psicótica.
— Desculpa — disse, enxugando as
lágrimas e tentando me recompor.
— O que é tão engraçado?
— Nada.
— E então? Vai dizer como ficou
sabendo sobre o meu namoro?
Suspirei. Eu não podia entregar
Karenina.
— Bom, eu só fiquei sabendo, nem
lembro bem como.
— Sei. Como se ninguém tivesse
feito uma fofoca sobre isso, certo?
Fofoca?
— Fofoca? — Eu me fingi de
indignada. — Nada disso. Foi só um comentário que escutei, nada de mais. E por
que está tão nervosinho? Por acaso namora escondido? Eu, hein! Se namora, assume!
E saí toda enfezadinha, marchando
feito um soldado norte-coreano bem treinado. Na verdade, eu estava mesmo era
com raiva. Por que Joseph sempre conseguia me tirar do sério?
Mas ele me alcançou logo e segurou
meu braço, obrigando-me a ficar de frente para ele.
— Ei, calminha. Não precisa ficar
brava. Eu só achei que você não soubesse. Mas tudo bem. Não é segredo.
Fiz que sim com a cabeça. No
entanto, eu preferiria que Joe tivesse dito que era tudo mentira. Só não me
peça para explicar por quê.
— Vou conhecer uns parentes
amanhã. — eu disse. A mudança brusca de assunto foi intencional. — Moram lá em
Craiev. Conhece?
Pela expressão de seu rosto, pude
ver que ele notou a reviravolta do tema em discussão. Então, me soltou.
— Claro. A tia Marieva, o marido
e os filhos. São gente boa, você vai ver.
Uma vez perdido, o clima ameno
não se restabeleceu entre nós. Voltamos para casa sem falar muito e, pela
primeira, vez agradeci por estar na garupa da moto, cujo barulho não permitia conversas.
Eu já estava praticamente dentro
do castelo quando Joe me chamou e disse algo que nunca vou esquecer:
— Eu não queria estragar nossos
momentos com um assunto tão complicado.
E aí ele partiu, deixando um
rastro de poeira atrás de si e infinitos grilos em minha cabeça.
Ameei o Capitulo. Poste logo!! Bjs
ResponderExcluirPERFEITO!!!
ResponderExcluirPosta logo!!!
To amando a fic
Beijos
sua fic e de mais... Leio fanfics a anos, algumas nao sao tao boas..mais as suas e otima! Posta logo querida
ResponderExcluirTo amandoooo posta logoooo...
ResponderExcluirps:oi tem como você me falar o nome dos livros que você adapta???
MEU DEUS MENINA QUANDO VC VAI POSTAR DE NOVO?!?!?!?!
ResponderExcluirai,ai to vendo que a senhora tem uma quedinha por meninos de motos,hein?
haha eu tbm, to amando bjs!!!