quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Capítulo 6 – Simplesmente Demi

Laika é nome de gente?

Na manhã seguinte, Joe não apareceu. Deixou um recado com Irina, dizendo que não poderia sair comigo naquele dia. Só fiquei um pouquinho brava, não pelo bolo, mas, poxa, tinha acordado cedo para não precisar ser escorraçada da cama outra vez por ele!
De qualquer forma, como já estava de pé, resolvi fazer uma caminhada por conta própria, na beira da praia particular do castelo. Prendi meus cabelos num rabo de cavalo e, depois de tomar café na cozinha mesmo, saí rumo ao sol.
Dei dois passos do lado de fora antes de ser “atacada” por um enorme cão cor de chocolate, que chegou todo assanhado, mexendo o rabo freneticamente. Ele enfiou o focinho na palma da minha mão, exigindo carinho.
Eu já o conhecia. Era Bruce, um dos cachorros do castelo, um labrador sapeca que adorava saltitar pela propriedade, mais parecendo um cabrito. Fuçava o jardim e deixava os empregados loucos. Por isso, quase sempre ficava de castigo, preso no canil.
Acariciei o pelo atrás das orelhas dele e fiz sinal para que me seguisse. Bruce era moleque e partiu na minha frente, chafurdando na areia molhada.
Atrás dele, caminhei fazendo um balanço de minha vida nos últimos tempos. Tanta coisa havia mudado, mas eu me sentia a mesma. Eu tinha um pai que, apesar de ser um doce e querer o melhor para mim, era muito ausente. Por outro lado, a saudade que sentia de minha mãe fortaleceu ainda mais meus laços com ela. Nos falávamos quase todos os dias, por telefone, skype ou qualquer outro meio. Na noite anterior, ficamos cerca de uma hora conectadas. Ela me contou que o buffet estava a mil por hora e que vovó ia participar de uma maratona em volta da Lagoa da Pampulha. Não sei por que isso não me surpreendeu. Minha avó tinha mais energia e disposição do que eu.
Na noite anterior eu falara com Selena. Ficamos trocando mensagens pelo Facebook. Primeiro, escrevemos banalidades, mas depois, quando perguntei por Nick, senti que ela desconversou um pouco. Achei esquisito. Aliás, já fazia um tempinho que uma pulga andava morando atrás de minha orelha. Eram raros os momentos em que Nick me procurava e, quando o fazia, esquivava-se de assuntos mais íntimos. Ficava no oba-oba de velhos amigos, mas jamais falava de nós como um casal.
No início, achei que era uma forma de ele bloquear a saudade. Só que, mesmo não sendo uma expert em relacionamentos, notei que as coisas não eram assim tão claras. Ele parecia estar fugindo. Se isso for verdade, pensei, acho que nunca ficaremos juntos para valer. Se o que espero for maior do que o que o Nick quer, será difícil levar qualquer coisa adiante.
Eu ainda me considerava apaixonada por ele. Quero dizer, talvez. Ou sei lá! Como eu disse, não era exatamente experiente nessas questões de romance e isso contava muito no modo como via as coisas.
Bom, voltando a falar de Selena, gostaria muito que ela viesse para cá. A gente se divertiria horrores. Sugeri isso e ela quase desmaiou — pelo menos, foi o que demonstrou. Combinamos de arranjar a vinda dela para minha cerimônia de apresentação ao povo da Krósvia, mesmo eu não tendo ideia de quando isso aconteceria. Irina dizia que seria em breve, mas ainda não tinha uma data marcada nem nada. Eu queria só ver. Esperava que ninguém me obrigasse a vestir um traje de princesa, todo repolhudo, cafona e tal.
Agora, depois de meia hora de caminhada na areia, eu já estava suando. Então decidi mergulhar no mar, gesto imediatamente copiado por Bruce. A água estava fria, mas nem liguei. Achei a sensação deliciosa e fiquei nadando e furando ondas durante um tempão.
Assim que cansei daquilo, estendi uma saída de praia na areia e deitei sobre ela, tendo o cuidado de não encostar o corpo molhado nos grãos para não virar um filé empanado. Bruce se deitou a meu lado, todo fiel, e nós dois curtimos uma boa manhã na praia, como eu fazia quando era criança e ia para praia com minha mãe, meus avós e tios.
Não demorou muito e meu estômago deu sinal de vida. Que inferno, eu vivia para comer naquele lugar! Tinha mais é que caminhar mesmo.
Corri até a cozinha, farejando o aroma de coisas gostosas. Como previ, Karenina preparava um molho para rechear a torta que serviria no almoço. Cheguei por trás dela e a agarrei pela cintura. Ela deu um pulo, segurando o peito.
— Menina, assim você me mata! Que susto! — exclamou, ofegante, para me dar um sorriso supercarinhoso em seguida.
— Kare, estou com uma fome...
— Senta aí que eu te sirvo. O que quer? Uma saladinha de frutas? Suco?
— O que eu queria mesmo não existe aqui na Krósvia. Chama-se pão de queijo. Conhece?
Ela olhou para o alto, refletindo.
— Pão de queijo? Acho que não. Como é?
De repente, tive uma ideia.
— Kare, eu sei fazer pão de queijo! Aprendi com minha mãe um tempo atrás e me lembro da receita. Posso te ensinar?
— A se-senhorita? — gaguejou. — Mexer na cozinha? Seu pai me mata.
— Ah, deixa disso! Eu sou boa de cozinha. Lá no Brasil, quando estou com fome, quase sempre me viro sozinha. Não faz diferença estar lá ou aqui. E então? Quer ou não quer aprender? Garanto que não vai se arrepender...
— Tem certeza? — Ela ainda estava insegura. — Ai, meu Deus, se seu pai descobre...
— Ele não vai fazer nada. — garanti. — Aliás, ele vai adorar poder comer os pãezinhos depois. Vamos! Me ajude a juntar os ingredientes.
E foi o que Karenina fez. Ainda bem que tínhamos tudo, afinal, a receita do pão de queijo até que é simples. Então, depois de limpar a areia das mãos, comecei a dar a primeira aula de culinária de minha vida — o que jamais imaginei que fosse fazer um dia. E minha aluna não era qualquer uma, não. Era simplesmente a cozinheira-chefe do castelo da família real da Krósvia. Se minha mãe me visse agora...
— O único problema, Kare, é que não temos queijo Minas. Vamos ter que improvisar com este aqui — avisei.
Ela me olhava atenta, encantada por estar aprendendo uma nova receita, que depois poderia ser servida nas mais variadas ocasiões.
— Quando um chefe de Estado vier se reunir aqui com o Andrej, você pode servir pão de queijo, que fica bom com vários acompanhamentos. O ilustre visitante vai te elogiar e até querer levá-la para o país dele. Já pensou?
— Mas isso está totalmente fora de cogitação — Karenina retrucou, com muita veemência. — Meu lugar é aqui. Sempre foi e sempre será.
Sorri. Continuei a lição, esforçando-me muito para não me esquecer de nada.
— O polvilho doce pode ser substituído pela mesma quantidade de polvilho azedo, Kare. Tanto faz usar um como outro — expliquei. — Se quiser congelar a massa, faça bolinhas e congele-as num recipiente aberto para não grudarem. Só depois coloque-as num saquinho. Entendeu? Vamos assar?
Rapidamente o cheiro do pão de queijo invadiu a cozinha. A essa altura, várias ajudantes de Karenina nos rodeavam, aguardando ansiosas o resultado de nosso projeto. Não revelei isso, mas eu também estava na expectativa. Se ficasse ruim, acho que morreria de vergonha.
Enquanto o tempo passava, sentei-me na bancada da pia e fiquei mordiscando uma maçã. Karenina voltou para o molho dela e ambas esperamos num silêncio confortável, só interrompido por uma voz que começava a assaltar com certa regularidade meus pensamentos.
— Que cheiro é esse? Hummmm...
Joseph. Ele nunca aparecia sem fazer uma entrada triunfal. Parecia que ficava esperando o momento certo.
Pulei da bancada e dei as costas para ele. Achei melhor ir checar os pãezinhos em vez de olhar para seu rosto tão rapidamente. Sabe-se lá o que Joe poderia ler em meus olhos.
— Oi, meu filho! Chegou na hora certa — Karenina saudou-o com entusiasmo, indo até ele para dar-lhe um abraço. Não deixei de observar que Joseph retribuiu da mesma maneira. — A Demi acabou de preparar uma receita nova, típica lá do Brasil, sabe? Pão de queijo.
Endireitei o corpo e olhei para ele. Nãoposso afirmar se o que vi foi real ou se minha imaginação hiperativa me levou a enxergar aquilo, mas tenho quase certeza de que os batimentos cardíacos de Joseph passaram por uma ligeira alterada. Não sou paranormal, não leio pensamentos nem tenho pressentimentos, mas parece que a veia do pescoço dele ficou mais alta.
Só isso, e só talvez; não estou afirmando.
Outro detalhe: Joe estava de terno. Era a primeira vez que eu o via em traje social. Como defini-lo? Ora, um verdadeiro príncipe!
Então ele se aproximou devagar e estendeu o braço em minha direção. Ele vai me tocar! Pensei, excitada demais para meu gosto. E foi exatamente isso que Joe fez, mas não para um carinho nem nada. Com o polegar, ele limpou algo que estava sobre meu nariz, bem na ponta.
— Farinha — disse ele, sorrindo com apenas um dos cantos da boca.
Afastei-me depressa, levando automaticamente uma das mãos ao nariz. Roxa de vergonha — e com o coração aos pulos —, agradeci, meio sem jeito, voltando a olhar para o forno. Eu não queria tentar explicar o frio na barriga que senti quando ele encostou aquele dedo em mim.
— O pão de queijo está pronto — anunciei. — Espero que esteja bom.
Karenina me ajudou a retirar o tabuleiro do forno. Pela cara, os pãezinhos só poderiam estar ótimos.
Joseph, posicionado estrategicamente atrás de mim, perguntou:
— Desde quando você sabe cozinhar?
Ainda sem encará-lo, fui retirando os pãezinhos, um a um, e ajeitando-os numa cesta de palha, delicadamente forrada com um pano bordado à mão.
— Para sua informação — respondi —, aprendi com minha mãe, há muito tempo. — Estendi a cesta para Karenina primeiro e depois para Joe. Enquanto os dois provavam o famoso pão de queijo mineiro, continuei tagarelando: — Caso você não tenha percebido, não nasci em berço de ouro e sei me virar sozinha desde pequena. Na minha casa não fico esperando minha mãe me dar tudo de mão beijada, como se eu fosse uma princesa afetada.
Tive vontade de engolir o restante daquela frase absurda. Mas nem Joe nem Karenina prestaram atenção a nada que eu disse. Eles estavam se deleitando com o pão de queijo, comendo um atrás do outro, como se fosse um néctar dos deuses. Fiquei toda orgulhosa.
Fingi que não notei e perguntei, sendo humilde:
— E aí? Ficou aceitável?
Karenina me olhou com os olhos esbugalhados e só soltou um huuuummmm bastante significativo. Joseph grudou o olhar em minha saída de praia meio transparente e disparou uma de suas já famosas pérolas:
— Já vi que você é cheia de surpresas, né?
Não consegui identificar a real intenção daquele comentário, mas, de certa forma, aquilo me animou. Um pouco.
Juntei-me a eles na mesa e procurei manter um clima superficial, como se aquela cena fosse comum no meu dia a dia, se é que se pode chamar de normal estar sentada à mesa da cozinha de um castelo verdadeiro, de frente para um pseudo-príncipe super atraente, comendo pão de queijo.
— Você deu um jeito de se divertir sozinha hoje, pelo visto — observou Joe, voltando a encarar meus trajes sumários. — Tive uns contratempos...
Ele foi interrompido pelo toque de um celular: o dele. Sua expressão adquiriu um tom sério assim que leu o nome no visor do aparelho.
Fiquei doida para saber quem era, mas fingi não ter prestado atenção. Porém, para minha decepção, toda a conversa ocorreu em krosvi e a única palavra que consegui identificar mais ou menos foi “Laika”. Ele poderia estar falando sobre um cachorro, uma marca de carro, um tipo famoso de balas — se bem que essas se chamam Lalka — ou sobre qualquer outro assunto. A meus ouvidos analfabetos na língua daquele país, nada daquilo fazia o menor sentido.
Sem parar de falar, Joseph se levantou e começou a andar pela cozinha, indo para lá e para cá de forma inconsciente. Karenina se aproximou de mim e cochichou:
— Aposto que é a Laika.
Hein?
— Quem é a Laika? A cadelinha dele? — Não consegui deixar de ser irônica.
Sem perceber o tom, Karenina riu.
— Não, Demi. É a namorada do Joe.

Primeiro: Laika, no meu país, é nome de cachorro, sim. Minha prima já teve uma poodle com esse nome.
Segundo: namorada? Como eu não ficara sabendo, depois de todo esse tempo? Não que eu tivesse direito a algum tipo de explicação e tal, mas esse é o tipo de informação que não se deixa de fora. Não é?
Bom, está certo que eu nunca perguntei — nem jamais perguntaria, que isso fique bem claro— e o assunto nunca surgiu de fato. Seria meio esquisito se Joseph tivesse dito: “Olha, aquela é a Caverna do Pirata. Ah! E eu tenho namorada”. Ou: “Você se parece muito com o Andrej. Nem precisa fazer exame de DNA. E, a propósito, eu tenho namorada”.
Mesmo assim, eu já deveria saber disso. Não é por nada, mas pelo menos eu teria um fortíssimo motivo para parar de colocar na mesma frase os nomes Joseph e Victoria’s Secret. Se pelo menos Nick assumisse mais seu papel de quase namorado, eu pararia de imaginar coisas com outros caras...
Ah, pelo amor de Deus! Quem eu estava querendo enganar? Outros caras nada. Joseph. Só ele. Quem mandou ser tãããão... sexy.
Mas agora já era. Eu não me permitiria nem mais um pensamento censurável. Nunca mais olharia para aquela tatuagem impressa naquele tríceps modelado. Nem sequer andaria na garupa da BMW sei lá das quantas. Ou melhor, poderia até andar, mas seguraria na própria moto. Nada de agarrar a cintura cheia de músculos de Joseph.
Ainda bem que sou uma pessoa lúcida, madura e sei lidar muito bem com esse tipo de situação. De qualquer forma, assumo que senti um prazer gigante quando Karenina contou que a tal Laika era uma patricinha e que ninguém ia muito com a cara dela. Quando ela disse ninguém, referiu-se, na verdade, a ela mesma, Irina e os outros empregados do castelo. Porque aparentemente a moça era bem esnobe.
Segundo Irina, Laika era filha de um antigo adversário político de meu pai. Agora, o cara era senador e tinha muita influência no Congresso. Ela fizera faculdade de Administração na Inglaterra e trabalhava na empresa da família: uma fábrica de peças de avião. Moça poderosa!
Joseph e Laika estavam juntos havia dois anos, de acordo com a boca miúda de Karenina, e a garota estava doida para enfiar uma argola dourada no dedo anelar da mão esquerda. Mas Joe ainda não se decidira, embora o tal senador estivesse fazendo uma certa pressão, do tipo “ou casa ou cai fora”.
Eu teria caído fora, sem dúvida. Mas essa é só minha opinião.
Assim que Joe desligou o telefone, olhou para mim meio sem graça e deu uma desculpa qualquer para sair às pressas, não antes de confirmar uma nova excursão no dia seguinte. Eu deveria ter recusado, devido à reviravolta no contexto, mas fiquei bem quietinha e concordei com a cabeça.
Com a deixa, fugi da cozinha, pronta para me enfiar no chuveiro e tirar a mistura de sal e areia do corpo. No entanto, fui obrigada a adiar meu compromisso com a sessão de limpeza corporal, pois trombei com Irina nas escadarias e ela acabou me puxando para uma conversa em seu escritório.
— Está vendo esta papelada aqui? — indagou, segurando um bolo de papéis e sacudindo-os na minha frente. — Está tudo planejado, Demi.
— Planejado? — Não consegui captar seu raciocínio.
— Sim. Sua apresentação à população da Krósvia como filha do rei Andrej Markov! — anunciou, como se estivesse fazendo uma tremenda revelação. — Tudo resolvido. Ah, seu pai vai ficar tão feliz! Finalmente ele vai poder contar ao mundo que tem uma filha e mostrar a todos como você é linda e adorável.
Sorri, meio sem jeito. Irina podia ser como um canarinho amarelo saltitando sobre o alpiste, mas era também uma pessoa incrível.
Então, lembrei-me de algo que vinha me perturbando ocasionalmente:
— Andrej tem uma irmã e sobrinhos. Por que ainda não os conheci? Eles não sabem de nada também?
— Não. Seu pai quer contar pessoalmente e não teve tempo para fazer isso. Mas vai fazer antes da apresentação oficial. Parece que na semana que vem.
Assenti. Como seriam essas pessoas? Meus parentes de sangue, mas sujeitos completamente estranhos e sem significado para mim. Será que me aceitariam? Que me entenderiam?
— E quando vai ser o evento? — quis saber. — Demora?
— Daqui a 20 dias, se seu pai confirmar a data para mim.
De repente, tive uma ideia brilhante:
— Irina, será que posso convidar minha mãe e meus avós? E também minha amiga Selena? Seria tão maravilhoso poder contar com eles aqui nesse dia! Minha avó ficaria maluca, tenho certeza.
— Claro que pode. Eu já estava contando com isso e seu pai faz questão que eles fiquem aqui no castelo.
— Ele disso isso para você?
— Sim. E não comentamos nada porque queríamos fazer uma surpresa.
Dei a Irina meu sorriso mais genuíno, além de um abraço apertado. Se todos topassem, tudo ficaria mais que perfeito.
Ainda com a história da namorada Laika na cabeça, aproveitei a presença de Irina para fazer mais perguntas, de uma forma bem sutil, é claro. Afastei-me da secretária de meu pai e fingi estar compenetrada na paisagem do lado de fora da janela. Então, mandei:
— A Laika ainda não apareceu desde que cheguei — comentei com uma inocência tão fingida quanto o amor dos políticos brasileiros pelas criancinhas pobres. — Ela não costuma vir aqui com o Joe?
Sem tirar os olhos de sua papelada, Irina respondeu, muito pouco interessada no assunto:
— Quase nunca.
— Por quê? Ela trabalha muito? — Precisei aumentar meu poder de persuasão. Não sei por quê, mas eu estava empenhada em saber tudo sobre o namoro até então desconhecido de Joseph com a Nome de Cachorro.
Irina suspirou e foi a primeira vez que demonstrou uma ligeira irritação na voz.
— Sim, ela é ocupada demais e não gosta muito do clima bucólico do castelo.
Entendi. Melhor mudar de assunto. Laika não era o tema preferido de Irina para uma conversa amistosa. Despedi-me dela, mais uma vez agradecendo pelo carinho que tivera comigo.

*

Os dias seguintes foram bastante agitados e diferentes. Caí numa rotina com Joseph, mas uma rotina boa. Não tomei mais nenhum bolo dele, que me levava para conhecer os lugares mais legais do mundo. Eu levantava cedo, tomava café na cozinha e às nove horas já estávamos de saída.
Admito que uns dias eram melhores do que outros. Algumas vezes, Joe chegava para me pegar com um humor tão obscuro que era melhor ficar na minha, deixando a poeira se assentar sozinha. E, quando eu menos esperava, estava ele todo alegre, falando besteira, deixando o clima leve e agradável.
Ele nunca mencionou o nome da namorada.
Por alguma razão, esse era um assunto que não fazia a menor questão de dividir comigo. Aliás, jamais falávamos sobre nós mesmos, nem de nada profundo. Só amenidades entravam em nosso repertório. Melhor assim. Sem tentações, sem riscos.
Naquela sexta-feira, estávamos tomando sorvete na praça de uma cidadezinha rural ao norte de Perla. Não era a primeira vez que saíamos da capital. Já haviam se tornado comuns os passeios pelo país afora, que não é tão grande assim. Para dar uma ideia da coisa, a Krósvia é do tamanho do Rio Grande do Sul. E tudo dentro de seus limites é lindo, seja na região urbana, seja no campo.
Escolhi um sabor diferente, meio picante. Enquanto degustava meu sorvete, concentrada nas crianças que corriam entre os bancos, Joseph perguntou de repente:
— Você tem namorado?
Engasguei na mesma hora. Dei uma abocanhada tão enorme no sorvete que ele desceu rasgando minha garganta, fazendo minhas narinas arderem e meus olhos se encherem de lágrimas.
— Não — gemi. — Mais ou menos — acabei corrigindo. Minha situação com Nick não havia mudado nada. Aliás, as coisas pareciam cada vez mais frias. Fazíamos pouco contato e, quando acontecia, era estranho, sem química. Selena continuava se esquivando das perguntas sobre ele, o que, na minha concepção, só podia significar que Nick devia estar aprontando no Brasil. Mesmo assim, não consegui responder outra coisa. Em minha cabeça, ainda que não ficássemos juntos quando eu voltasse, tínhamos que resolver tudo pessoalmente.
— Não ou mais ou menos? — repetiu Joseph, olhando mais para seu sorvete do que para mim.
— Mais ou menos. — Definitivamente, eu não estava a fim de falar sobre isso com ele.
Mas Joe insistiu:
— Nada sério, então?
— Isso. Por enquanto.
Ele estreitou o olhar, igualando-o à minha altura, como se estivesse me desafiando a falar mais. Eu não estava com a menor vontade de continuar, mas acabei cedendo, nem sei por quê.
— Eu estava começando um relacionamento quando saí do Brasil. Decidimos manter contato, mas sem chamar de namoro. Não enquanto eu estiver aqui. Entendeu agora? — Minha voz saiu mais ríspida do que eu gostaria.
Joe deu um meio-sorriso, aquele que fazia meu coração dar umas piruetas, de tão sensual que era.
— Eu, no lugar dele, estaria maluco — disse ele, como quem não quer nada, sem saber que aquele simples comentário fez o ritmo de meu coração passar para bateria de escola de samba.
— Será que seu quase--namorado não fica se perguntando quantos caras dão em cima de você todo dia aqui na Krósvia?
Tive que rir. Aquilo não condizia com o que vinha acontecendo. Fora umas olhadas que ganhava de um ou outro cara mais atiradinho, ninguém jamais me paquerara de verdade em solo krosviano. Joseph só podia estar de brincadeira.
— Nada a ver, Joe — foi só o que disse em resposta ao comentário sem noção.
— Nada a ver? Um cara interessado de verdade numa mulher pensa nessa possibilidade o tempo inteiro. Eu ficaria doente se estivesse no lugar dele.
Não entendi direito o que ele quis dizer. Joe ficaria doente se a namorada dele fosse embora para outro país ou se ele fosse Nick? A primeira hipótese me deixava com dor de estômago e a segunda... bom, também.
— Sua namorada não te deixa assim?
Ai, Deus, foi só eu dizer isso que quis engolir tudo de novo. Para todos os efeitos, Joe não sabia que eu sabia sobre Nome de Cachorro.
Ele franziu a testa. Senti que o clima ia azedar.
— Como sabe sobre a Laika?
Eu quis mentir, juro. Inventar uma desculpa qualquer, dizer que joguei verde. Mas a palavra Laika, proferida de forma tão séria por aquela boca linda, me fez ter uma crise de risos. Daquelas bem demoradas, que fazem a gente perder o fôlego e o nariz escorrer.
Joseph ficou me olhando como quem olha para uma garota psicótica.
— Desculpa — disse, enxugando as lágrimas e tentando me recompor.
— O que é tão engraçado?
— Nada.
— E então? Vai dizer como ficou sabendo sobre o meu namoro?
Suspirei. Eu não podia entregar Karenina.
— Bom, eu só fiquei sabendo, nem lembro bem como.
— Sei. Como se ninguém tivesse feito uma fofoca sobre isso, certo?
Fofoca?
— Fofoca? — Eu me fingi de indignada. — Nada disso. Foi só um comentário que escutei, nada de mais. E por que está tão nervosinho? Por acaso namora escondido? Eu, hein! Se namora, assume!
E saí toda enfezadinha, marchando feito um soldado norte-coreano bem treinado. Na verdade, eu estava mesmo era com raiva. Por que Joseph sempre conseguia me tirar do sério?
Mas ele me alcançou logo e segurou meu braço, obrigando-me a ficar de frente para ele.
— Ei, calminha. Não precisa ficar brava. Eu só achei que você não soubesse. Mas tudo bem. Não é segredo.
Fiz que sim com a cabeça. No entanto, eu preferiria que Joe tivesse dito que era tudo mentira. Só não me peça para explicar por quê.
— Vou conhecer uns parentes amanhã. — eu disse. A mudança brusca de assunto foi intencional. — Moram lá em Craiev. Conhece?
Pela expressão de seu rosto, pude ver que ele notou a reviravolta do tema em discussão. Então, me soltou.
— Claro. A tia Marieva, o marido e os filhos. São gente boa, você vai ver.
Uma vez perdido, o clima ameno não se restabeleceu entre nós. Voltamos para casa sem falar muito e, pela primeira, vez agradeci por estar na garupa da moto, cujo barulho não permitia conversas.
Eu já estava praticamente dentro do castelo quando Joe me chamou e disse algo que nunca vou esquecer:
— Eu não queria estragar nossos momentos com um assunto tão complicado.

E aí ele partiu, deixando um rastro de poeira atrás de si e infinitos grilos em minha cabeça.

5 comentários:

  1. sua fic e de mais... Leio fanfics a anos, algumas nao sao tao boas..mais as suas e otima! Posta logo querida

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  2. To amandoooo posta logoooo...
    ps:oi tem como você me falar o nome dos livros que você adapta???

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  3. MEU DEUS MENINA QUANDO VC VAI POSTAR DE NOVO?!?!?!?!
    ai,ai to vendo que a senhora tem uma quedinha por meninos de motos,hein?
    haha eu tbm, to amando bjs!!!

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