quarta-feira, 13 de março de 2013

Chapter 12,13,14 + desculpas


Joe

Já terminou com esse Honda? Está na hora de fechar — diz meu primo Enrique.
Trabalho nesta oficina todos os dias, depois das aulas... para ajudar minha família a pôr comida na mesa, para ficar longe da Sangue Latino por algumas horas e também porque sou bom para mexer com máquinas. Saio debaixo do Civic, coberto de graxa e óleo.
— Vai estar pronto num minuto.
— Bom. Faz três dias que o cara está me cobrando o conserto deste carro.
Aperto o último parafuso e caminho até Enrique, enquanto ele limpa as mãos num pano.
— Posso perguntar uma coisa? — digo.
— Manda.
— Tenho que adiantar um projeto de Química e preciso de um dia de folga, na semana que vem — explico, pensando no tema do projeto e na pessoa com quem vou trabalhar. — Pode ser? Terei de me encontrar com minha parceira, no projeto, fora da sala de aula e...
— As aulas da Professora Peterson — diz Enrique, me interrompendo. — É, eu me lembro desse tempo. Ela é dura na queda, hein? — Ele estremece, fingindo medo.
Eu acho graça e me pergunto se os pais de Peterson eram agentes da condicional... Pois o que aquela mulher entende de disciplina não está escrito!
— Você já foi aluno dela, Enrique?
— Sim — ele responde. — Nunca vou me esquecer. — E prossegue, numa imitação bastante boa da professora: — “Você não será uma pessoa bem-sucedida, antes de desenvolver o tratamento para uma doença grave, ou fazer algo para salvar o planeta...” É, a gente não esquece um bom pesadelo como a Peterson. Mas ter Demetria Ellis como parceira... É outra coisa, não?
— Como você soube disso?
— Meio mundo já sabe. Todos os caras da minha idade falam sobre Demetria e suas longas pernas... E aquelas tetas... — Enrique gesticula, como se estivesse tocando os peitos de Demetria. — Bem, você sabe...
— Sim, eu sei. — Fico trocando o peso do meu corpo de um pé para o outro. — Que tal me dar uma folga, na quinta-feira?
— Sem problemas. — Enrique limpa a garganta. — Sabe, o Hector esteve procurando por você, ontem.
Hector. Hector Martinez, o cara que comanda a Sangue Latino por trás do pano.
— Às vezes detesto essa coisa toda, sabe, Enrique?
— Você está preso à Sangue Latino, Joe... Assim como todos nós. Nunca deixe Hector saber que você questionou seu compromisso com a Sangue. Se ele achar que você está sendo desleal, você se tornará um inimigo, tão rápido, que sua cabeça vai pirar. Você é um garoto esperto, Joe. Vá com calma.
Enrique é um G.O. — um Gangster Original — e já provou isso à Sangue Latino, há muito tempo. Fez sua parte e agora pode ficar numa boa, enquanto os membros mais novos da gangue têm que lutar na linha de frente. Segundo ele, meus amigos e eu temos um longo caminho a percorrer, antes de chegarmos ao status de G.O..
— Você acha que sou esperto? E se eu lhe dissesse que apostei minha moto como vou conseguir dormir com Demetria Ellis?
— Você fez isso? Retiro o que disse. — Enrique sorri, com malícia. — Você é um cretino. E daqui a pouco será um cretino sem moto. Garotas como aquela não olham para caras como nós.
Estou começando a pensar que ele tem razão. Por que diabos achei que poderia atrair uma menina tão bonita, tão rica e tão branca como Demetria Ellis, para minha vida tão pobre, tão mexicana e sombria?
Veja como são as coisas... Diego Vasquez, um cara lá da escola, nasceu na zona norte de Fairfield. Só por isso, meus amigos o consideram um garoto branco. E olhe que a pele dele é mais escura do que a minha. Já o Mike Burns, um cara branco, que mora perto de nós, na zona sul, é considerado um dos nossos, embora não tenha nem sequer uma gota de sangue mexicano nas veias... Ou, no caso, de sangue latino. Em Fairfield, as coisas são assim: o lugar onde você nasceu define quem você é.
Uma buzina soa alto, na frente da garagem.
Enrique aciona o controle para abrir a grande porta.
O carro de Javier Moreno entra, ruidosamente.
— Feche a porta, Enrique — Javier ordena, quase sem fôlego. — A polícia está atrás de nós.
Meu primo desce a mão no botão de controle e apaga as luzes da oficina.
— Que diabos vocês aprontaram?
Carmen está no banco traseiro, com os olhos injetados por conta de alguma droga ou álcool, não sei ao certo. E está flertando com um cara... Disso eu tenho certeza, porque sei muito bem como ela fica, nessas horas.
— Raul tentou “queimar” um cara da Satin Hood — diz Ashley, com a voz entrecortada, pondo a cabeça para fora do carro. — Mas ele é muito ruim de mira.
No assento do passageiro, Raul vira-se para ela e grita:
Sua puta! Queria ver você acertar num alvo móvel, com o Javier dirigindo!
Olho para Javier, que acaba de sair do carro.
— Você acha que dirijo mal, Raul? — ele diz. — Porque, se for isso, tenho um murro pronto para dar na sua cara.
Raul desce do carro.
— Está querendo brigar comigo, culero? [Em Espanhol, no original: vagabundo, frouxo, covarde. (N. de T.)]
Paro na frente de Raul, para evitar a briga.
— Porra, gente. A polícia está ali fora. — Estas são as primeiras palavras de Sam, o cara com quem Ashley deve ter passado a noite.
Todos se abaixam quando as luzes da polícia varrem as janelas. A última coisa que preciso, na minha ficha, é uma pena por tentativa de assassinato. Até hoje consegui, por puro milagre, evitar a prisão. Mas algum dia minha sorte vai ser obrigada a me abandonar.
Um membro de gangue raramente consegue evitar os tiras... Ou uma temporada na cadeia.
A cara de Enrique mostra o que ele está pensando. Agora, que ele finalmente conseguiu economizar o bastante para abrir esta Oficina... pode ter seu sonho arruinado por culpa desses quatro punks. Se os tiras nos acham aqui, vão levar todo mundo, inclusive meu primo, com sua velha tatuagem da Sangue Latino na nuca. E em uma semana seu negócio estará acabado.
Alguém sacode a porta da oficina. Eu estremeço e rezo: por favor, que esteja trancada.
Os tiras desistem da porta e então varrem a garagem novamente, com suas luzes. Quem será que ligou para eles? Ninguém, na vizinhança, faria isso. Um código secreto, de silêncio e união, mantém as famílias deste bairro em segurança. Depois de um tempo, que parece uma eternidade, os tiras vão embora.
— Porra, essa foi por pouco — diz Javier.
— Muito pouco — Enrique concorda. — Esperem dez minutos e caiam fora daqui.
Carmen desce do carro. Na verdade, despenca para fora do carro.
— Oi, Joe. Senti sua falta, ontem à noite.
Olho para Sam:
— Sim, estou vendo o quanto...
— Sam? Ora, eu realmente não gosto dele — ela diz, toda lânguida, se aproximando ainda mais. Estou esperando você voltar pra mim.
— Isso não vai acontecer.
— Por causa daquela idiota que é sua parceira de Química? — Ashley agarra meu queixo, tentando me forçar a olhar para ela; suas longas unhas me ferem a pele.
Seguro Ashley pelos pulsos e a afasto para o lado, me perguntando como é possível que as unhas da minha ex-namorada agora me pareçam as unhas de uma vadia.
— Demetria não tem nada a ver com isso. Ouvi dizer que você andou falando merda pra ela.
— Como você soube... — ela pergunta, estreitando os olhos. — Foi a Mi quem contou?
— Não interessa. Mas fique fora de meus assuntos... — digo, ignorando a pergunta — senão, você vai ter que lidar com um problema bem maior do que a bronca de um ex-namorado.
— Então você está chateado comigo, Joe? Pois não parece. Você age como se não ligasse a mínima...
Carmen tem razão. Quando eu descobri que ela dormia com outros caras, fiquei mal. Por um tempo, bem que eu quis saber o que os outros caras davam a ela... Será que era mais do que eu dava? Demorei um pouco para superar isso, para superar Ashley. Mas consegui.
— Aprendi a não ligar a mínima — eu digo. — E também não estou ligando, agora.
Ashley me dá um tapa:
— Vá se ferrar, Joe.
Encostado no capô do carro, Javier diz, com voz arrastada:
— O que é isso? Uma briga de amantes?
— Cale a boca — Ashley e eu mandamos, ao mesmo tempo.
Ashley contorna o carro e desliza para o banco de trás. Vejo quando ela puxa a cabeça de Sam para o peito... Os sons do beijo profundo e os gemidos se espalham pela oficina.
— Enrique, abra a porta — diz Javier. — Vamos nos mandar daqui.
Raul, que tinha ido ao banheiro, me pergunta:
— Joe, você vem? Precisamos de você. Paco e o tal cara da Satin Hood vão brigar no Gilson Park, agora à noite. E um Hood nunca joga limpo, você sabe.
Paco não me contou sobre a briga, provavelmente porque sabia que eu ia lhe dizer para cair fora... Às vezes meu melhor amigo se mete em situações que não consegue segurar. E às vezes ele me põe em situações que não posso resolver, nem recusar.
— Estou nessa — eu digo, e me sento no banco da frente, de modo que Raul acaba tendo que se sentar atrás, com os dois pombinhos.
Descemos a rua, até chegar ao parque, que fica bem perto da oficina. A tensão no ar é pesada, sinto isso nos ossos. Onde está Paco? Será que levou uma surra do cara e agora está jogado em algum beco?
Está escuro. Sombras se movem, me deixando de cabelo em pé. Tudo parece ameaçador, até mesmo as folhas das árvores balançando ao vento. Durante o dia, o Gilson Park parece um parque de subúrbio, como outro qualquer... exceto pelas pichações da Sangue Latino nos muros.
Este é o nosso território. Nós o demarcamos. Estamos na periferia de Chicago, dominando nossa área e as ruas em torno. Esta é uma fronteira de guerra, onde outras gangues suburbanas lutam contra nós, tentando tomar posse do nosso território.
A três quarteirões de distância, há mansões e casas milionárias. Bem aqui, no mundo real, a guerra corre solta. As pessoas que moram nas mansões nem imaginam que uma batalha está para começar, a menos de oitocentos metros de seus quintais.
— Ali está ele — eu digo, apontando dois vultos, a poucos metros do playground. As luzes do parque estão queimadas, mas posso dizer que um deles é Paco: o da direita. Sei disso por causa do seu corpo pequeno e da sua postura, que parece a de lutador prestes a começar um round.
Enquanto um dos vultos empurra o outro, salto do carro ainda em movimento. Cinco Hoods avançam pela rua. Pronto para lutar junto com meu melhor amigo, afasto o pensamento que me diz que essa briga pode acabar levando todos nós para o necrotério. Se entro numa briga com garra e confiança, sem pensar nas consequências, eu ganho. Se penso muito sobre isso, é minha perdição.
Corro para perto de Paco, antes que os amigos do Satin Hood cheguem mais perto. Paco está lutando bem, mas o outro se contorce como um verme, evitando seus golpes. Agarro o Hood pela camisa e o empurro... Meus punhos fazem o resto.
Antes que ele consiga se erguer para me encarar, olho para Paco.
— Eu dou conta dele, Joe — diz Paco, limpando o sangue da boca.
— É, mas e dos outros? — digo, olhando para os cinco Hoods que chegam por trás de Paco.
Agora, que os vejo melhor, percebo que são todos novatos, cheios de conversa mole e cara feia. Mas novatos em fúria são perigosos.
Javier, Ashley, Sam e Raul chegam perto de mim. Tenho que reconhecer que formamos uma turma da pesada, inclusive a Ashley. Nossa garota se vira bem numa briga; e suas unhas são fatais.
O cara que brigava com Paco, e que eu acertei, se levanta e aponta para mim:
— Você está morto.
— Escute aqui, anãozinho... — digo. Sujeitos pequenos ficam furiosos quando você faz piada sobre a altura deles... E eu não resisti. — Volte para a sua raia. Este lugar aqui é nosso, entendeu?
O Anão aponta o dedo e acusa Paco:
— Ele roubou o volante do meu carro, cara.
Ergo os olhos para Paco, sabendo que ele é bem capaz de provocar um Satin Hood, roubando uma coisa tão idiota. Quando olho de volta para o Anão, vejo que ele está segurando um canivete... E apontando para mim. Ô, cara... Acho que depois de acabar com esses Hoods, vou matar o meu melhor amigo.

Chapter 13

Demetria

Meu parceiro de Química não apareceu mais na escola, desde que recebemos nossos projetos. Uma semana depois, ele finalmente surge, belo e despreocupado. Isso me irrita, porque não importa o quanto minha vida em casa esteja complicada, eu não deixo de comparecer às aulas.
— Foi muita bondade sua aparecer.
— Foi muita bondade sua reparar nisso — ele diz, tirando o lenço.
A Sra. Peterson entra na sala. Acho que fica aliviada ao ver Joe. Endireitando os ombros, diz:
— Hoje eu ia dar uma prova... Mas, em vez disso, quero que vocês trabalhem com seus parceiros, na biblioteca. Daqui a duas semanas, vocês deverão entregar o esboço do projeto.
Eu e Colin caminhamos, de mãos dadas, até a biblioteca. AJoe vem logo atrás, conversando com seus amigos em Espanhol.
Colin aperta levemente minha mão e pergunta:
— Vamos nos ver, depois do treino?
— Não posso. Tenho de ir para casa, assim que acabar o ensaio. Baghda pediu demissão, no sábado. E minha mãe pirou. Terei que ajudar mais, com Shelley, até que ela contrate uma nova enfermeira.
Colin para e solta minha mão.
— Que droga, Demi... Você vai arranjar um tempo para ficarmos juntos, ou não?
— Você pode ir comigo para casa — eu sugiro.
— Para ficar vendo você cuidar da sua irmã? Não, obrigado. Não quero parecer um chato, mas o negócio é que preciso de um tempo a sós... Apenas você e eu.
— Eu sei. Também quero isso.
— Que tal na sexta-feira?
Eu deveria ficar com Shelley, na sexta, mas minha relação com Colin está meio instável... Não posso deixá-lo pensar que não quero ficar com ele.
— Para mim, está ótimo.
Resolvemos selar nossos planos com um beijo. Mas antes que nossas bocas se toquem, Joe aparece à nossa frente e, limpando a garganta, diz:
— Nada de DAP, Demonstrações de Afeto em Público. São as regras deste estabelecimento. Além do mais, ela é minha parceira, seu idiota... E não sua.
— Cale a boca, Fuentes — Colin resmunga, antes de juntar-se a Darlene.
Ponho a mão nos quadris e encaro Joe:
— Desde quando você resolveu se preocupar com as regras do colégio?
— Desde que você virou minha parceira de Química. Fora daqui, você é dele... Em Química, você é minha.
— O que você quer fazer... Empunhar sua clava e me arrastar pelos cabelos, até a biblioteca?
— Não sou um homem de Neanderthal. O macaco, no caso, é o seu namorado e não eu.
— Então, pare de agir como um.
Todas as mesas da biblioteca estão ocupadas. Assim, somos obrigados a encontrar um lugar no fundo da sala, num canto isolado, perto da seção de não-ficção, e nos sentamos no tapete. Coloco meus livros no chão e percebo que Joe está me olhando com intensidade... Como se achasse que assim poderia me enxergar como realmente sou. Mas quanto a isso não existe a menor chance, porque escondo de todo mundo o meu verdadeiro eu.
Sustento o olhar dele, pois este é um jogo que também sei jogar. Na superfície, Joe é impenetrável... Exceto por uma cicatriz, acima da sobrancelha esquerda, que revela uma verdade: ele é humano. Os músculos, delineados sob a camisa, são do tipo que só se pode conseguir com trabalho braçal ou exercícios físicos regulares.
Quando meus olhos encontram os dele, o tempo para. O olhar de Joe é penetrante. E posso jurar, neste exato momento, que ele está sentindo meu verdadeiro eu. O eu sem atitude, o eu sem fachada... Apenas Demetria.
— Quanto tempo você ainda vai levar, para sair comigo? — ele pergunta.
— Você não pode estar falando sério.
— Pareço estar brincando?
A Sra. Peterson passa por nós e me salva na hora “H”; assim, não preciso responder.
— Estou de olho em vocês dois — ela diz. — Sentimos sua falta na semana passada, Joe... O que aconteceu?
— Eu meio que caí sobre uma faca.
Ela meneia a cabeça, incrédula, depois se afasta para perturbar outros alunos. Eu me viro para Joe, com os olhos arregalados:
— Uma faca? Você só pode estar brincando!
— Bem... Eu estava picando um tomate e então a faca escapou da minha mão, voou e foi se cravar no meu ombro. O corte foi fundo, mas o doutor me costurou... Quer ver? — Joe começa a levantar a camisa.
Cubro os olhos com a mão:
— Ora, não seja grosseiro. E saiba que não acredito nem um pouco nessa estória de que a faca voou da sua mão. Você se envolveu numa briga, não foi?
— Você não respondeu minha pergunta — ele diz, sem admitir ou negar minha teoria sobre seu ferimento. — Quanto tempo mais você levará para sair comigo?
— Esqueça. Eu não vou sair com você.
— Aposto que, se nos tornássemos mais íntimos, você mudaria de ideia.
— Como se isso fosse possível!
— Bem, azar o seu. — Joe estica as longas pernas para a frente, com o livro de Química no colo... E me fita com seus olhos escuros, tão expressivos que eu poderia jurar que são capazes de hipnotizar alguém. — Está pronta? — ele pergunta.
Por uma fração de segundo, enquanto fito seus olhos, penso em como seria beijar Joe. Meu olhar desce até seus lábios. E quase sinto que eles se aproximam... Como seria o contato desses lábios sobre os meus... Suave... Ou áspero? Será que Joe beija devagar, ou rápido, ansioso e faminto... tal como ele aparenta ser?
— Pronta para quê? — murmuro, me inclinando na direção de Alex.
— Para o projeto — ele responde. — Aquecedores de mãos. Aula da Peterson. Química.
Pisco os olhos e meneio a cabeça, afastando todos os pensamentos ridículos da minha hiper-ativa mente adolescente. Acho que não tenho dormido direito.
— Sim, claro, aquecedores de mãos... — E abro o livro de Química.
— Demetria?
— O quê? — respondo, olhando, sem ver, as palavras impressas. Não tenho a menor ideia do que estou lendo, pois me sinto envergonhada demais para me concentrar.
— Você ficou me olhando como se quisesse me beijar.
Eu forço uma risada:
— Oh, claro — digo, sarcástica.
— Bem, se você quiser, podemos tentar... Ninguém está olhando, sabe? E não é para me gabar, mas entendo bastante do assunto. — Ele me lança um sorriso lânguido, que provavelmente foi criado para derreter o coração de todas as garotas deste mundo...
— Joe, você não é o meu tipo. — Preciso dizer algo que o faça parar de me olhar desse jeito, como se estivesse planejando fazer coisas que nem imagino, coisas de que mal ouvi falar.
— Você só gosta de caras brancos?
— Pare com isso — eu peço, cada vez mais tensa.
— Mas esta é a verdade, não? — ele pergunta, muito sério.
A Sra. Peterson aparece à nossa frente:
— Quanto tempo vocês ainda vão demorar, para começar o projeto?
Eu forço um sorriso. Pego a pesquisa que fiz em casa e começo a ler, enquanto a professora me observa.
— Segundo minhas pesquisas... — digo — é preciso dissolver sessenta gramas de acetato de sódio em cem mililitros de água, a setenta graus...
— Está errado — diz Joe.
Ergo os olhos e vejo que a Sra. Peterson se foi.
— Desculpe, mas... o que você disse? — pergunto.
Joe cruza os braços sobre o peito, antes de responder:
— Você está enganada.
— Eu não acho.
— Você pensa, realmente, que nunca se engana?
Ele diz isso como se eu fosse uma loira burra... O que faz meu sangue ferver, muito além do ponto de ebulição.
— Claro que estou sujeita a erros, como todo mundo — respondo, em voz alta, exageradamente ansiosa, como uma perfeita imbecil. — Veja só... Na semana passada, comprei um brilho Bobbi Brown Sandwash Petal para os lábios, quando na verdade a cor Pink Blossom teria combinado muito mais com o meu tipo físico. Nem preciso dizer que a compra foi um desastre total!
Alex esperava, mesmo, ouvir algo desse tipo... E eu me pergunto se ele acredita, ou se percebe, pelo meu tom de voz, que estou apenas sendo sarcástica. — Você não acha isso lamentável?
— Ah, aposto que sim — ele diz.
— E você... já se enganou, alguma vez? — pergunto.
— Muitas — ele responde. — Na semana passada, quando roubei aquele banco perto da Walgreens, mandei que o caixa me entregasse todas as notas de cinquenta... Mas devia ter pedido as de vinte, pois provavelmente havia muito mais delas, no caixa.
Ok, então ele entendeu que eu estava representando... E me devolveu a encenação, com seu próprio e ridículo cenário, o que é realmente perturbador, porque nos torna semelhantes, mas de um modo distorcido. Levo a mão ao peito, suspiro e continuo com o jogo:
— Que desastre!
— Então, acho que nós dois podemos nos enganar.
Erguendo o queixo, declaro com teimosia:
— Certo. Mas não no caso desta pesquisa. Ao contrário de você, eu levo a Química muito a sério.
— Então, vamos fazer uma aposta. Se eu ganhar, você me dará um beijo — diz Joe.
— E se eu ganhar?
— Você diz o que vai querer...
Isso é fácil como tirar doce de criança, O ego do Sr. Macho está prestes a se desmantelar e me sinto feliz por ser a causa disso.
— Se eu ganhar, você terá de me levar a sério... E fazer o mesmo com o Projeto de Química — eu digo. — Não poderá mais me provocar, nem fazer comentários ridículos a meu respeito.
— Combinado. Mas eu me sentiria terrivelmente mal, se não lhe contasse que tenho uma memória muito boa... Então, é bem provável que você esteja mesmo errada.
— Joe, eu me sentiria muito mal se não lhe contasse que copiei essa informação diretamente do livro. — Olho para a pesquisa que fiz e mostro a Joe a página correspondente, em meu livro de Química. Então, lanço o desafio: — Diga-me, sem olhar no livro, a que temperatura deve ser feito o resfriamento.
Joe é o tipo de cara que se dá bem com desafios. Mas, desta vez, vai se dar mal. Ele fecha o livro e me olha, com o queixo contraído.
— Vinte graus. E deve ser dissolvido a cem graus, não a setenta — ele respondeu confiante.
Confiro a página e, em seguida, minhas anotações. Então volto à página... Não posso estar enganada. Em que página será que vi...
— Oh... Cem graus! — Olho para Joe, em estado de choque. — Você tem razão!
— E você vai me beijar agora, ou mais tarde?
— Agora mesmo — digo, e percebo que o surpreendo, porque ele fica imóvel.
Em casa, minha vida é ditada por meus pais. No colégio, é diferente... Tem que ser. Preciso manter as coisas desse modo, pois se perder o controle sobre todos os aspectos de minha vida, acabarei virando um fantoche.
— Verdade? — Joe pergunta. — Você vai me beijar, mesmo?
— Sim. — E tomo a mão de Joe. Eu jamais seria tão corajosa, se houvesse alguém me assistindo... Sinto-me grata pela privacidade proporcionada por essas estantes, cheias de livros de não-ficção, que nos cercam.
Joe parece respirar mais devagar quando me ajoelho, inclinando-me em sua direção. Propositadamente, ignoro o fato de que os dedos dele são longos, ásperos... E que nunca o toquei, de verdade, antes. Estou nervosa. Mas não deveria, pois, neste momento, o controle da situação está em minhas mãos.
Posso sentir Joe se contendo... Ele está deixando que eu tome a iniciativa, e isso é muito bom. Tenho medo do que ele poderia fazer, caso se soltasse.
Levo a mão de Joe ao meu rosto... Ele geme, baixinho. Sinto vontade de sorrir, porque a reação dele comprova meu poder de sedução. Nossos olhos se encontram... Joe permanece imóvel.
O tempo para novamente.
Então, viro meu rosto contra a mão em concha de Alex, e beijo-lhe a palma.
— Pronto, aqui está... Já paguei o beijo — digo, afastando sua mão e acabando com o jogo.
O Sr. Latino, com seu big-ego, acaba de ser vencido pela loira burra e cretina.

Chapter 14
Joe

Você chama isso de beijo?
— Sim.
Ok. É preciso reconhecer que fiquei em estado de choque porque a garota encostou seu rostinho de boneca na minha mão. Nossa, pelo modo como meu corpo reagiu, qualquer um seria capaz de pensar que eu estava drogado. Por um momento, fiquei totalmente enfeitiçado por ela... E então a bela bruxinha virou o jogo e deu as cartas, deixando bem claro quem é que mandava na estória. A verdade é que ela me surpreendeu.
Começo a rir, de propósito, chamando a atenção sobre nós, pois sei que é exatamente isso que ela não quer.
— Psiu! — diz Demetria, batendo no meu ombro, para me fazer calar.
Eu rio ainda mais alto e ela me golpeia o braço ferido, com seu pesado livro de Química... Eu me encolho.
— Ai! — o corte dói como se um milhão de pequenas abelhas me picassem ao mesmo tempo. — Porra, é insuportável!
Demetria morde o lábio inferior, coberto por uma fina camada de Bobbi Brown Sandwash Petal que, a meu ver, combina perfeitamente com ela... Mas se o brilho fosse da cor Pink Blossom, eu também não acharia nada mal.
— Eu machuquei você? — ela pergunta.
— Sim — eu respondo, tentando me concentrar mais nos seus lábios do que na dor.
— Ótimo.
Levanto a camisa para examinar meu ferimento que, agora — graças à minha parceira de Química —, começou a sangrar justo onde o médico fez a sutura, depois daquela briga com os Satin Hoods no velho parque.
Para uma jovem frágil e sensível, Demetria bate forte.
Ao ver o estrago, ela quase perde o fôlego:
— Oh, meu Deus! Eu não queria machucar você, Joe. Realmente, não... Pensei que o ferimento fosse no outro ombro. Você olhou para ele, quando ameaçou me mostrar a cicatriz.
— Na verdade, eu não ia mostrar nada — digo — Estava só provocando você... Mas tudo bem. — Rapaz, até parece que essa garota nunca viu sangue vermelho jorrando, antes. Vai ver que o sangue dela, quando brota, é azul...
— Não, não está nada bem — ela insiste, apavorada. — Seus pontos estão sangrando.
— São grampos — eu corrijo, tentando aliviar o clima. A garota está mais branca do que já é. E respira com dificuldade, está quase sem ar. Se ela desmaiar, acabarei perdendo a aposta com Lucky. Se ela não aguenta ver esse filete de sangue... Como vai aguentar fazer sexo comigo? A menos que a gente não tire a roupa... Assim, ela não verá minhas várias cicatrizes. Ou, se fizermos sexo no escuro, ela pode fingir que sou um cara branco e rico. Dane-se! Quero as luzes todas acesas.
Quero sentir essa garota inteira junto a mim... E quero que ela saiba quem está comigo e não com outro qualquer.
— Joe, você está bem? — pergunta Demetria, com um interesse que parece sincero.
Devo contar que estava distraído, sonhando em fazer sexo com ela?
A Sra. Peterson caminha em nossa direção, com um olhar severo:
— Ei, vocês dois, isto aqui é uma biblioteca. Tratem de se comportar. — Só então percebe o filete de sangue que escorre pelo meu braço, manchando a manga da camisa. — Demetria, acompanhe Joe até a enfermaria. E você, Joe, trate de enfaixar bem esse ferimento, antes de vir à escola.
— A senhora deveria ser mais solidária, professora. Não vê que estou me esvaindo em sangue?
— Faça alguma coisa pelo bem da Humanidade ou do nosso planeta, Joe... E você poderá contar com a minha solidariedade. Não tenho nada a oferecer a pessoas que se envolvem em brigas de faca, a não ser meu desgosto. Agora, vá cuidar desse ferimento.
Demetria pega os livros do meu colo e diz, com voz trêmula:
— Vamos.
— Posso levar os livros — eu digo, enquanto saímos da biblioteca. Pressiono minha manga contra o ferimento, na esperança de estancar o sangue.
Demetria caminha na minha frente. Se eu lhe disser que preciso de ajuda para andar, pois estou me sentindo fraco... Será que ela vai acreditar? Será que virá me socorrer? Talvez eu devesse tropeçar... Mesmo sabendo que ela não se importaria.
Quando estamos quase chegando à enfermaria, Demetria se vira para mim. Suas mãos tremem.
— Sinto muito, Joe. Eu... não queria... não tive intenção...
Demetria está mal. Não sei o que vou fazer, se ela chorar. Não estou acostumado a ver garotas chorando. Acho que nunca vi Ashley chorar, nem mesmo uma única vez, em todo o tempo que durou nosso namoro. Na verdade, acho que Ashley nem possui canais lacrimais.
Puxa, isso me deixa excitado, porque garotas do tipo emocional mexem comigo.
— Hum... Você está bem? — pergunto.
— Se essa história se espalhar, minha vida estará arruinada... Oh, Deus! E se a Sra. Peterson ligar para os meus pais... estarei morta. Ou, ao menos, será preferível estar...
Ela fala rápido, tremendo, como se fosse um carro destrambelhado e sem freios, descendo uma ladeira.
— Demetria...?
— ...E minha mãe vai achar que a culpa é minha. E é mesmo, eu sei. Ela vai me pedir explicações, mas como fazer minha mãe entender que o ombro ferido era o outro...? Que eu pensava que era o outro... Ah, eu espero que...
Antes que ela diga a próxima palavra, eu grito:
— Demetria!
Ela me olha com uma expressão tão confusa, que não sei se sinto pena ou se fico atordoado...
— Controle-se garota. Você está pirando — eu aviso.
Os olhos de Demetria geralmente são claros e brilhantes, mas agora parecem vazios e sem brilho... Como se ela não estivesse presente, aqui, neste momento.
Ela olha para baixo, para cima... Olha para todos os lados, menos para mim. Então, diz:
— Não, de modo algum. Eu estou bem.
— Está, nada. Olhe para mim.
— Estou bem — ela insiste, olhando agora para um armário, do outro lado do corredor. — Esqueça tudo o que eu disse.
— Se você não se controlar, meu sangue vai se espalhar pelo chão... E então vou acabar precisando da merda de uma transfusão. Olhe para mim, porra!
Ela enfim me olha... ofegante:
— Descontrolada, você disse? Sim, eu sei que a minha vida está descontrolada... Já percebi isso.
— Você não teve intenção de me machucar. E, de qualquer modo, eu provoquei isso — digo, tentando aliviar o clima, para que essa garota não sofra um colapso total, aqui, no meio do corredor. — Você está preocupada com sua reputação... Bem, para que serve uma reputação, se você não puder arruiná-la, de vez em quando?
— Não tente fazer com que eu me sinta melhor, Joe. Eu odeio você.
— Também odeio você. Agora, por favor, saia da minha frente. Senão, acabarei inundando o corredor com o meu sangue... O coitado do zelador terá que limpar essa bagunça. E o cara é meu parente, sabe?
Demetria meneia a cabeça. Está na cara que ela não acredita que o zelador aqui do colégio é meu parente. Bem, não é propriamente um parente... Mas tem família na pequena Atencingo, no México, a mesma cidade onde moram alguns primos da minha mãe.
Em vez de sair da frente, minha parceira de Química abre a porta da enfermaria para mim.
Acho que Demetria voltou a funcionar, embora suas mãos ainda estejam trêmulas.
— Ele está sangrando! — ela avisa a Srta. Koto, a enfermeira aqui do colégio.
A Srta. Koto me manda sentar numa cama, me examina e pergunta:
— O que aconteceu?
Olho para Demetria, que me devolve um olhar onde leio o medo de que eu morra aqui, neste momento. Quando chegar a minha hora, espero em Deus que o Anjo da Morte se pareça com Demetria. Ficarei muito feliz de ir para o inferno, desde que uma figura linda como Demetria apareça para me dar boas-vindas.
— Meus grampos abriram — eu digo. — Nada muito grave...
— E como isso aconteceu? — pergunta a Srta. Koto, enquanto umedece um pano branco e começa a limpar o meu braço. Prendo a respiração, esperando que o ardor diminua. Também não estou a fim de delatar minha parceira, principalmente porque estou tentando seduzi-la.
— Eu bati nele — diz Demetria, com a voz embargada.
Você bateu nele? — a Srta. Koto pergunta, incrédula.
— Acidentalmente — faço questão de explicar. Não tenho a menor ideia de por que estou protegendo essa garota que me odeia... E que provavelmente preferiria ser reprovada, a ser minha parceira de Química.
Meus planos com Demetria não estão funcionando.
Ódio: este é o único sentimento que ela admitiu ter por mim. Mas a perspectiva de entregar minha moto a Lucky dói mais do que a droga do antisséptico que a Srta. Koto agora esfrega no meu ferimento.
Preciso lidar com Demetria sozinho... se é que tenho alguma chance de salvar as aparências e também a minha Honda. Aquela hora em que Demetria pirou... O que será que foi aquilo? Nunca vi essa garota fazer qualquer coisa que não fosse cem por cento planejada. Ela é um robô... Age sempre como uma princesa diante das câmeras. Ou será que estou enganado e ela nem sequer me odeia de verdade?
Quem sabe se meu braço ensanguentado não acabou quebrando suas defesas... Olho para Demetria, que observa com atenção o trabalho que a Srta. Koto faz em meu braço. Ah, queria estar de volta à biblioteca, com Demetria. Houve um momento em que eu poderia jurar que ela estava quase cedendo...
Só de pensar nisso já fico de pau duro, bem aqui, na frente da Srta. Koto. Gracias a Dios ela se afasta em direção ao armário de remédios. Onde está meu grande e pesado livro de Química, justamente quando mais preciso dele?
— Vamos trabalhar no projeto, quinta-feira, depois da aula? — pergunto, para controlar meu entusiasmo físico na presença incômoda da Srta. Koto. E também porque preciso ter certeza de que vou ficar a sós com Demetria, em breve.
— Na quinta, estarei ocupada — ela responde.
Ocupada... Provavelmente com o Cara de Burro. Claro que ela gosta mais da companhia daquele imbecil do que da minha.
— Então, sexta-feira — eu pressiono, só para testá-la... Mas talvez não devesse fazer isso. Pressionar uma garota como Demetria pode causar sérios estragos no meu ego... Embora ela esteja num momento vulnerável, ainda trêmula por ter me visto sangrar. Bem, está certo, reconheço que sou um cretino manipulador. Demetria morde o lábio inferior, aquele que, segundo ela, está com o brilho errado...
— Na sexta, também não posso...
Meu tesão despenca totalmente.
— Que tal no sábado de manhã? — ela pergunta. — Podemos nos encontrar na Biblioteca de Fairfield.
— Você tem certeza de que pode me incluir na sua agenda tão cheia?
— Ora, cale a boca... Encontrarei você às dez, na biblioteca.
— Então, nosso encontro está marcado — digo, enquanto a Srta. Koto, que parece muito interessada na conversa, termina de enfaixar meu braço com uma droga de uma gaze.
Demetria apanha seus livros:
— Não é um encontro, Joe — ela diz, por sobre o ombro.
Pego meu livro e me apresso. Alcanço Demetria, ainda no corredor. Ela está sozinha. Os alto-falantes estão mudos, o que significa que a aula ainda não acabou.
— Talvez não seja um encontro... Mas você ainda me deve um beijo. E eu sempre cobro minhas dívidas. — Os olhos de minha parceira de Química mudam de melancólicos para perplexos-incandescentes... Hum... perigosa, a menina. Pisco um olho para ela — E não se preocupe com o brilho, nos lábios. Você vai ter que retocar, mesmo, depois que terminarmos...

~*~

Minha internet resolveu que me odeia e parou de funcionar --' 
Fui conseguir resolver o problema com o Moden hoje.
Enfim, comentem ok?! A mão de você não vai cair u-u

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