domingo, 6 de julho de 2014

Capítulo 18 – Simplesmente Demi - MARATONA

Meu mundo caiu

Acordei no início da manhã, ainda bem cedo.
Apesar de meu corpo estar meio moído, sentia-me muito feliz, realizada e completa. Minha primeira vez fora surreal. Ou eu deveria dizer primeiras vezes? Sim, porque, com a tempestade, tivemos que passar a noite inteira na Ilha de Catarina.
Portanto, tivemos tempo de sobra para realizar todas as minhas fantasias — no bom sentido, pelo amor de Deus — com Joseph.
Valeu a pena esperar. Eu sempre fora criticada por minhas amigas porque adiara ao máximo a perda de minha virgindade, enquanto a maioria preferira seguir pelo caminho do “deixa rolar”, muitas vezes com qualquer um. Ainda na época da escola, vira muitas meninas de minha sala esconderem cartelas de anticoncepcionais em bolsos falsos da carteira para não serem flagradas pelos pais. Não porque tivessem um namorado, mas porque estavam sempre na expectativa de uma aventura nos finais de semana.
Numa dessas, uma garota acabou engravidando. Ela só tinha 15 anos. E sabem quem era o pai? Um universitário que namorava outra menina havia séculos. Por essas e outras, sempre tive muito medo.
Assim, optei por me preservar. E não me arrependo. Eu não poderia ter escolhido um homem mais perfeito para ser meu primeiro, nem um cenário mais ideal que o daquela noite.
Saí da cama com cuidado para não acordar Joseph. Devido à chuva, o clima estava bem frio. Enrolei-me numa manta e fui até a cozinha, pé ante pé. Meu estômago exigia comida. Também, depois de tanto esforço...
Sorri ao repassar na mente cada momento, desde a chegada de Joe ao chalé, quando me dera o maior susto, até o último suspiro da noite, ou melhor, do final da madrugada. Lembrei-me de termos perdido a razão a ponto de eu não diferenciar meus gemidos dos dele. Acho que a sincronia foi perfeita.
O mais impressionante de tudo foi a pergunta que Joe me fez, enquanto ainda vestíamos parte de nossas roupas. Fiquei completamente desconcertada.
— Demi, o que fez com aquela sacola enorme de lingeries?
— O quê? — ofeguei, com o rosto enterrado em um de seus ombros.
— As lingeries novas. Eu vi a sacola da Victoria’s Secret naquele dia da orgia consumista.
Meu rosto quase entrou em combustão espontânea. Ele não podia estar falando sério. Apoiei-me nos cotovelos e o encarei.
— Eu não saio por aí com meus conjuntos lindos e novinhos, principalmente se for para ajudar na faxina de um chalé abandonado.
Joseph gargalhou e desceu os olhos para as peças desencontradas que eu estava usando. Seu olhar me queimou.
— Garanto que elas não foram estreadas do jeito certo. Temos que providenciar isso. Não vejo a hora de desvendar os segredos de Victoria.
Rimos juntos. Realmente, minhas belezuras de renda e cetim mereciam uma plateia, mesmo que fosse de uma pessoa só.

Meu estômago chiou mais uma vez e enfiei a cara na cesta de piquenique, intocada desde que fora colocada sobre a mesa. Ataquei logo uns três pãezinhos de mel e pulei as frutas sem a menor sensação de culpa. Já tinha perdido calorias demais naquela noite. Mastiguei um pão olhando perdidamente pela janela da cozinha. Ainda chuviscava, mas o pior da tempestade já havia passado. Ainda bem que Andrej não estava na Krósvia. Como explicaria a ele o fato de não ter dormido em casa? Mesmo assim, estremeci. Teria que me explicar de qualquer forma. Todos notariam a mudança de clima entre mim e Joe.
Num dos intervalos da madrugada, comentei com Joseph r sobre essa minha aflição. Ele disse que se encarregaria de conversar com meu pai.
— Pode deixar comigo, Demi. Eu mesmo quero falar com o Andrej. Como já negamos uma vez, var ser esquisito admitir o contrário. Mas ele vai entender se eu explicar.
Não fiquei muito tranquila, não. Sabia muito bem que minha hora chegaria. Meu pai não perderia a oportunidade de me fuzilar com perguntas.
— Outra coisa está me incomodando, mas não tem nada a ver com o Andrej — Joe disse, com a cabeça apoiada numa mão, enquanto a outra fazia carinho em minha barriga. Quase perdi a concentração. — Essa sua certeza de ir embora. Por que não fica mais? Um ano, pelo menos. Depois a gente pensa numa outra solução.
— Não posso ficar eternamente de férias, Joseph. Preciso terminar meu curso, voltar a trabalhar, dar um jeito na vida.
— Não dá para fazer tudo isso aqui mesmo?
— É complicado. Muita coisa me prende ao Brasil.
— E aqui? Nada?
Dei um beijo na ponta de seu nariz e suspirei.
— Não me torture desse jeito. Não é justo me pedir para escolher. Eu estou presa dos dois lados. Mas, antes de definir minha vida, preciso acabar o que comecei. Me formar é muito importante pra mim.
— E a gente?
— Não quero pensar sobre isso agora. Temos tempo pra achar uma solução.
— Então, venha aqui e me faça esquecer.

Bebericava languidamente um suco de caixinha sabor pêssego quando os braços fortes de Joseph envolveram minha cintura e me puxaram de encontro a seu corpo, coberto apenas pela calça jeans. Ele não sentia frio?
— Não gostei de acordar sozinho — reclamou, com a boca torturando minha nuca. — Por que já está de pé?
Apontei para a cesta de piquenique.
— Fome.
Joseph riu, presunçoso, orgulhoso por ser o motivo de meu apetite voraz. Rodou-me em seus braços para que pudéssemos ficar frente a frente.
— Matou a fome?
— Quase.
Sorrimos um para o outro. Joguei os braços sobre seus ombros e fiquei na ponta dos pés para beijá-lo. Nunca fora muito descolada com garotos, mas com Joe eu ficava muito à vontade. Se bem que ele estava longe de ser apenas um garoto.
— O que tem debaixo dessa manta? — quis saber, os olhos carregados de segundas intenções.
— Simplesmente Demi.
Era isso mesmo. Perto de Joe, eu não tinha um título real, não me lembrava de ser filha de um rei e nem morava num castelo de verdade.
Ele me agarrou e recomeçamos todo o processo de amassos, que não teria sido interrompido caso uma terceira pessoa, estranha e deslocada no contexto, não tivesse surgido através da vidraça da cozinha e acionado o botão de uma câmera fotográfica, flagrando Joe e eu, agora sim, numa posição para lá de comprometedora.
Dei um pulo para trás, com o coração aos pulos, e puxei a manta até o queixo, perplexa demais para reagir de outra forma. Joseph se colocou na minha frente, encobrindo-me com seu corpo. Sua expressão mudou instantaneamente de sedutora para irada.
Mas o fotógrafo não se acanhou. Pelo contrário! Ficou ainda mais confiante quando outros dois apareceram não sei de onde e fizeram o mesmo: nos fotografaram sem parar.
Tive a impressão de que ia desmaiar. Eu não podia passar por toda aquela especulação outra vez, principalmente porque agora o fato seria respaldado pelas malditas fotos! E, pelo amor de Deus, como aquele bando de urubus chegara à ilha, ou, melhor dizendo, a mim e Joe?
E então, como se tivesse lido meus pensamentos, um dos paparazzi disse, caprichando no inglês, de modo que não houve chance de eu não entender:
— Pronto, Joe. Tarefa cumprida. Fizemos do jeito que você combinou.
Levei uns dez segundos para processar aquelas três frases. Até que a compreensão me atingiu em cheio e dilacerou meu coração em milhares de pedaços: eu havia sido enganada da maneira mais sórdida e repugnante possível. Caíra num joguinho ordinário, que provavelmente fora orquestrado com bastante antecedência por Joe e a nojenta da Nome de Cachorro. Meu Deus, quantas noites aqueles dois deviam ter passado arquitetando minha humilhação e rindo da minha cara! E eu, toda boba e apaixonada, agora prestes a ser ridicularizada na frente do mundo inteiro.
Retesei o corpo e me agarrei à borda da pia para não cair. Joe tentou me amparar, mas me afastei bruscamente. Até quando continuaria fingindo?
Enquanto isso, os flashes não paravam de pipocar. Meu estômago deu uma cambalhota, anunciando um enjoo horroroso.
— Sumam daqui! — Joe gritou. Pura encenação. — Desapareçam, senão vou processar vocês!
— Processar? Mas por que, se foi você que nos contratou?
Corri para o banheiro, desesperada, e me agarrei ao vaso sanitário. Vomitei os três pães de mel e o suco de pêssego. E mesmo quando não tinha mais nada no estômago, continuei tendo espasmos. Senti minha energia indo embora.
Joe disparou atrás de mim e se agachou a meu lado. Suas mãos seguraram meus cabelos para que não se sujassem, mas, tão logo recobrei a consciência, rejeitei-as com tapas histéricos.
— Não me toque! Não ouse colocar essas mãos imundas sobre mim! — berrei. Lágrimas desciam feito cachoeiras por meu rosto, nublando minha visão.
Chorei convulsivamente. Mais uma vez, Joe tentou me segurar, mas eu o impedi. Ele tinha estraçalhado meus sentimentos, minha confiança.
— Demi, para com isso. Me escuta. Eu não sei quem são esses caras. Não tenho nada a ver com essa loucura. Por favor, olha para mim!
— Se você falar que é coincidência eles estarem aqui, eu não respondo por meus atos. — Levantei com vontade de sumir do mapa. Mas antes precisava vestir minhas roupas e dar um jeito de escapar dali. — Você jogou sujo, Joe, e agora eu vejo há quanto tempo você e a safada da Laika andam armando para mim! — gritei.
— Não viaja, Demi! Eu não fiz nada disso. Pelo amor de Deus, depois de tudo, da noite maravilhosa que tivemos, você não pode estar falando sério!
Fulminei-o com o olhar. As lágrimas ainda caíam e não davam sinal de que iam cessar tão cedo.
— Não acredito que confiei em você! Não acredito que tive coragem de confessar o meu...
Cobri o rosto com as mãos e desabei. Não conseguia nem falar, nem olhar para ele. Joe agarrou meus ombros, sem me dar chance de escapar, e suplicou:
— Demi, não faça isso. Por favor, não entre nessa paranoia. Tem alguma coisa errada nessa história. Você precisa acreditar em mim. Eu te amo!
Não. Essa foi demais. Apelar para uma declaração de amor a essa altura? Eu não merecia aquilo. A que ponto chegamos?
Usando uma força sobre-humana, soltei-me dos braços de Joe e passei por ele, tendo o cuidado de manter a manta que me cobria ainda mais fechada.
— Joe, eu vou sair daqui. Sozinha. Não me siga, não me procure, nem me peça para ouvir sua versão, porque não vou cair na besteira de acreditar em você novamente. Porque eu acreditei totalmente. Confiei cegamente nos seus sentimentos, a ponto de me entregar a você.
— Demi... — Ele engasgou. Seus olhos verdes, antes tão lindos e sedutores, agora me eram estranhos. Estavam encharcados de lágrimas, assim como os meus.
— Não fala nada. Eu não mereço ouvir suas desculpas. Me poupe disso. Não acredito no seu amor. Pode voltar para a Nome de Cachorro e comemorar o sucesso do planinho sórdido de vocês. E prepare-se para se explicar ao Andrej. Ele, sim, vai querer entender cada detalhe.
Enxuguei o rosto e saí na direção do quarto. Só parei para completar, soltei:
— Difícil vai ser revelar o que nós dois ficamos fazendo aqui na ilha a noite inteira. Não quero estar no seu lugar.
Então, entrei no quarto de minha bisavó Catarina, tranquei a porta com chave e caí na cama, ainda impregnada do cheiro de Joe e com marcas dos momentos que tivéramos ali. Queria extravasar minha dor, mas não tinha tempo para isso. Precisava sair da ilha o mais rápido possível e resolver o que faria de minha vida. Uma coisa era certa: minha imagem estava acabada. Para sempre eu seria lembrada como a princesa que dormiu com o quase-irmão comprometido. A princesa apaixonada que se prestou ao papel de ser a outra.
Vesti rapidamente minhas roupas, calcei minhas botas e respirei fundo antes de correr rumo à porta e escapar para a areia da praia, molhada demais por causa da chuva.
Joe não tentou me deter. Apenas olhou para mim com uma expressão derrotada, recostado na mureta da varanda.
Não vi os fotógrafos. Ainda bem. Senão, teria sido capaz de agredi-los fisicamente, o que só pioraria minha situação.
Havia duas lanchas no cais: a que levara Joe até a ilha e a dos paparazzi. Mesmo sem nunca ter pilotado uma antes, dei partida no motor. Só queria sair dali e me esconder do mundo. Fazer sozinha o trajeto de volta foi complicado. Só sei que girei a chave na ignição e guiei a lancha meio que no piloto automático. Por sorte, a distância entre a ilha e a praia do castelo era curta e bastava dirigir em linha reta.
Ao chegar ao cais, larguei a lancha aos cuidados do piloto que havia me transportado no dia anterior. Ele me olhou com espanto, talvez assombrado por minha expressão nada amistosa ou pelo fato de ter voltado sozinha. Não sei. Também não dei chance a ele de me perguntar nada.
Atravessei a areia sem olhar para os lados e irrompi castelo adentro, preocupada apenas em chegar a meu quarto e me fechar para o mundo. Sabia o que teria que enfrentar mais tarde, mas precisava me concentrar antes de receber a chuva de críticas e reprovações.
Arranquei depressa as roupas de meu corpo e deixei o chuveiro lavar os vestígios de minha vergonha. Só lamentava não poder voltar no tempo e apagar outras coisas, como as lembranças dos lábios de Joseph percorrendo minhas costas e suas mãos apertando-me contra ele.
Encostei a testa no azulejo e chorei de novo.
Como resolveria esse problema? Se ao menos pudesse evitar a publicação daquelas fotos ordinárias... Por que não exigi que os fotógrafos me entregassem as câmeras, ameaçando mandar meu pai atrás deles ou, sei lá, assassinos de aluguel para liquidar de vez com a raça dos filhos da mãe? O que eu faria agora?
Resolvi telefonar para minha mãe. Alguém tinha que me apresentar uma solução, e quem poderia ser melhor do que ela?
O celular dela chamou até cair na caixa postal. Só então me dei conta de que, no Brasil, ainda era o final da madrugada. Deixei uma mensagem de voz que revelava exatamente o tamanho de meu desespero:
— Mãe, por favor, atende o telefone. Preciso falar com você. Me meti numa encrenca enorme.
Tive a sensação de que demorou uma eternidade para ela me retornar. Mas foram só alguns minutos — um milagre, considerando o fuso horário de cinco horas a menos lá em Belo Horizonte.
— Filha, o que aconteceu? — mamãe quis saber, bastante preocupada.
Caí no choro. Outra vez. E fiquei assim, quase afogada em lágrimas, enquanto minha mãe me metralhava com perguntas. Só quando me acalmei um pouco fui capaz de responder:
— Cometi o maior erro da minha vida, tanto de julgamento quanto de atitude. Estou muito encrencada, mãe.
Então, contei tudo, desde o princípio. Falei de minha paixão por Joe, da química que tínhamos, de meu sofrimento silencioso. Depois, respirei fundo e admiti o restante, desde o momento elétrico na Caverna do Pirata até o fatídico fim da noite anterior. Não escondi nada.
— Mas, Demi, como é que você tem certeza de que o Joe está envolvido com os paparazzi? Porque eu o conheci e não acredito que ele tenha um caráter tão doentio.
— Os fotógrafos deixaram isso bem claro. E, mesmo que eu estivesse na dúvida, só o fato de eles terem aparecido na ilha já é um comprovante da culpa dele. Quem mais sabia que estávamos sozinhos lá? Ninguém, a não ser a Karenina e as outras empregadas, e elas não teriam motivos para armar essa palhaçada para mim!
— E por que o Joe teria? — minha mãe questionou, tentando me fazer raciocinar com imparcialidade. Só ela mesmo para me ajudar a entender o ocorrido, em vez de me crucificar por ter dormido com Joe.
— Você não viu como ele me olhou quando me conheceu, mãe. Cheio de desconfiança, de acusações veladas. Depois, começou a se aproximar, todo legal, mas agora percebo as verdadeiras intenções dele. Ele me usou para provar para meu pai que eu não valho nada.
— Não fale assim, Demi — ela me repreendeu. — O que você fez não foi pecado. Você estava apaixonada e acreditava que era correspondida. O Andrej vai entender. Quanto aos paparazzi, deve haver uma forma de impedi-los de publicar as fotos. Seu pai tem poder para isso. Mas você vai ter que se abrir com ele.
— Eu sei. O problema é que ele não está na Krósvia e eu não quero ter essa conversa por telefone. Vai ser difícil esfregar na cara do meu pai o mau caráter que o enteado querido dele tem. Nem imagino como começar...
— Do mesmo jeito que fez comigo. Seja sincera.
Outra onda de lágrimas ameaçou cair, mas dessa vez eu a segurei. Não queria ficar desidratada.
— Eu quero voltar para o Brasil, mãe. Quero voltar para casa. Acho que não consigo mais viver aqui.
— Faça isso, filha. Volte depressa. Não vou deixar você sofrendo longe de casa. Converse com seu pai e venha. Chega de deixar sua vida à mercê desses fofoqueiros krosvianos sem noção. Acha que consegue partir ainda hoje?
— Vou tentar. Quero acabar logo com isso.
— Ótimo. Dê notícias. Estamos te esperando.
Funguei. Uma caixa de lenços de papel não seria nada má agora.
— E, mãe... Desculpa. Não planejei te decepcionar.
— Não fale assim. Não estou decepcionada, Demi. Estou agradecida por ter confiado em mim. Sei que não é moleza admitir para sua mãe que deixou de ser uma menina. Também passei por isso, esqueceu?
É mesmo. Que grande ironia do destino!
— Agora, vá procurar seu pai. Ele também vai apoiar você. Não tenha medo.
— Te amo, mãe. E obrigada.
Não foi fácil localizar meu pai. Tive que pedir ajuda a Irina e ser muito persuasiva. Disse que o caso era sério, mas não abri o jogo. Queria falar o mínimo possível sobre a enrascada em que tinha me metido.
Andrej participava de um congresso na França. Eu sentia muito por ter que incomodá-lo, mas não sossegaria enquanto não conseguisse me explicar para ele. Como eu tinha a intenção de sair da Krósvia quanto antes, contentei-me em conversar com meu pai via Skype. Eu precisava olhá-lo nos olhos de modo que ele visse o tamanho de minha culpa e, assim, quem sabe, conseguisse me perdoar.
Estava decidida a fazer isso até que Andrej apareceu diante de mim, através da tela do computador. Ao vê-lo, minhas mãos ficaram suadas e senti o sangue sumir. Tive vontade de desistir e sair correndo, largando as explicações por conta de qualquer outra pessoa que não fosse eu.
Meu pai, um sujeito quase sempre ponderado e tranquilo, não demonstrava estar melhor do que eu, emocionalmente falando. Claro que ele previa algo ruim. Se não fosse má notícia, ele não teria sido chamado com tanta urgência.
Depois de quase sugar todo o ar do ambiente de tanto inspirar, soltei a bomba toda de uma vez. Devo ter gastado uns dez minutos ininterruptos para resumir a história inteira e falei até sobre a última conversa que tivera com minha mãe. Enquanto relatava os fatos, não tirei os dedos de meu colar de diamante. Inconscientemente, elegi o pingente de rosa como meu apoio.
Durante a confissão, não consegui segurar as lágrimas. Havia chegado a meu limite e, àquela altura, eu estava prestes a desabar de vez. Andrej ouviu o relato. Ficou calado o tempo todo. Parecia uma estátua de pedra, sem demonstrar uma mísera expressão. Mas podia muito bem estar pensando: O que fui arrumar para minha vida? Por que não deixei essa filha pirada para trás?
Quando terminei, um longo silêncio pairou entre nós. Andrej abaixou a cabeça e deixou o tempo passar. Pensei que não quisesse mais falar comigo e usasse esse gesto para me dispensar.
Mas aí, assim que eu desisti de esperar, ele falou, num tom até bem calmo para quem havia acabado de receber uma batata quente nas mãos:
— Eu não acredito que o Joe esteja envolvido nessa confusão.
Um “o” redondinho se formou em minha boca. Eu esperava ouvir de tudo — que eu não merecia ser sua filha, que podia pegar minha trouxa e dar no pé —, menos aquilo, uma defesa tão convicta da inocência do enteado.
— Aquele menino sempre teve um caráter impecável. Nunca deu trabalho para ninguém, mesmo na adolescência. Demi, eu ponho minha mão no fogo por ele. O Joe não contratou os fotógrafos.
— Se não foi ele, então quem foi? Porque, apesar de você avalizar a conduta do seu enteado, eu não consigo enxergar outra hipótese. Eu sei o que ouvi, pai. Não é viagem da minha cabeça, pode acreditar.
— Para mim, foi uma armação. Ou não. Também pode ter sido uma desculpa de última hora que os fotógrafos deram para justificar a presença deles na ilha. Não adianta, Demi. Não vou crucificar o Joe.
— Ok — murmurei, arrasada. Quem dera eu pudesse acreditar na inocência dele assim como meu pai estava fazendo!
— Filha, por mais que eu esteja com vontade de torcer o pescoço dele por ter te colocado nessa posição vulnerável, para não dizer coisa pior, estou do lado do Joe.
— E contra mim? — gritei, mal acreditando no que meus ouvidos tinham escutado. Típico pensamento machista.
— Não estou contra você, Demi, embora não tenha engolido essa história de você e o Joe terem dormido juntos assim tão depressa. Nesse ponto, os dois são culpados.
— Pai! — exclamei, chocada. — Só falta você me acusar de ter pedido para ser fotografada pelos paparazzi só porque... por isso. Aconteceu, não consegui evitar.
— Bom, o que eu posso dizer, então? Você já é adulta e sabe o que faz. Mas agora o mais importante é tentar impedir que as fotos sejam publicadas. Vou entrar em contato com meus advogados. Se pelo menos soubéssemos para qual veículo de comunicação esses caras trabalham...
— É — concordei, desanimada. — Mas isso é fácil de resolver. Pergunte para o Joe.
Andrej incorporou uma postura tensa e me chamou a atenção:
— Demi, eu sei que está encucada e que os fatos te levaram a pensar mal dele. Mas eu acho que está se precipitando. Vou descobrir o que aconteceu e então teremos a prova da inocência do Joe. Aí, sim, vocês poderão namorar e aproveitar essa paixão toda.
— Acontece, pai, que decidi voltar para o Brasil — disse de uma vez, para não perder a coragem. — Não consigo mais ficar aqui depois disso tudo. Desculpe.
Ele só ficou me olhando, confuso, como se não acreditasse no que havia acabado de escutar. Fiquei com pena — não apenas de meu pai, mas de mim mesma também. Se eu tivesse sido uma boa menina, comportada e menos passional, ainda poderia desfrutar de mais uns meses na Krósvia, no maior mordomia, sem me preocupar com absolutamente nada. Mas não, eu tinha que estragar tudo e jogar para o alto toda a confiança e as regalias que Andrej Markov, o impressionante rei de uma feliz nação europeia, havia dado de bandeja para mim.
— Quero voltar, se possível, hoje mesmo. Já conversei com mamãe e ela concorda que essa é a atitude mais certa agora. Sinto muito se te decepcionei. Você não merece passar por isso.
Emocionado, além de bastante contrariado, Andrej tentou argumentar:
— Que absurdo, filha! Isso não é motivo para sair correndo do país, como uma persona non grata. Também não estou decepcionado. Você não vai embora assim, de jeito nenhum.
— Eu preciso, pai. Preciso dar um tempo, deixar a poeira baixar. É uma questão de autopreservação. No momento, é o melhor a ser feito. Não fique chateado comigo. Eu vou voltar. Um dia, eu sei que vou.
Então ele balançou a cabeça, meio que resignado, e se calou. Assim que se despediu, pediu que eu ao menos o esperasse voltar da França, pois queria estar comigo pessoalmente antes de minha viagem.
Saí do Skype e fiquei encarando o computador em estado catatônico. Meu celular não tocou nem uma vez, o que indicava que Joseph não havia entrado em contato. Melhor assim. Chequei meus e-mails só para constatar a mesma coisa: nada de mensagens. Dele, quero dizer. Porque havia outras. Inclusive a resposta de Selena para minha declaração aflita no dia anterior. Meu Deus! Só havia passado um dia mesmo?
Desavisada, minha amiga escrevera um texto cheio de hipérboles e interjeições, provavelmente pensando que sua animação me contaminaria.
Pobre Selena! Estava um dia atrasada.

De: Selena Gomez
Para: Demetria Lovato
Assunto: Uhuuuuu!!!

Demi, minha amiga!
Que notícia maravilhosa (embora não seja nenhuma novidade para mim)!
Mas finalmente admitir que está apaixonada por um gato daqueles é um
primeiro passo muito importante. E parece que você não está sozinha nessa, não. Porque, como assim? Então o gostosão do Joe anda retribuindo seu interesse por ele? Não sei, não, hein!
Isso vai dar namoro, dos quentes.
Já posso prever você e ele, o casal mais badalado do Leste Europeu — se a Krósvia estiver no leste mesmo. Está?
Bom, preciso consultar um atlas. Mas, amiga, estou muito contente e confiante que agora vai! Porque vai, não vai? Pelo amor de Deus, já está mais do que na hora. Vê se dá seu jeito.
Quanto à Nome de Cachorro, escreve o que estou dizendo: já é carta fora do baralho. Só de olhar para os dois consegui pressentir isso. E você sabe como sou sensitiva e tal.
Aninha do meu coração, pelo menos dessa vez siga meu conselho: ouça seu coração e não se deixe abater pelo pessimismo. Sei que deve estar torcendo o nariz para as minhas palavras filosóficas, mas é isso mesmo. Tente não ser tão precavida, tão preocupada. O Joe é um deus — e um amor também. Não o deixe escapar.
Ah! Sobre o Nick. Última atualização do status: virou um chiclete, dos mais grudentos. Cismou comigo mesmo. Não sei mais o que fazer. Será que devo denunciá-lo para a polícia? Sim, porque está beirando a assédio. Ai, ai...
Responde logo, viu? Estou louca para saber as novidades.

Beijos!
Selena.

Como eu conseguiria contar que o “deus”, o “amor” do Joe era um farsante, um filho da mãe, que fizera comigo uma das piores coisas que um ser humano pode fazer com o outro?
Não tive vontade de responder. De qualquer forma, assim que eu aterrissasse em Belo Horizonte, ela seria uma das primeiras pessoas a descobrir a novidade. Bom, isso se os tabloides de plantão não fossem mais rápidos do que eu — e provavelmente seriam, não?
Deixei o computador de lado e puxei minha velha mala pink de uma das prateleiras do closet. Joguei-a sobre a cama e tratei de organizar minha bagagem. Pelo menos, ocupava a cabeça com algo produtivo.
Enchi-a com as roupas que trouxera do Brasil, mas resolvi deixar tudo o que comprara na Krósvia para trás. Não fora uma garota exemplar, a filhinha com a qual todo pai sonha. Portanto, não tinha o direito de ir embora com tudo o que Andrej me dera enquanto acreditava que eu era um doce, um anjo de candura.
Larguei os jeans caros, os vestidos de alta costura, os sapatos italianos, tudo impecavelmente guardado dentro do armário. Mas o mais difícil foi abrir mão das lingeries da Victoria’s Secret, as tão sonhadas, fantasiadas e almejadas coleções que povoaram meus pensamentos por meses e que acabaram esquecidas numa gaveta qualquer, sem uso. Quem cuidaria delas? Quem as admiraria com tanto ardor? Talvez fosse melhor dá-las a Irina ou Karenina. Se bem que, com elas, aqueles rendas todas também virariam peças de museu, de qualquer forma.
Passei a tarde inteira nessa função de fazer as malas. Na hora do almoço, pedi na cozinha que fizessem o favor de levar minha comida até o quarto. Não estava disposta a interagir com ninguém. Sendo assim, evitei as pessoas deliberadamente, inclusive Irina e Karenina.
Devolvi livros à biblioteca e caí no choro quando encontrei uma boneca de pano esquecida entre as almofadas da sala de leitura. Logo pensei nas meninas do Lar Irmã Celeste e isso me deprimiu. Não poderia me despedir delas e sabia que meu retorno repentino para o Brasil as deixaria tristes, talvez até mesmo magoadas.
Coloquei a boneca na mala. Que mal teria levar comigo uma recordação de momentos de tanta brincadeira e felicidade? Daria um jeito de substituir o brinquedo por outro, comprado especialmente numa loja brasileira para a dona da bonequinha. E, se minha memória estivesse bem calibrada, ela pertencia a Karol.
Da mesma forma, não tive coragem de ligar para tia Marieva. Ela exigiria saber o que acontecera para me fazer voltar tão cedo para casa e eu não estava com disposição para narrar a história mais uma vez. Ficaria em débito com ela e meus lindos primos também.
Felizmente, as fotos feitas pelos paparazzi na manhã daquele dia ainda não haviam sido publicadas. À noite, quando meu pai chegou, ele informou que seus advogados trabalharam duro e acabaram conseguindo uma liminar na justiça que impedia a divulgação das imagens até a próxima quinta-feira, ou seja, dois dias depois. Fiquei mais tranquila.
Então ele quis saber se eu realmente estava decidida a ir embora, se não tinha desistido da viagem.
— Infelizmente, não, pai. Está mais do que na hora de eu ir. Preciso respirar um pouco.
— Vamos sentir muito a sua falta. Você trouxe alegria e cor para este castelo, qualidades que há muito tempo estavam perdidas. Vai ser difícil me acostumar com a sua ausência — declarou, todo emotivo. — Eu sei que não fui um pai muito presente, que deixei você meio de lado, aos cuidados de outras pessoas, mas você é tudo para mim, Demi. Não nos conhecemos desde sempre, mas eu te amo como se tivéssemos vivido juntos desde o começo.
Abracei-o com força, enterrando meu rosto manchado de lágrimas em sua camisa de linho.
— Também vou sentir sua falta, papai. Muita. Ou melhor, vou sentir saudades. Gostaria de ter sido uma filha melhor, menos exigente, menos reclamona, mais amorosa.
— E quem disse que não foi? Que não é? Filha, você pode não gostar de ser chamada de Demetria Devonne, mas seu segundo nome resume bem o que é.
Olhei para ele, com as sobrancelhas arqueadas, curiosa. É sério, eu nunca tinha pesquisado o significado de meu nome.
— Devonne — continuou — é de origem inglesa que significa Divina. E, onde quer que esteja, sempre será minha encantadora e divina filha.
Enxuguei as lágrimas com as costas das mãos.
Minha garganta estava apertada demais para que eu pudesse falar.
— O nome Demetria, que é de origem grega, também indica uma pessoa forte, determinada, pé no chão, amável e expressiva, muito criativa e um tanto curiosa, como você — completou. Eu fiquei encantada. E pensar que eu nunca tinha gostado do meu nome. — Portanto, não há a menor possibilidade de você ter sido uma filha ruim, porque isso não combina nem com seus atos, nem com quem você é.
Andrej pediu que eu dormisse mais uma noite na Krósvia e deixasse para viajar na manhã seguinte. Atendi a esse último pedido e fui me deitar.
Com a cabeça no travesseiro, fiz um balanço de minha vida pós-garota comum. Em poucos meses, deixara minha pacata existência de universitária para morar num castelo, ser apresentada para o mundo inteiro como a única princesa da Krósvia, ser perseguida por paparazzi e ter fotos comprometedoras divulgadas na imprensa. Ah! Também fora entrevistada pelo Fantástico.

Mas nada disso, nem uma mísera pontinha, fora mais difícil do que meu último ato no país de meu pai: dormir com o homem de meus sonhos e acordar com um ogro em vez de um príncipe.

Capítulo 17 – Simplesmente Demi - MARATONA

O recado de Catarina

De: Selena Gomez
Para: Demetria Lovato
Assunto: Preciso falar com você.

Demi, liga para mim!
Estou desesperada querendo falar com você, mas não atende minhas ligações nem responde minhas mensagens desde sábado. O que está havendo aí? Sei que não deve ser coisa boa, se não, não teria sumido desse jeito.
Sua mãe também anda preocupada. O que aconteceu, amiga? Tem a ver com os paparazzi de novo? Se for isso, desencana. São todos um bando de sanguessugas.
Conversa comigo, vai?

Beijos...
Selena

Fiquei três dias inteiros trancada no quarto.
Para todos os efeitos, eu tinha pegado uma virose que me derrubara. Por sorte, meu pai viajou para participar de uma conferência na França e me poupou de maiores explicações. Não que eu tenha ficado totalmente imune a questionamentos. Irina e Karenina passavam para me ver umas dez vezes por dia — cada uma —, indignadas com meu desânimo e minha falta de apetite.
Pois é. Perdi a fome também. Fato inédito em minha vida. Mas como conseguiria engolir se um bolo compacto e resistente havia se formado em minha garganta e não dava sinais de que desapareceria?
Vejam só o que uma paixão não correspondida faz com a gente. Nunca pensei que fosse sofrer por amor, como as heroínas das histórias de época das quais eu tanto gostava. Mas lá estava eu: entrevada na cama, sem motivação até para receber as meninas do Lar Irmã Celeste. Entretanto, como não desejava chamar atenção para o fato de ter sido meio que rejeitada por Joe — sim, porque ele não me procurara mais depois daquele dia —, inventei a tal virose e tinha que ficar dando uns espirros mentirosos sempre que alguém aparecia para me ver.
Também decidi desligar o celular, de modo que não caísse na tentação de desabafar com quem me ligasse, ou seja, com Selena, minha mãe ou vovó. Se ouvisse a voz delas, juro que cairia em prantos.
Sendo assim, passei três dias meio catatônica, assistindo a filmes água com açúcar na TV a cabo, o que só potencializou minha depressão, já que, vamos combinar, ver casais tendo seus finais felizes, mesmo que na ficção, não era exatamente uma injeção de ânimo. Em 72 horas, revi cenas e mais cenas de beijos calientes, chorei baldes de lágrimas revendo Titanic e Um Amor para Recordar, entreguei-me mesmo a uma autoflagelação. Minha mãe sempre diz que, às vezes, não faz mal ter pena de nós mesmos. Então, eu tive.
Mas também me deixei levar de volta ao show de Bon Jovi e repassei meu momento com Joseph milhares de vezes em minha cabeça. Nem na milésima primeira vez deixei de me arrepiar ao lembrar o beijo e a sensação que ele provocara em meu corpo. Ah, se eu pudesse voltar atrás e repetir a dose, só que em câmera lenta para durar mais. Porém, de nada adiantava sonhar, pois não havia a menor possibilidade de tudo aquilo voltar a acontecer.
Por isso, na manhã do quarto dia, me levantei da cama decidida a me entregar ao clichê de sacudir a poeira e dar a volta por cima. Ou eu vencia essa fase difícil ou teria que arrumar as malas e partir de volta ao Brasil o mais rápido possível. Só não dava para continuar entregue à apatia.
Minha primeira providência foi tomar um banho relaxante de banheira, com direito a sais e muita espuma. Fiquei perdida em pensamentos até a água esfriar. Depois, vesti uma roupa quente e confortável e me sentei na frente do computador, resolvida a escrever uma resposta para a mensagem desesperada de Selena. Estava disposta a me abrir de vez com minha melhor amiga. Quem sabe aquele bolo desaparecesse de minha garganta?

De: Demetria Lovato
Para: Selena Gomez
Assunto: Olá!

Amiga,
Antes de começar, gostaria de lhe pedir desculpas. Não tenho sido uma boa BFFL (Best Friends For Life). Porque melhores amigas não escondem coisas uma da outra e tudo o que tenho feito nos últimos tempos é omitir um fato que você já percebeu, mesmo eu não tendo coragem de admitir. Até hoje.
Pois é. Você estava certa quanto ao fato de eu estar apaixonada pelo Joe.
Aliás, depois que você foi embora, apaixonada passou a ser eufemismo para meus sentimentos. Estou louca por ele, acho que desde sempre, e isso está me matando. Penso nele o tempo todo e mal consigo articular um raciocínio sem envolver o nome dele na história. Eu sei. É doentio. Mas o que posso fazer? Ainda não descobri uma forma de mandar no meu coração.
Meu maior desejo é acordar numa manhã completamente curada dessa paixão. Adoraria exclamar: “Graças a Deus! Passou!” Mas acho que não vai rolar. Está vendo? O negócio é feio mesmo, amiga.
Para piorar tudo, o Joe começou a dar sinais de interesse por mim. Você deve estar aí pensando: Mas isso não é bom? Seria, se a Nome de Cachorro já tivesse caído fora da vida dele. Mas, quer saber? A culpa nem é dela. O maior culpado de tudo é o próprio Joe, que, assim como o Nick, fica ciscando em tudo quanto é terreiro. Não dá.
É isso, Selena. Tenho vivido que nem protagonista de novela mexicana, com direito a bastante drama e lágrimas.
E você? Como está? Já se livrou do Nick? Prometo não desaparecer mais, nem se de repente as coisas piorarem por aqui, o que não é difícil de acontecer.
Obrigada por ser minha grande amiga.

Amo você.
Demi

Não fiquei esperando a resposta de Selena.
Logo que enviei a mensagem, desliguei o computador e saí do quarto. Queria visitar Karenina na cozinha e aproveitar para comer alguma coisa.
Desci as escadas sem encontrar uma alma viva, mas na cozinha me deparei com um princípio de caos. Tanto Karenina quanto as arrumadeiras do castelo enchiam uma cesta com produtos de limpeza, como se estivessem prestes a fazer uma grande faxina no mundo inteiro.
— O que estão fazendo?
— Ah, minha querida, você melhorou! — Karenina se aproximou de mim, analisando-me com olhos de médica pediatra. Ali, eu era a criança dela.
— Sim. Estou bem. Mas para onde estão levando tudo isso? Tem algum evento marcado aqui no castelo?
— Ah, não. É só a limpeza mensal do chalé da Ilha de Catarina. Fazemos isso sempre, para não deixar o lugar deteriorar. Seu pai faz questão.
A Ilha de Catarina. Eu havia me esquecido completamente dela. Mesmo avistando-a da varanda de meu quarto, nunca mais pensara na história trágica de minha bisavó.
— Posso ir com vocês? — perguntei à queima-roupa.
Karenina e as outras mulheres me olharam, espantadas. Será que eu tinha dito alguma bobagem?
— Ir conosco? Mas por quê? Não há muita coisa por lá.
— Estou curiosa e sem nada para fazer. Prometo não atrapalhar, Kare, por favor. Queria tanto saber em que condições minha bisavó Catarina viveu naquele lugar — implorei.
— Será que seu pai não vai achar ruim?
— Ele nem está aqui na Krósvia, Karenina. E não vai reclamar quando souber, garanto. Nem vamos sair dos limites do castelo. Ah, vai. Não custa nada.
Vi que tinha ganhado a batalha quando um sorriso brotou no rosto de Karenina. Ela pediu que eu fosse vestir algo ainda mais quente, porque na ilha fazia muito frio.
— E parece que vai chover — completou, de olho no céu através da vidraça da cozinha.
Voltei para o quarto e me enfiei num jeans justo e num suéter de caxemira. Calcei botas de cano longo e me cobri com um casaco de lã que batia nos joelhos. Para garantir, levei um par de luvas — aquelas de couro que eu comprara meses antes — e um gorro quentinho. Por fim, dependurei um cachecol no pescoço e me senti pronta.
Encontrei Karenina me esperando no pátio dos fundos do castelo. Ela disse que iríamos de lancha e que o trajeto era curto.
— Quem vai pilotar? — indaguei, meio temerosa.
— Alguém bastante acostumado a fazer isso, Demi — ela respondeu, achando graça de meu medo.
As outras mulheres já estavam na lancha quando chegamos. Ficaram meio tímidas com minha presença e não conversaram muito. Eu também preferi só observar, aproveitando a oportunidade para relaxar diante daquele mar azul, apesar de o céu não estar com a melhor das cores.
Realmente, a viagem foi rápida. Nem cheguei a enjoar, o que sempre acontece quando estou em alto-mar. Desci da lancha no pequeno cais de madeira e fiquei pasma com o que vi. Erguido sobre um terreno arenoso, um charmoso e romântico chalé imperava na solidãoda ilha. E engana-se quem pensou numa cabaninha de pau a pique. Era uma construção sólida, não muito grande, mas espaçosa e firme o suficiente para que pessoas vivessem ali uma vida inteira.
Uma coisa era certa: minha bisavó Catarina devia ter vivido seus dias na ilha sempre de olho no continente. Pois janelas não faltavam. Só na frente da casa contei três, e não eram pequenas. E todo o chalé era contornado por uma varanda, de onde se tinha uma vista de tirar o fôlego.
Caminhei devagar até a entrada, imaginando como deveria ser solitário viver num lugar como aquele, mesmo sendo tão bonito. Estremeci ao pensar que à noite a escuridão provavelmente engolia tudo, tornando o ar sinistro como o dos cenários de filmes de terror. Estremeci.
Karenina avisou que ia entrar, mas eu continuei do lado de fora do chalé. Queria absorver tudo antes de ver o que me esperava lá dentro. Andei pela areia procurando sinais do passado, colocando-me no lugar de Catarina. Eu teria enlouquecido em meu primeiro mês ali. Como ela conseguira sobreviver por anos?
Um trovão barulhento me deu o maior susto e entrei correndo pela porta do chalé. Lamentei não ter levado minha máquina fotográfica, pois o que avistei era digno de ser fotografado. Eu fora transportada para dentro de um livro de história.
Que lugar precioso!
Boquiaberta, passei os olhos lentamente pelos móveis e objetos de decoração da sala. Havia de tudo, desde um conjunto de sofás de veludo verde-esmeralda com espaldar de madeira negra até uma estante repleta de bibelôs antigos, raridades, talvez. O piso de madeira exibia lindos tapetes orientais. Só não me perguntem como ainda estavam ali depois de tantos anos. Meu bisavô Miroslav quisera punir sua jovem esposa privando-a de companhia, mas não poupara nada em conforto e ostentação. Mas garanto que ela teria trocado tudo por um casebre de palha se pudesse ter pessoas queridas a seu redor.
De vez em quando, minha atenção voltava para as mulheres que trabalhavam na limpeza dos cômodos do chalé. Mas eu apenas as ouvia. Não apareciam em meu campo de visão.
Continuei examinando os ambientes, ora chocada com a solidão que exalava de cada recanto, ora maravilhada com as relíquias existentes ali. Até a cozinha era peculiar, com seu fogão de ferro fundido e pia de porcelana branca, além da pequena mesa de dois lugares, tão lustrosa que parecia nova.
Corri os dedos na superfície de quase tudo que encontrei, como se meu toque pudesse captar o que Catarina sentira no passado. Posso garantir que tive a nítida impressão de que ela estava me mandando alguma mensagem do além, pois de uma hora para a outra pude perceber que meu sofrimento por Joseph era insignificante perto do que minha ancestral devia ter passado.
O quarto dela se revelou o cômodo mais mágico do chalé. Ao colocar meus pés lá dentro, dei de cara com uma cama de casal com dossel, forrada por uma colcha de renda branca e almofadas de cetim rosa-chá. Duas das paredes eram cobertas por estantes de livros, ainda conservados ali. De lá, eu não escutava mais as mulheres trabalhando na limpeza.
Aposto que Catarina passava horas olhando-se no espelho da penteadeira instalada de frente para a cama e cheia de frascos de perfumes e cosméticos sobre o tampo de mármore. Minha nossa! Tudo parecia estar do jeito que ela deixara. Inacreditável.
De repente, um pensamento me passou pela cabeça. Será que... Puxei depressa as portas do armário e comprovei minha hipótese. Sim. Lá estavam os vestidos de Catarina, um a um, pendurados com esmero e precisão. Minhas mãos voaram até eles, não resistindo ao desejo de sentir a textura daqueles tecidos tão antigos, sobreviventes de uma época trágica.
No meio de todos eles, um em especial me chamou a atenção. Puxei-o do cabide com cuidado para não rasgar, afinal, quantos anos poderia ter?
Tudo me levava a crer que se tratava de um traje de gala. Mas não foi esse detalhe que despertou minha curiosidade. Acontece que o vestido em questão era amarelo-ouro, tomara que caia, idêntico ao que aparecia em meu sonho recorrente. Coloquei-o na frente do corpo e me olhei no espelho. O reflexo era meu eu daquele sonho inexplicável. Eu tremi.
De volta ao armário, preparei-me para recolocar o vestido no lugar e respirei aliviada quando escutei passos atrás de mim. Não me virei para ver quem era, certa de que só poderia ser Karenina. Então, quis saber, sem olhar para trás:
— Por que tudo isso foi mantido aqui durante esses anos todos, Kare? — questionei, ajeitando o vestido no cabide. — É meio sinistro, não acha?
Silêncio.
A vida inteira eu duvidara da existência de fantasmas, mas, naquele instante, com minha adrenalina correndo solta nas veias, cogitei sair correndo e gritando de pavor pelo que poderia estar plantado atrás de mim.
— Totalmente sinistro.
Três coisas aconteceram assim que essa frase foi pronunciada:

1. Meu coração deu um salto mortal dentro do peito.
2. O vestido amarelo-ouro escorregou de minhas mãos e se espalhou pelo chão, bem a meus pés.
3. Eu me virei bruscamente e encontrei um par de olhos verdes transbordando um monte de sentimentos, todos por mim.
Minto. Foram quatro coisas. Também perdi a voz.

— Também me pergunto por que este chalé permanece intacto, principalmente por causa das circunstâncias que motivaram sua construção — Joseph disse, de uma forma tão natural como se estivéssemos batendo um papo informal há horas.
— Mas o Andrej diz que é um tributo à antepassada de vocês.
Tum, tum, tum. Ainda era meu coração, totalmente acelerado.
— Na verdade, penso que a família não quer se desfazer das coisas para não apagar a história.
Ele olhou para o chão e viu o vestido. Aproveitei o desvio de seu olhar para recobrar meu autocontrole.
Respira. Respira. Respira.
— Como você chegou aqui? — Tentei disfarçar meu pânico.
— De lancha, ué. A nado é que não foi. — Um momento sério como aquele e Joseph fazendo piada.
Outro trovão, agora mais alto, rasgou o céu.
Estremeci.
— Onde está Karenina? E as outras mulheres?
— Já foram. — Joe não tentou se aproximar, mas sua voz estava cada vez mais sedutora e os olhos, cheios de malícia. Senti-me tonta. — Avisei que tomaria conta de você e que não se preocupassem. Eu disse para elas que só queria lhe fazer uma surpresa.
Ignorei a segunda parte da resposta de propósito.
— E a lancha? Como vamos voltar?
— Ora, Demi, se vocês vieram em uma e eu em outra, ainda nos resta uma lancha para voltar, né?
— Então, vamos — eu disse com firmeza, abaixando-me para pegar o vestido do chão e pendurá-lo de volta no armário antes que estragasse.
Mas Joe parecia outra pessoa. Ele só moveu a cabeça, refutando minha proposta, e acrescentou:
— Não antes de eu te mostrar a surpresa.
Franzi a testa. Para que universo paralelo eu teria sido enviada? Nada daquilo fazia sentido.
— Venha aqui — ele me chamou.
— Joe, o que está acontecendo?
— Demi, não seja chata. Venha ver o que eu trouxe para você.
Joseph estendeu um braço em minha direção, oferecendo-se para me guiar. Eu até que me mexi, mas ignorei deliberadamente sua oferta. Não faria a besteira de tocá-lo de novo.
Ele suspirou, acho que inconformado com meu gesto, mas não retrucou. Saí do quarto de Catarina e Joe me seguiu. Porém, quando percebi que não sabia para onde deveria ir, parei e cruzei os braços sobre o peito.
— Onde está a tal surpresa?
— Na cozinha.
Dessa vez, ele andou na frente e eu pude curtir a paisagem, quero dizer, pude me deleitar com a visão panorâmica de toda a retaguarda de Joseph. Ele ainda era um veneno para minha sanidade, especialmente vestido daquele jeito: calça jeans azul padrão, camisa preta de botão para fora da caça, jaqueta de couro e as velhas botas de combate que eu tanto amava.
Só eu mesma para viajar na aparência espetacular de Joseph depois dos dias de depressão que passara por causa dele. Prometi que procuraria um psiquiatra para analisar meu caso assim que retornasse a Belo Horizonte. Minha mãe deveria conhecer algum.
— Tcharã!
Como um mágico que acabava de finalizar um truque, Joe abriu os braços e apontou para a enorme cesta sobre a mesa da cozinha. Meu estômago roncou, pois associei a cesta a comida e me lembrei de que não tinha comido nada.
— É nosso piquenique particular. Tem de tudo aqui dentro, afinal, eu sei que você adora comer.
Fiquei vermelha. Então, na cabeça de Joseph eu era uma gulosa. Beleza de imagem.
— Ei, não precisa ficar envergonhada. Foi um elogio — ele esclareceu, aproximando-se um pouco. — Porque você é a única mulher que conheço que come com prazer, sem frescura. Mas, mesmo assim, tem um corpo perfeito.
Mulher? Corpo perfeito? Essas palavras não eram exatamente as que melhor caracterizavam minha pessoa.
Perplexa demais para falar, fiquei encarando a cesta. Outro trovão retumbou e a chuva finalmente começou a cair.
— Demi, por que está tão calada? — Joe parou diante de mim, ficando a apenas um passo de distância.
Sentir seu cheiro — másculo, viril — me fez corar ainda mais.
— Não sei o que veio fazer aqui, Joe — reagi, ainda tonta de surpresa. Que nada! A quem queria enganar? Estava tonta de desejo, isso sim.
— Jura que não? — Ele segurou uma mecha de meu cabelo e prendeu-a atrás de minha orelha.
— Não acredito que seja tão desligada.
— Do que você está falando? — gemi, quase inconsciente de meus movimentos.
— Estou falando de nós. De mim e de você. Do que sentimos um pelo outro. Fui claro agora?
Seus dedos não se desconectaram de mim. Com a mecha presa, Joe deslizou-os pela pele de meu pescoço, tocando-me tão levemente que mal dava para sentir. Ainda assim, era muito bom. Uma agonia, mas uma agonia maravilhosa.
— Nem um pouco — retruquei. — A que sentimentos você está se referindo? Só conheço o que há entre você e a Nome de... digo, a Laika.
Meus reflexos mentais não foram rápidos o suficiente para processar a manobra que Joseph fez. Só sei que resultou nele prensando-me contra a mesa, que, apesar de pequena e antiga, era bem firme.
— Demi, tenho consciência de que errei com você — confessou, com os lábios tão próximos de meu rosto que pude sentir seu hálito de menta. — Mas meu erro não foi beijar você enquanto ainda namorava a Laika. O erro foi fazer você acreditar que eu queria estar com ela e não com você. Também errei por não ter terminado meu namoro antes e explicado a você o que eu sentia, o que eu sinto toda vez que fico perto de você. Mas te beijar, Demi, foi a coisa mais certa que já fiz na vida, pois só comprovou tudo o que eu pensava.
Eu. Não. Acredito. Eu estava mesmo ouvindo uma declaração de Joe?
— O que você pensava? — instiguei-o, ofegante por antever no que aquilo ia dar.
— Que você me deixa louco.
— E a Laika? — sussurrei, incapaz de raciocinar direito. Era muita informação nova para assimilar de repente.
— Desmanchei o namoro com ela na noite do show.
— Mas então por que só agora...
Joseph colocou o indicador sobre meus lábios. Foi bom, mas eu ansiava por outra parte dele colada neles.
— Para fazer do jeito certo. Do jeito que você merece.
Com suas mãos firmes, Joe me sentou sobre a mesa e se posicionou entre minhas pernas. Nossas respirações ofegantes se misturaram numa só, mas não nos beijamos de imediato. Com os rostos mais ou menos na mesma altura, fizemos nossos olhares se encontrarem e deixamos que eles lessem os sentimentos um do outro.
Os polegares de Joseph desenharam círculos em minhas bochechas e, para encerrar aquela tortura, aquele jogo de quem resiste mais, cruzei minhas pernas atrás de seus quadris e puxei-o para mais perto.
— Demi, qualquer dia desses vou perder a cabeça por você.
— Faz meses que não vejo a hora disso acontecer.
Então, nada mais foi dito. Em um segundo, a boca de Joe se prendeu à minha, beijando-me ainda mais profundamente do que da primeira vez.
Recebi-o com prazer, ajeitando-me para ficar ainda mais colada a ele. Com a boca aberta, deixei que ele explorasse todos os cantos dela e aproveitei para explorar a dele também. Nós dois sentíamos a descarga elétrica que passava por nossos corpos e então percebi que queria mais.
Muito mais.
Joe também. Desceu as mãos por meus braços e depois acariciou minhas costas. No entanto, havia um excesso de roupas entre nós. Como se tivesse lido meus pensamentos, Joseph desatou o cinto de meu casaco de lã e enfiou suas mãos dentro dele. Ainda assim, era muito pano. Com um movimento desesperado, arrancou o sobretudo de meu corpo e o jogou de qualquer jeito no chão. Mas ele não ficou lá sozinho, largado no piso antigo. Acabou ganhando a companhia da jaqueta de couro de Joseph, que não sei como também já não estava mais cobrindo seus ombros e braços musculosos.
Os lábios de Joe, de repente, estavam em todas as partes. Eu podia senti-los em meu pescoço, meu queixo, minhas orelhas. E eu só pensava: finalmente!
Alisei o tórax dele e contornei todos aqueles músculos que me tiravam do sério havia meses. Então, Joseph gemeu. E desgrudou a boca de cima da minha só para sussurrar:
— Eu quero você, Demi.
Em vez de me derreter de vez e me entregar por inteiro para ele, coisa que eu queria havia tanto tempo, só consegui pensar no terrível fato de não estar usando uma única peça da coleção de lingeries da Victoria’s Secret que eu comprara especialmente para uma ocasião como aquela. No momento, eu vestia um par descombinado de calcinha e sutiã cor de areia super sem graça.
Mas não foi essa constatação que me fez pular da mesa e sair dos braços de Joe, inspirando loucamente para recuperar o fôlego perdido entre os beijos alucinados. Gente, eu ainda era... Eu nunca... Céus!
— Desculpa, Joe, mas não posso continuar.
— O que foi que eu fiz? — questionou ele, rouco de desejo e frustração.
— Nada. É só que... Eu...
Não consegui confessar. Como contar para ele que era virgem e sem experiência nenhuma? Eu queria me deixar levar. Ah, se queria! Mas parecia tão errado... afinal, não tínhamos um relacionamento nem nada. Sem contar que até há poucas noites Joe dormia enroscado com outra pessoa.
Visivelmente confuso, Joseph me puxou delicadamente e me abraçou, apoiando sua cabeça no topo da minha.
— Eu já sei o que vai dizer — disse. Seus dedos desciam e subiam devagar entre meus cabelos. Um carinho despretensioso, até inocente, que me deixou em sinal de alerta novamente. — E não me importo, Demi. — Joe se afastou e me olhou dentro dos olhos. — Porque tudo o que mais quero agora é ficar com você, não importa como. Eu passei esses últimos meses tentando descobrir o que sentia em relação a você. No início, fiquei implicado com sua chegada.
— Eu bem sei. Percebi sua desconfiança. Aliás, pode confessar, Joe. Você achou que eu era uma golpista.
Ele riu de um jeito gostoso, relaxado, sem culpa.
— É verdade. O Andrej sai da Krósvia viúvo e sem filhos e volta todo sorridente com uma filha debaixo dos braços. Custei a assimilar essa novidade, não por ciúme ou medo de perder meu posto, mas porque a história em si era muito incoerente. Não queria que ele se decepcionasse. Você entende meu lado agora, né?
— Mais ou menos. Joe, você me julgou sem me conhecer. Fiquei bastante ofendida, se quer saber.
Com um sorriso que já não saía do rosto, Joseph me levou até um dos sofás verdes da sala e nos sentamos juntos, aconchegados um no outro.
Lá fora, a tarde virou noite de repente devido à intensidade da chuva que caía. Eu nunca gostei de raios e trovões. Mas naquele momento achei-os maravilhosos. Eram como música para meus ouvidos. Tudo se tornava lindo só pelo fato de eu estar com Joe.
— Mas não demorei a reconhecer que você é especial — ele disse. — Quando me ofereci para ser seu acompanhante nos passeios pelo país, paguei por tudo o que tinha pensado.
Estiquei o corpo e recostei-me no encosto do sofá para olhar para ele. Não me cansava de me perder naqueles olhos verdes.
— Você é divertida — beijou minha testa —, engraçada — meu nariz —, inteligente — meus olhos —, autêntica — meu pescoço —, extremamente sexy — minha orelha — e linda — minha boca.
Ofeguei, voltando a ficar na expectativa.
— Em poucos dias, eu me apaixonei e não conseguia mais parar de pensar em você. Mas a Laika...
Estremeci. A menção ao nome daquela garota era um banho de água fria.
— Não, por favor, não toque no nome daquele ser canino, quero dizer, no nome dela.
Tentei disfarçar meu fora, mas Joe percebeu.
— Ser canino? Como assim?
— Nada...
— Demi...
— Ah! Ok, eu vou falar. Sempre chamei a Laika de Nome de Cachorro, mesmo antes de conhecê-la, porque na minha terra Laika é nome de cachorro mesmo e eu morria de inveja dela, ainda que não tivesse reconhecido meus sentimentos por você.
Joe soltou uma gargalhada forte, exibindo sua arcada dentária perfeita.
— Agora você já reconheceu?
Fiquei tímida. Não queria discutir meus sentimentos com ele. Nem ao menos sabia como começar a falar deles
— Ei, Demi. — Joseph segurou meu queixo e me fez encará-lo. — Chega de negar o óbvio. Ainda não acredito que nunca notou meu interesse por você, mas não quero esconder mais nada. Então, por favor, vamos ser honestos um com o outro? Porque eu não aguento mais me segurar e fingir. Aquele dia, na Caverna do Pirata, eu estava pronto para admitir. Não fosse sua reação, toda fria, juro que teria sido franco, inclusive com o Andrej.
— Minha reação foi o de menos. A Laika, sim, era o maior empecilho — discordei. — Não nasci para ser a outra na vida de ninguém.
— Não é a outra, Demi. E nunca vai ser. É a única para mim. Estou apaixonado, louco e quero você. Quantas vezes vou precisar dizer isso para você acreditar?
Joseph tocou a rosa de diamante que pertencera à mãe dele e agora pendia de meu pescoço. De alguma forma, compreendi a simbologia: estávamos ligados. Então, não tive mais medo e despejei tudo o que sentia:
— Você não faz ideia do que eu tenho passado, Joe. Passo os dias tentando esconder até de mim mesma o tamanho do meu sentimento. Estou totalmente apaixonada por você.
Ele se inclinou e pressionou meu corpo com o dele. Fui tomada por uma necessidade quase animal de pertencer a Joe, então, enlacei seu pescoço e o beijei bem ali, sugando e mordendo-o. Enquanto o deixava ofegante, tive consciência de partes de minha anatomia que nem sabia que existiam. Fui amolecendo feito gelatina fora da geladeira.
— Repete o que disse, Demi — Joseph ordenou, agoniado.
— Estou apaixonada por você — sussurrei, perdida nele.
Novamente, nossas bocas se uniram e eu não pensei em mais nada. Simplesmente me deixei levar pela urgência de senti-lo cada vez mais perto. O desejo de Joe por mim era insano e visível, mas ele se esforçava para se controlar e não avançar o sinal.
Então, percebi que fazê-lo esperar por mim só servia para agradar as convenções ditadas pela sociedade. Eu seria uma boa moça perante os conceitos de moral e bons costumes se me mantivesse “pura” por mais alguns meses. No entanto, estaria indo totalmente contra meus princípios, minha verdade, se refreasse minha vontade naquela noite. E ela berrava no fundo do meu cérebro: seja dele!
— Não quero esperar — assumi.
— Demi, a gente não precisa fazer isso hoje.
— Não diga “não precisa” — retruquei. — Porque o verbo certo é quero. Eu quero você agora.
Para deixar minha decisão bem clara, puxei as mãos de Joe e coloquei-as sob meu suéter. Larguei o resto por conta dele.
Sem hesitar, ele puxou a barra da blusa, mas parou no meio do caminho para confirmar minha decisão. Fechei os olhos com força e levantei os braços, dando a Joseph uma resposta muda, porém taxativa. Eu tinha feito minha escolha. E nada no mundo me faria voltar atrás. Joseph demorara para ser meu, mas agora era. E eu era dele. Não me importaria de passar por tudo aquilo novamente se soubesse que acabaríamos como estávamos: nos braços um do outro.
Delicado, ele me carregou até o quarto de Catarina e me deitou sobre a cama de dossel, que só conhecera tristeza e solidão. Mas lá estávamos nós dois para mudar aquela história. Eu nem ligava mais de não estar com aquelas belas peças da Victoria’s Secret. Haveria outros momentos para exibi-las com orgulho.

Pois, no instante em que Joe e eu nos unimos, tudo no mundo passou a ser belo. Até minha velha lingerie.