domingo, 6 de julho de 2014

Capítulo 15 – Simplesmente Demi - MARATONA

It’s. My. Life

— Demi, pelo amor de Deus, não se exponha. — meu pai pediu minutos antes de eu ser levada por Jorgensen até o apartamento de Joseph.
Fiz que sim de qualquer jeito, dei-lhe um abraço apertado e corri porta afora, com medo de Andrej voltar atrás. Meu coração ribombava dentro de mim, injetando entusiasmo em cada célula de meu corpo. Fazia um bom tempo que eu não curtia um programa de verdade. E esse tinha tudo para ser inesquecível, exceto pelo fato de que Nome de Cachorro também estaria lá.
Azar. Evitaria ficar perto dela. Se fosse preciso, arranjaria um canto isolado e assistiria ao show quietinha, na minha, só para não provocar um alvoroço.
O porteiro do prédio de Joe estava avisado sobre minha chegada. Portanto, quando Jorgensen apareceu na entrada de veículos do edifício, o portão da garagem foi aberto instantaneamente. Tive uma descarga de adrenalina assim que desci do carro. Prestes a entrar no reduto de Joseph, só conseguia pensar em minha aparência. Sabia que caprichara no visual ao escolher um vestido vermelho bem curto, de um ombro só, com a única manga longa. Calçara sandálias que valorizaram minha silhueta esguia.
Deixara os cabelos soltos e me maquiara com sofisticação. Passara perfume atrás das orelhas, nos pulsos e entre os seios. J’adore. Francês. Maravilhoso e sedutor. Estava vestida para causar. Mas fui obrigada a jogar um casaco comprido por cima de tudo, porque o final do outono em Perla não estava fácil, não. No entanto, era um casaco lindo, cor de pérola.
Ao entrar no elevador, fitei minha imagem no espelho e gostei do que vi. Definitivamente, não me arrumara para parecer uma princesa angelical. Dessa vez, não pensei em decoro nem compostura, muito menos na fama injusta das brasileiras. Mas ainda assim — ou principalmente por isso —, meu peito retumbava num compasso frenético. A sensação piorou quando finalmente cheguei ao andar de Joseph, o último de um prédio de oito, e toquei a campainha.
Enquanto esperava que abrissem a porta, observei o hall de entrada, com a concentração meio desfocada por conta da agitação interna. Não reparei muito. Notei as cores claras das paredes e o chão de mármore. Também vi umas esculturas num aparador, mas foi difícil definir as formas. Minha visão só queria captar o que estava dentro do apartamento, ou melhor, quem estava lá, o dono.
Tremi quando visualizei uma sombra obscurecendo o olho mágico. E quase caí no momento em que a porta foi aberta. Com uma barba por fazer sombreando seu rosto másculo, calça jeans escura, camisa de botão creme com as mangas arregaçadas até os cotovelos e botas de combate, não podia existir no mundo um homem mais gostoso do que Joe.
Seus olhos se detiveram nos meus durante um breve instante e, logo depois, passearam sobre meu corpo de modo avaliativo. Não dissemos nada enquanto nos examinávamos.
Joseph estendeu uma mão para mim e eu a segurei. Então, ele me puxou para dentro e me deu um beijo rápido, mas suave, no rosto. Minha pele formigou no lugar onde ele encostou os lábios. E meu estômago pareceu ter sido atacado por um enxame de abelhas.
— Então a princesa conseguiu fugir da torre?
— Salva pelo... — Ia dizer “príncipe encantado”. Seria a maior das humilhações que já passara na vida. Ainda bem que refreei minha língua solta, mal comandada por um cérebro lento, e disse: — Cavaleiro sem armadura.
A emenda não ficou muito melhor que a frase original. Esta minha boca só me causa problemas.
Joseph arqueou uma das sobrancelhas e se posicionou atrás de mim. Da última vez que isso acontecera, nossas fotos foram parar nos jornais de fofoca e eu quase perdera a cabeça. Mas agora ele apenas queria me ajudar a tirar o casaco.
Aliás, não entendo essa tradição nos países frios. No Brasil, se você sai de casaco, fica com ele até o final da festa. Faz parte do figurino.
Bom, permiti que me ajudasse e até me deixei sonhar um pouquinho, imaginando aquele mesmo gesto num outro contexto, de preferência um que envolvesse travesseiros, lençóis e lingeries da Victoria’s Secret.
Voltei a ficar de frente para Joe assim que me vi sem o sobretudo, que foi pendurado num gancho ao lado da porta. Por causa do aquecedor, não senti frio, mesmo estando coberta somente por um ínfimo pedaço de pano.
— Fica bem de vermelho.
Senti que aquele foi o jeito de Joe expressar que tinha me achado bonita. Ou isso, ou eu era uma completa idiota mesmo, por enxergar o impossível.
Despistei minha falta de graça examinando a sala de estar de seu apartamento. O lugar autenticava o trabalho dele como arquiteto, pois era de muito bom gosto. Estranhamente, não havia qualquer outra pessoa lá além de nós dois.
— Onde estão seus amigos? — quis saber, curiosa. Se fosse uma emboscada para ficarmos juntos, eu seria grata pelo resto da vida.
— Lá em cima. — Joseph apontou para uma escada no fundo da sala. Então, minha ilusão se desfez. — Estão na cobertura. O show ainda não começou e o pessoal já está enchendo a cara de álcool. Acredito que o Bon Jovi seja só um pretexto.
— Não para mim — retruquei. — Vim aqui por causa dele e não pelas bebidas.
— Grande fã, hein!
— Desde sempre.
Rimos.
Antes de me levar até seus convidados, Joe me mostrou o primeiro andar do apartamento, sem chegar aos quartos. Demoramos um pouco mais na varanda, cuja visão do palco onde aconteceria o show era espetacular. Não me importaria se tivesse que ficar ali, sozinha, com um binóculo nos olhos, aproveitando a apresentação como se ela fosse dirigida só a mim.
— Venha conhecer o pessoal. Estão todos curiosos a seu respeito.
Eu me encolhi. Torci para que ninguém decidisse me bombardear com perguntas. Subimos as escadas em caracol, Joseph na frente. Tomei a decisão de ir atrás por medo de dar “showzinho”. Sabe como é. Saia curta, calcinha à vista. Minha avó sempre me alertara sobre esse risco.
Todas as cabeças voltaram-se em minha direção no momento em que pisei na cobertura. Havia pelo menos umas sete pessoas lá, encarando-me como se eu fosse uma ave rara. Não ensinaram a elas que é feio encarar os outros?
Joe fez uma apresentação geral, em inglês, sempre:
— Gente, esta é a Demi, filha do meu padrasto. Demi, estes são meus amigos.
Devo ter ficado da cor de meu vestido. Lá estava eu no centro das atenções de novo. Ainda bem que não fui ovacionada nem fizeram reverências para mim. Só faltava essa. Breves acenos de mãos e cabeças selaram as apresentações e pronto. Graças ao bom Deus. Meio sem saber o que fazer, fingi estar interessada nas estrelas que pipocavam no céu.
Até que um ser canino, mas pouco amistoso, entrou em meu campo de visão, fazendo meu estômago espantar as abelhas festeiras e receber um bolo de argamassa quente.
— Demi, então você veio! — Laika não era um amor? Criatura mais doce.
— Olá, Laika — disse, já arrependida por estar ali. — Pois é. Não perderia essa por nada.
Antevendo uma tempestade a sudoeste, Joseph se colocou entre nós.
— Laika, a Demi adora o Bon Jovi.
— E quem não gosta, não é? Mas estou admirada por seu pai ter permitido essa escapadinha, Demi. Soube que ele anda tão protetor.
Cada palavra daquela garota continha uma dose quase mortal de veneno. Uma vez eu tentara fazer uma lista de prováveis defeitos de Joseph, mas desistira antes de conseguir chegar ao item um. Agora eu sabia qual encabeçava a lista: Laika. Um homem normal, com todas as suas faculdades mentais, não namoraria uma ogra daquelas.
Mas adivinhe, Nome de Cachorro: produzo veneno também.
— Anda mesmo. Protetor demais. Mas basta o Joe entrar no meio da história que o Andrej cede.
O que foi esse som? Um rugido? Ha, ha, ha, ha! Durma com essa, branquela!
— Não vai ter que ir embora à meia-noite? — ela questionou, meio que brincando.
Mas Joe não aprovou o comentário, pois olhou para a namorada de um jeito irritado, doido para interromper as alfinetadas.
— Pensei em dormir aqui. — Pensei, coisa nenhuma. Ou melhor, até pensei. Fantasiei, na verdade. Mas não falei sério. Mas vi o rosto de Laika perder o controle e se obscurecer com uma nuvem de indignação e continuei: — Posso, Joseph?
Fiz tudo de propósito. E ainda o chamei do jeito que gostava, enfatizando a pronúncia abrasileirada.
Um leve rubor tingiu as faces dele, o que muito me impressionou, pois nunca vira Joe corar, nem uma vez sequer. Sorri de satisfação. Laika e eu estávamos ansiosas por sua resposta. Eu, particularmente, queria ver como ele sairia dessa.
— Bom...
Cortei-o, pois tive outra ideia brilhante:
— Eu não trouxe roupa, mas não me importo de usar uma camisa velha, Joseph.
— Tudo bem, Demi, mas pensei...
Simulei uma gargalhada, como se a piada tivesse sido hilária, para então esclarecer:
— Gente, estou brincando. Não tenho a menor intenção de passar a noite aqui. O Jorgensen vem me buscar quando eu ligar.
Laika soltou o ar devagar. Numa boa, a insegurança dela beirava a doença. Será que a garota não percebia que Joe não estava nem aí para mim? Que tipo de ameaça ela pensava que eu era?
— Demi, tudo bem se quiser ficar. — Joseph finalmente reencontrou sua voz. Mas reestreou-a com a frase errada. Nome de Cachorro encarou-o, perplexa. — Amanhã eu te levo de volta ao castelo. Não tem problema.
Convite tentador. Mas eu não tinha vocação para masoquista. E se Laika também resolvesse ficar? E não estava deduzindo que seria no quarto de hóspedes.
— Imagina. Era brincadeira mesmo. Já combinei tudo com o Jorgensen, tá? Mesmo assim, obrigada.
Dito isso, afastei-me do casal. E tomei uma decisão definitiva: depois daquela noite, manteria-me afastada deles para sempre. Eu não tinha condições psicológicas para continuar sofrendo a tortura de vê-los juntos, apaixonada como estava por Joe.
Fui até o bar e me servi de uma Coca-Cola. Tomei a bebida devagar, imaginando que talvez fosse melhor antecipar minha volta ao Brasil. Não que isso pudesse me fazer sofrer menos, mas pelo menos não precisaria olhar para ele e pensar que a história teria sido diferente caso eu estivesse no comando.
Também não sei se teria estrutura para seguir em frente e me preparar para outra. Estranho pensar que eu não fazia ideia do que era o amor até conhecer Joseph. E, quando descobri o significado do maldito sentimento, não tinha permissão para desfrutá-lo. Daria foco a meu curso de Direito assim que retornasse a Belo Horizonte. E nada, nada de homens por um bom tempo. Quem sabe nunca mais?
Na praia, o público explodiu num grito poderoso. Um estrondo como o de um trovão anunciou a entrada de Jon Bon Jovi no palco.
Corri até a ponta da cobertura, com o sangue pulsando rápido em minhas veias, mal acreditando que finalmente assistiria ao vivo ao show de uma de minhas bandas favoritas. Deu para enxergar Jon direitinho de onde eu estava, pena que não tão nitidamente quanto eu gostaria.
Os amigos de Joe se apertaram a meu redor e eu praguejei baixinho. Que coisa! Como cantaria a plenos pulmões as músicas que sabia de cor? E na hora que “Livin’ on a Prayer” começasse?
Então eu me lembrei da varanda e escapei sorrateiramente para lá. Que maravilha! Sozinha e com o espaço todo para mim, soltei a voz, acompanhando Bon Jovi com a letra de “Bed of Roses”.

I wanna lay you down in a bed of roses
For tonight I sleep on a bed of nails
I wanna be just as close as the holy ghost is
And lay you down on a bed of roses.

— Uau! Perfeito!
Uma voz estranha surgiu atrás de mim e palmas entusiasmadas fizeram a trilha sonora para ela.
— Além de princesa da Krósvia, linda e sortuda, você canta bem. Que surpresa!
Não gostei do tom. Ou será que a desconfiança passara a ser minha eterna companheira, pelo menos desde que eu me tornara uma pessoa pública? Mas o dono da voz era um cara bonitinho, com rosto de menino, e não demonstrava sarcasmo nenhum.
Ele estendeu uma mão para mim e disse:
— Sou Viktor. O Joe e eu somos amigos desde os tempos de escola. Acho que não fomos apresentados direito.
Apertei a mão dele, um pouco contrariada por ter perdido o foco do show.
— Demi.
— É claro. Também conhecida como a quase-irmã do Joseph. Estou feliz por finalmente conhecer você.
A expressão quase-irmã era ridícula. Irmão só se é ou não. Nada de quase. Voltei a olhar para o palco exatamente no instante em que Jon Bon Jovi gritava It’s my life. Fiz uma prece silenciosa para que o tal Viktor ficasse de boca fechada.
Mas ele pensou que podia se aproximar de mim, a ponto de ficar ombro a ombro comigo. Recuei um pouco, só para desencostar.
— Vi você na TV.
— Sério? — Ai, Senhor!
— Acompanhei sua cerimônia de apresentação. Foi incrível!
— Nossa! Que bom! — Que saco!
— Você aguentou bem.
— Verdade.
Ele fez uma pausa. Suspirei. Ainda era cedo demais para comemorar. Viktor realmente recomeçou a ladainha:
— Não deve ser fácil ter uma vida pública. Dessa última vez, a imprensa pegou pesado.

It’s my life, it’s now or never.

— Sim.
— Não sei por que os jornalistas pensaram que você e o Joe tinham alguma coisa. Ele e a Laika são apaixonados um pelo outro. O país inteiro sabe disso.

My heart is like an open highway.

— Pois é. — Alguém pode tapar a boca desse cara, por favor?
— Quer dar uma volta?

It’s. My. Life.

Nem me dei o trabalho de responder. Deixei Viktor com sua própria companhia enfadonha e peguei meu casaco antes de abrir a porta e escapar daquela festinha particular no apartamento de Joe.
Está certo que esse não era o combinado e meu pai poderia me matar se descobrisse. Mas eu não pensei muito e desci de elevador até o hall do prédio, apertando o sobretudo no peito tanto para me esconder do frio quanto com o objetivo de não ser reconhecida pelo porteiro.
Na verdade, quem teria a capacidade de me reconhecer se naquela praia escura eu era apenas mais uma na multidão? Sim, porque foi isso o que fiz. Ao chegar à calçada do edifício, atravessei a rua e pulei na areia. Minhas sandálias afundaram no terreno fofo e eu as retirei do pé. Caminhei descalça, embalada pela voz límpida e melodiosa de Jon Bon Jovi, abrindo caminho entre as pessoas e ciente da possibilidade de ser descoberta por alguém.
Abaixei minha cabeça e usei o cabelo para esconder o rosto, um tanto quanto figurinha carimbada na mídia nos últimos tempos. Ah, e que se danasse tudo! Como a música proclamara minutos antes, aquela era minha vida e eu tinha o direito de fazer o que quisesse. Ser reconhecida não poderia ser o fim do mundo, poderia? Afinal de contas, o que fariam comigo? Arrancariam minhas roupas?
No palco, a banda iniciou os acordes da canção que me deixava arrepiada toda vez que a ouvia, independentemente do lugar ou da situação.
Quando “In These Arms” começou, parei de andar entre a plateia e deixei música e letra me consumirem. Até porque, naquele momento, me dei conta de que ela se encaixava perfeitamente à fase “amor platônico” que eu estava vivendo:

You want commitment
(Você quer compromisso)
Take a look into these eyes
(Dê uma olhada dentro destes olhos)
They burn with fire yeah
(Eles queimam como fogo, sim)
Until the end of time
(Até o fim dos tempos)
I would do anything
(Eu faria qualquer coisa)
I’d beg, I’d steal, I’d die
(Eu imploraria, euroubaria, eu morreria)
To have you in these arms tonight
(Para te ter nestes braços esta noite)

Movi meu corpo seguindo as batidas arrebatada pela letra, pela situação, mas também mortificada pela impossibilidade da concretização de meus desejos. Caso eu decidisse sofrer mais um pouquinho, ficaria bem perto de me tornar uma poetisa ultrarromântica, consumida pelo amor e desesperada porque não era correspondida. Que patética eu era!
Na segunda estrofe da música, já não enxergava ninguém a meu redor. Era como se eu estivesse em meu banheiro, cantando apenas para as paredes.

Baby I want you like the roses want the rain
(Querida, eu te quero como as rosas querem a chuva)
You know I need you
(Você sabe que eu preciso de você)
Like a poet needs the pain
(Como um poeta precisa da dor)
I would give anything
(Eu daria tudo)
My blood my love my life
(Meu sangue, meu amor, minha vida)
If you were in these arms tonight
(Se você estivesse nestes braços esta noite)

Inevitável pensar em Joe e em seus braços fortes, além da tatuagem totalmente sexy que preenchia muitos de meus sonhos mais... bom, sabe como é.
Inevitável também foi escutar meu nome emergir de algum lugar no meio do público e ser repetido por um conjunto cada vez maior de vozes.
Santa mãe do céu, eu havia sido descoberta!
De uma hora para outra, rostos e corpos se moveram em minha direção e tudo o que consegui fazer foi ficar parada, congelada em estado de choque. Meus pés não saíam do lugar. Eu queria correr, fugir bem depressa. Por que não me movia? Será que estava num sonho?
Soube que a resposta era não ao ter o braço agarrado por uma mão forte, que me puxou bruscamente, libertando-me do torpor.
— Corre, Demi!
Ser princesa tem o poder de fazer isso: transformar a vida das pessoas num semiconto de fadas. Eu deixei de estar em apuros para ser literalmente salva por meu príncipe encantado. Só faltou o cavalo branco, mas isso eu dispensava devido às circunstâncias.
Sem raciocinar nada, obriguei minhas pernas a acompanhar o ritmo alucinado de Joseph, que havia se materializado na minha frente por puro milagre de Deus. Ah se não fosse ele... Eu já teria virado massa de panqueca.
— É a princesa Demi! — o povo gritava, mas não todo mundo. Ainda bem. Já pensou se o show fosse interrompido por minha causa?
Flashes de máquinas fotográficas espocavam feito fogos de artifício. Não sei que desejo mórbido é esse que as pessoas têm de querer registrar os momentos mais bizarros da vida dos outros.
Na correria, perdi minhas sandálias. Elas teriam sido excelentes armas caso algum engraçadinho tivesse conseguido me alcançar.
Com um solavanco, Joseph mudou de direção numa manobra que era puro ato reflexo.
Notando o amontoado de caixas de som agrupadas em pilhas numa das laterais do palco, ele me enfiou num vão entre elas e me escondeu com seu corpo. Para todos os efeitos, éramos um casal aproveitando a greta para dar uns amassos pesados.
Eu ofegava como um maratonista de primeira viagem. A corrida ensandecida e o medo de ser alcançada fizeram minha adrenalina subir até a tampa.
— Acho que os despistamos — eu disse, parando entre as palavras para tomar fôlego.
— Hum-hum.
Joe se mexeu e me encarou com uma fúria que eu não conhecia. Minha cabeça estava entre suas mãos, apoiadas na caixa de som onde eu me encostava. Então ele esbravejou, num tom baixo, mas ainda assim amedrontador:
— O que deu na sua cabeça? Por que veio parar aqui embaixo?
Dava para sentir a respiração dele, tão descompassada quanto a minha. De súbito, dei-me conta de nossa proximidade. Entre nossos corpos não havia frestas e nossos olhos se distanciavam por um ou dois palmos.
Mesmo no escuro, enxerguei a ira em seu olhar e mais alguma coisa. Também vi minúsculos pontinhos dourados misturados com o verde profundo de suas íris.
— Seu amigo Viktor é um chato — sussurrei, incapaz de desviar a atenção do brilho dos olhos de Joe.
— O quê?!
— Sua namorada dá azia em copo de bicarbonato.
Menos de um palmo. Bastava eu ficar um pouquinho na ponta dos pés e nossos lábios se uniriam finalmente. Isso porque Joseph estava todo encurvado em cima de mim.
Bon Jovi ainda proclamava:

We stared at the sun
(Nós olhamos fixamente o sol)
And we made a promise
(E fizemos uma promessa)
A promise this world would never blind us
(A promessa de que este mundo nunca nos cegaria)
These were our words
(Estas eram as nossas palavras)
Our words were our songs
(Nossas palavras eram nossas canções)
Our songs are our prayers
(Nossas canções são nossas orações)
These prayers keep me Strong
(Estas orações me mantém forte)
And I’d still believe
(E eu ainda acreditaria)
If you were in these arms
(Se você estivesse nestes braços esta noite)

— E eu amo essa música.
Foi a última coisa que eu disse. Pelo menos por alguns — mas não suficientes — minutos.
Porque eu mal havia terminado a frase quando Joe encerrou de vez o assunto colando sua boca na minha. E não foi um simples roçar de lábios, uma coisa de amigos ou quase-irmãos, não. Foi um beijo de verdade, desses que fazem o corpo acender e pedir mais e mais, até que a simples proximidade não seja suficiente e seja necessário adotar outras estratégias para manter os corpos unidos.
E assim eu fiz. Lancei meus braços em volta do pescoço de Joseph e o apertei contra mim, estreitando-nos num abraço desesperado, consequência de meses de espera, de expectativa. Joe envolveu minha cintura com um braço e enlaçou minha nuca com a mão livre. Ele não queria me soltar. Pelo contrário. Assim como eu, desejava estar cada vez mais perto. Então, aprofundou o beijo, abrindo minha boca com sua língua, que era pura magia, e me fez ter certeza de que aquele — ele — era o melhor lugar do mundo.
Nunca havia sido beijada daquela forma. Jamais alguém demonstrara sentir tanto desejo por mim como Joe naquele momento. O reconhecimento dessa realidade fez minhas pernas vacilarem. Eu estava nos braços do homem de meus sonhos.

O que eu faria quando acordasse?

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