O recado de Catarina
De:
Selena Gomez
Para:
Demetria Lovato
Assunto:
Preciso falar com você.
Demi,
liga para mim!
Estou
desesperada querendo falar com você, mas não atende minhas ligações nem
responde minhas mensagens desde sábado. O que está havendo aí? Sei que não deve
ser coisa boa, se não, não teria sumido desse jeito.
Sua
mãe também anda preocupada. O que aconteceu, amiga? Tem a ver com os paparazzi
de novo? Se for isso, desencana. São todos um bando de sanguessugas.
Conversa
comigo, vai?
Beijos...
Selena
Fiquei três dias inteiros
trancada no quarto.
Para todos os efeitos, eu tinha
pegado uma virose que me derrubara. Por sorte, meu pai viajou para participar
de uma conferência na França e me poupou de maiores explicações. Não que eu
tenha ficado totalmente imune a questionamentos. Irina e Karenina passavam para
me ver umas dez vezes por dia — cada uma —, indignadas com meu desânimo e minha
falta de apetite.
Pois é. Perdi a fome também. Fato
inédito em minha vida. Mas como conseguiria engolir se um bolo compacto e
resistente havia se formado em minha garganta e não dava sinais de que desapareceria?
Vejam só o que uma paixão não correspondida
faz com a gente. Nunca pensei que fosse sofrer por amor, como as heroínas das histórias
de época das quais eu tanto gostava. Mas lá estava eu: entrevada na cama, sem
motivação até para receber as meninas do Lar Irmã Celeste. Entretanto, como não
desejava chamar atenção para o fato de ter sido meio que rejeitada por Joe —
sim, porque ele não me procurara mais depois daquele dia —, inventei a tal
virose e tinha que ficar dando uns espirros mentirosos sempre que alguém
aparecia para me ver.
Também decidi desligar o celular,
de modo que não caísse na tentação de desabafar com quem me ligasse, ou seja,
com Selena, minha mãe ou vovó. Se ouvisse a voz delas, juro que cairia em prantos.
Sendo assim, passei três dias
meio catatônica, assistindo a filmes água com açúcar na TV a cabo, o que só
potencializou minha depressão, já que, vamos combinar, ver casais tendo seus
finais felizes, mesmo que na ficção, não era exatamente uma injeção de ânimo.
Em 72 horas, revi cenas e mais cenas de beijos calientes, chorei baldes de lágrimas
revendo Titanic e Um Amor para Recordar, entreguei-me mesmo a uma autoflagelação.
Minha mãe sempre diz que, às vezes, não faz mal ter pena de nós mesmos. Então, eu
tive.
Mas também me deixei levar de
volta ao show de Bon Jovi e repassei meu momento com Joseph milhares de vezes
em minha cabeça. Nem na milésima primeira vez deixei de me arrepiar ao lembrar
o beijo e a sensação que ele provocara em meu corpo. Ah, se eu pudesse voltar atrás
e repetir a dose, só que em câmera lenta para durar mais. Porém, de nada
adiantava sonhar, pois não havia a menor possibilidade de tudo aquilo voltar a
acontecer.
Por isso, na manhã do quarto dia,
me levantei da cama decidida a me entregar ao clichê de sacudir a poeira e dar
a volta por cima. Ou eu vencia essa fase difícil ou teria que arrumar as malas
e partir de volta ao Brasil o mais rápido possível. Só não dava para continuar
entregue à apatia.
Minha primeira providência foi
tomar um banho relaxante de banheira, com direito a sais e muita espuma. Fiquei
perdida em pensamentos até a água esfriar. Depois, vesti uma roupa quente e confortável
e me sentei na frente do computador, resolvida a escrever uma resposta para a
mensagem desesperada de Selena. Estava disposta a me abrir de vez com minha
melhor amiga. Quem sabe aquele bolo desaparecesse de minha garganta?
De:
Demetria Lovato
Para:
Selena Gomez
Assunto:
Olá!
Amiga,
Antes
de começar, gostaria de lhe pedir desculpas. Não tenho sido uma boa BFFL (Best
Friends For Life). Porque melhores amigas não escondem coisas uma da outra e
tudo o que tenho feito nos últimos tempos é omitir um fato que você já
percebeu, mesmo eu não tendo coragem de admitir. Até hoje.
Pois
é. Você estava certa quanto ao fato de eu estar apaixonada pelo Joe.
Aliás,
depois que você foi embora, apaixonada passou a ser eufemismo para meus
sentimentos. Estou louca por ele, acho que desde sempre, e isso está me matando.
Penso nele o tempo todo e mal consigo articular um raciocínio sem envolver o
nome dele na história. Eu sei. É doentio. Mas o que posso fazer? Ainda não
descobri uma forma de mandar no meu coração.
Meu
maior desejo é acordar numa manhã completamente curada dessa paixão. Adoraria
exclamar: “Graças a Deus! Passou!” Mas acho que não vai rolar. Está vendo? O
negócio é feio mesmo, amiga.
Para
piorar tudo, o Joe começou a dar
sinais de interesse por mim. Você deve estar aí pensando: Mas
isso não é bom? Seria, se a Nome de Cachorro já tivesse
caído fora da vida dele. Mas, quer saber? A culpa nem é dela. O maior culpado
de tudo é o próprio Joe, que, assim como o Nick, fica ciscando em tudo quanto é
terreiro. Não dá.
É
isso, Selena. Tenho vivido que nem protagonista de novela mexicana, com direito
a bastante drama e lágrimas.
E
você? Como está? Já se livrou do Nick? Prometo não desaparecer mais, nem se de
repente as coisas piorarem por aqui, o que não é difícil de acontecer.
Obrigada
por ser minha grande amiga.
Amo
você.
Demi
Não fiquei esperando a resposta
de Selena.
Logo que enviei a mensagem,
desliguei o computador e saí do quarto. Queria visitar Karenina na cozinha e
aproveitar para comer alguma coisa.
Desci as escadas sem encontrar
uma alma viva, mas na cozinha me deparei com um princípio de caos. Tanto
Karenina quanto as arrumadeiras do castelo enchiam uma cesta com produtos de limpeza,
como se estivessem prestes a fazer uma grande faxina no mundo inteiro.
— O que estão fazendo?
— Ah, minha querida, você
melhorou! — Karenina se aproximou de mim, analisando-me com olhos de médica
pediatra. Ali, eu era a criança dela.
— Sim. Estou bem. Mas para onde
estão levando tudo isso? Tem algum evento marcado aqui no castelo?
— Ah, não. É só a limpeza mensal
do chalé da Ilha de Catarina. Fazemos isso sempre, para não deixar o lugar
deteriorar. Seu pai faz questão.
A Ilha de Catarina. Eu havia me
esquecido completamente dela. Mesmo avistando-a da varanda de meu quarto, nunca
mais pensara na história trágica de minha bisavó.
— Posso ir com vocês? — perguntei
à queima-roupa.
Karenina e as outras mulheres me
olharam, espantadas. Será que eu tinha dito alguma bobagem?
— Ir conosco? Mas por quê? Não há
muita coisa por lá.
— Estou curiosa e sem nada para
fazer. Prometo não atrapalhar, Kare, por favor. Queria tanto saber em que
condições minha bisavó Catarina viveu naquele lugar — implorei.
— Será que seu pai não vai achar
ruim?
— Ele nem está aqui na Krósvia,
Karenina. E não vai reclamar quando souber, garanto. Nem vamos sair dos limites
do castelo. Ah, vai. Não custa nada.
Vi que tinha ganhado a batalha
quando um sorriso brotou no rosto de Karenina. Ela pediu que eu fosse vestir
algo ainda mais quente, porque na ilha fazia muito frio.
— E parece que vai chover —
completou, de olho no céu através da vidraça da cozinha.
Voltei para o quarto e me enfiei
num jeans justo e num suéter de caxemira. Calcei botas de cano longo e me cobri
com um casaco de lã que batia nos joelhos. Para garantir, levei um par de luvas
— aquelas de couro que eu comprara meses antes — e um gorro quentinho. Por fim,
dependurei um cachecol no pescoço e me senti pronta.
Encontrei Karenina me esperando
no pátio dos fundos do castelo. Ela disse que iríamos de lancha e que o trajeto
era curto.
— Quem vai pilotar? — indaguei,
meio temerosa.
— Alguém bastante acostumado a
fazer isso, Demi — ela respondeu, achando graça de meu medo.
As outras mulheres já estavam na
lancha quando chegamos. Ficaram meio tímidas com minha presença e não
conversaram muito. Eu também preferi só observar, aproveitando a oportunidade
para relaxar diante daquele mar azul, apesar de o céu não estar com a melhor
das cores.
Realmente, a viagem foi rápida.
Nem cheguei a enjoar, o que sempre acontece quando estou em alto-mar. Desci da
lancha no pequeno cais de madeira e fiquei pasma com o que vi. Erguido sobre um
terreno arenoso, um charmoso e romântico chalé imperava na solidãoda ilha. E
engana-se quem pensou numa cabaninha de pau a pique. Era uma construção sólida,
não muito grande, mas espaçosa e firme o suficiente para que pessoas vivessem
ali uma vida inteira.
Uma coisa era certa: minha bisavó
Catarina devia ter vivido seus dias na ilha sempre de olho no continente. Pois
janelas não faltavam. Só na frente da casa contei três, e não eram pequenas. E todo
o chalé era contornado por uma varanda, de onde se tinha uma vista de tirar o
fôlego.
Caminhei devagar até a entrada,
imaginando como deveria ser solitário viver num lugar como aquele, mesmo sendo
tão bonito. Estremeci ao pensar que à noite a escuridão provavelmente engolia
tudo, tornando o ar sinistro como o dos cenários de filmes de terror.
Estremeci.
Karenina avisou que ia entrar,
mas eu continuei do lado de fora do chalé. Queria absorver tudo antes de ver o
que me esperava lá dentro. Andei pela areia procurando sinais do passado,
colocando-me no lugar de Catarina. Eu teria enlouquecido em meu primeiro mês
ali. Como ela conseguira sobreviver por anos?
Um trovão barulhento me deu o
maior susto e entrei correndo pela porta do chalé. Lamentei não ter levado
minha máquina fotográfica, pois o que avistei era digno de ser fotografado. Eu
fora transportada para dentro de um livro de história.
Que lugar precioso!
Boquiaberta, passei os olhos
lentamente pelos móveis e objetos de decoração da sala. Havia de tudo, desde um
conjunto de sofás de veludo verde-esmeralda com espaldar de madeira negra até
uma estante repleta de bibelôs antigos, raridades, talvez. O piso de madeira
exibia lindos tapetes orientais. Só não me perguntem como ainda estavam ali
depois de tantos anos. Meu bisavô Miroslav quisera punir sua jovem esposa privando-a
de companhia, mas não poupara nada em conforto e ostentação. Mas garanto que
ela teria trocado tudo por um casebre de palha se pudesse ter pessoas queridas
a seu redor.
De vez em quando, minha atenção
voltava para as mulheres que trabalhavam na limpeza dos cômodos do chalé. Mas
eu apenas as ouvia. Não apareciam em meu campo de visão.
Continuei examinando os
ambientes, ora chocada com a solidão que exalava de cada recanto, ora
maravilhada com as relíquias existentes ali. Até a cozinha era peculiar, com
seu fogão de ferro fundido e pia de porcelana branca, além da pequena mesa de
dois lugares, tão lustrosa que parecia nova.
Corri os dedos na superfície de
quase tudo que encontrei, como se meu toque pudesse captar o que Catarina
sentira no passado. Posso garantir que tive a nítida impressão de que ela
estava me mandando alguma mensagem do além, pois de uma hora para a outra pude
perceber que meu sofrimento por Joseph era insignificante perto do que minha
ancestral devia ter passado.
O quarto dela se revelou o cômodo
mais mágico do chalé. Ao colocar meus pés lá dentro, dei de cara com uma cama
de casal com dossel, forrada por uma colcha de renda branca e almofadas de
cetim rosa-chá. Duas das paredes eram cobertas por estantes de livros, ainda conservados
ali. De lá, eu não escutava mais as mulheres trabalhando na limpeza.
Aposto que Catarina passava horas
olhando-se no espelho da penteadeira instalada de frente para a cama e cheia de
frascos de perfumes e cosméticos sobre o tampo de mármore. Minha nossa! Tudo
parecia estar do jeito que ela deixara. Inacreditável.
De repente, um pensamento me
passou pela cabeça. Será que... Puxei depressa as portas do armário e comprovei
minha hipótese. Sim. Lá estavam os vestidos de Catarina, um a um, pendurados
com esmero e precisão. Minhas mãos voaram até eles, não resistindo ao desejo de
sentir a textura daqueles tecidos tão antigos, sobreviventes de uma época
trágica.
No meio de todos eles, um em
especial me chamou a atenção. Puxei-o do cabide com cuidado para não rasgar,
afinal, quantos anos poderia ter?
Tudo me levava a crer que se
tratava de um traje de gala. Mas não foi esse detalhe que despertou minha
curiosidade. Acontece que o vestido em questão era amarelo-ouro, tomara que
caia, idêntico ao que aparecia em meu sonho recorrente. Coloquei-o na frente do
corpo e me olhei no espelho. O reflexo era meu eu daquele sonho inexplicável.
Eu tremi.
De volta ao armário, preparei-me
para recolocar o vestido no lugar e respirei aliviada quando escutei passos
atrás de mim. Não me virei para ver quem era, certa de que só poderia ser Karenina.
Então, quis saber, sem olhar para trás:
— Por que tudo isso foi mantido
aqui durante esses anos todos, Kare? — questionei, ajeitando o vestido no
cabide. — É meio sinistro, não acha?
Silêncio.
A vida inteira eu duvidara da
existência de fantasmas, mas, naquele instante, com minha adrenalina correndo
solta nas veias, cogitei sair correndo e gritando de pavor pelo que poderia estar
plantado atrás de mim.
— Totalmente sinistro.
Três coisas aconteceram assim que
essa frase foi pronunciada:
1. Meu coração deu um salto
mortal dentro do peito.
2. O vestido amarelo-ouro
escorregou de minhas mãos e se espalhou pelo chão, bem a meus pés.
3. Eu me virei bruscamente e
encontrei um par de olhos verdes transbordando um monte de sentimentos, todos
por mim.
Minto. Foram quatro coisas.
Também perdi a voz.
— Também me pergunto por que este
chalé permanece intacto, principalmente por causa das circunstâncias que
motivaram sua construção — Joseph disse, de uma forma tão natural como se estivéssemos
batendo um papo informal há horas.
— Mas o Andrej diz que é um
tributo à antepassada de vocês.
Tum,
tum, tum. Ainda era
meu coração, totalmente acelerado.
— Na verdade, penso que a família
não quer se desfazer das coisas para não apagar a história.
Ele olhou para o chão e viu o
vestido. Aproveitei o desvio de seu olhar para recobrar meu autocontrole.
Respira.
Respira. Respira.
— Como você chegou aqui? — Tentei
disfarçar meu pânico.
— De lancha, ué. A nado é que não
foi. — Um momento sério como aquele e Joseph fazendo piada.
Outro trovão, agora mais alto,
rasgou o céu.
Estremeci.
— Onde está Karenina? E as outras
mulheres?
— Já foram. — Joe não tentou se
aproximar, mas sua voz estava cada vez mais sedutora e os olhos, cheios de
malícia. Senti-me tonta. — Avisei que tomaria conta de você e que não se preocupassem.
Eu disse para elas que só queria lhe fazer uma surpresa.
Ignorei a segunda parte da
resposta de propósito.
— E a lancha? Como vamos voltar?
— Ora, Demi, se vocês vieram em
uma e eu em outra, ainda nos resta uma lancha para voltar, né?
— Então, vamos — eu disse com
firmeza, abaixando-me para pegar o vestido do chão e pendurá-lo de volta no
armário antes que estragasse.
Mas Joe parecia outra pessoa. Ele
só moveu a cabeça, refutando minha proposta, e acrescentou:
— Não antes de eu te mostrar a
surpresa.
Franzi a testa. Para que universo
paralelo eu teria sido enviada? Nada daquilo fazia sentido.
— Venha aqui — ele me chamou.
— Joe, o que está acontecendo?
— Demi, não seja chata. Venha ver
o que eu trouxe para você.
Joseph estendeu um braço em minha
direção, oferecendo-se para me guiar. Eu até que me mexi, mas ignorei
deliberadamente sua oferta. Não faria a besteira de tocá-lo de novo.
Ele suspirou, acho que
inconformado com meu gesto, mas não retrucou. Saí do quarto de Catarina e Joe
me seguiu. Porém, quando percebi que não sabia para onde deveria ir, parei e
cruzei os braços sobre o peito.
— Onde está a tal surpresa?
— Na cozinha.
Dessa vez, ele andou na frente e
eu pude curtir a paisagem, quero dizer, pude me deleitar com a visão panorâmica
de toda a retaguarda de Joseph. Ele ainda era um veneno para minha sanidade,
especialmente vestido daquele jeito: calça jeans azul padrão, camisa preta de
botão para fora da caça, jaqueta de couro e as velhas botas de combate que eu
tanto amava.
Só eu mesma para viajar na
aparência espetacular de Joseph depois dos dias de depressão que passara por
causa dele. Prometi que procuraria um psiquiatra para analisar meu caso assim
que retornasse a Belo Horizonte. Minha mãe deveria conhecer algum.
— Tcharã!
Como um mágico que acabava de
finalizar um truque, Joe abriu os braços e apontou para a enorme cesta sobre a
mesa da cozinha. Meu estômago roncou, pois associei a cesta a comida e me
lembrei de que não tinha comido nada.
— É nosso piquenique particular.
Tem de tudo aqui dentro, afinal, eu sei que você adora comer.
Fiquei vermelha. Então, na cabeça
de Joseph eu era uma gulosa. Beleza de imagem.
— Ei, não precisa ficar
envergonhada. Foi um elogio — ele esclareceu, aproximando-se um pouco. — Porque
você é a única mulher que conheço que come com prazer, sem frescura. Mas, mesmo
assim, tem um corpo perfeito.
Mulher? Corpo perfeito? Essas
palavras não eram exatamente as que melhor caracterizavam minha pessoa.
Perplexa demais para falar,
fiquei encarando a cesta. Outro trovão retumbou e a chuva finalmente começou a
cair.
— Demi, por que está tão calada?
— Joe parou diante de mim, ficando a apenas um passo de distância.
Sentir seu cheiro — másculo,
viril — me fez corar ainda mais.
— Não sei o que veio fazer aqui,
Joe — reagi, ainda tonta de surpresa. Que nada! A quem queria enganar? Estava
tonta de desejo, isso sim.
— Jura que não? — Ele segurou uma
mecha de meu cabelo e prendeu-a atrás de minha orelha.
— Não acredito que seja tão
desligada.
— Do que você está falando? —
gemi, quase inconsciente de meus movimentos.
— Estou falando de nós. De mim e
de você. Do que sentimos um pelo outro. Fui claro agora?
Seus dedos não se desconectaram
de mim. Com a mecha presa, Joe deslizou-os pela pele de meu pescoço, tocando-me
tão levemente que mal dava para sentir. Ainda assim, era muito bom. Uma agonia,
mas uma agonia maravilhosa.
— Nem um pouco — retruquei. — A
que sentimentos você está se referindo? Só conheço o que há entre você e a Nome
de... digo, a Laika.
Meus reflexos mentais não foram
rápidos o suficiente para processar a manobra que Joseph fez. Só sei que
resultou nele prensando-me contra a mesa, que, apesar de pequena e antiga, era
bem firme.
— Demi, tenho consciência de que
errei com você — confessou, com os lábios tão próximos de meu rosto que pude
sentir seu hálito de menta. — Mas meu erro não foi beijar você enquanto ainda namorava
a Laika. O erro foi fazer você acreditar que eu queria estar com ela e não com
você. Também errei por não ter terminado meu namoro antes e explicado a você o
que eu sentia, o que eu sinto toda vez que fico perto de você. Mas te beijar,
Demi, foi a coisa mais certa que já fiz na vida, pois só comprovou tudo o que
eu pensava.
Eu.
Não. Acredito. Eu estava
mesmo ouvindo uma declaração de Joe?
— O que você pensava? —
instiguei-o, ofegante por antever no que aquilo ia dar.
— Que você me deixa louco.
— E a Laika? — sussurrei, incapaz
de raciocinar direito. Era muita informação nova para assimilar de repente.
— Desmanchei o namoro com ela na
noite do show.
— Mas então por que só agora...
Joseph colocou o indicador sobre
meus lábios. Foi bom, mas eu ansiava por outra parte dele colada neles.
— Para fazer do jeito certo. Do
jeito que você merece.
Com suas mãos firmes, Joe me
sentou sobre a mesa e se posicionou entre minhas pernas. Nossas respirações
ofegantes se misturaram numa só, mas não nos beijamos de imediato. Com os rostos
mais ou menos na mesma altura, fizemos nossos olhares se encontrarem e deixamos
que eles lessem os sentimentos um do outro.
Os polegares de Joseph desenharam
círculos em minhas bochechas e, para encerrar aquela tortura, aquele jogo de
quem resiste mais, cruzei minhas pernas atrás de seus quadris e puxei-o para
mais perto.
— Demi, qualquer dia desses vou
perder a cabeça por você.
— Faz meses que não vejo a hora
disso acontecer.
Então, nada mais foi dito. Em um
segundo, a boca de Joe se prendeu à minha, beijando-me ainda mais profundamente
do que da primeira vez.
Recebi-o com prazer, ajeitando-me
para ficar ainda mais colada a ele. Com a boca aberta, deixei que ele
explorasse todos os cantos dela e aproveitei para explorar a dele também. Nós
dois sentíamos a descarga elétrica que passava por nossos corpos e então
percebi que queria mais.
Muito mais.
Joe também. Desceu as mãos por
meus braços e depois acariciou minhas costas. No entanto, havia um excesso de
roupas entre nós. Como se tivesse lido meus pensamentos, Joseph desatou o cinto
de meu casaco de lã e enfiou suas mãos dentro dele. Ainda assim, era muito
pano. Com um movimento desesperado, arrancou o sobretudo de meu corpo e o jogou
de qualquer jeito no chão. Mas ele não ficou lá sozinho, largado no piso
antigo. Acabou ganhando a companhia da jaqueta de couro de Joseph, que não sei
como também já não estava mais cobrindo seus ombros e braços musculosos.
Os lábios de Joe, de repente,
estavam em todas as partes. Eu podia senti-los em meu pescoço, meu queixo,
minhas orelhas. E eu só pensava: finalmente!
Alisei o tórax dele e contornei
todos aqueles músculos que me tiravam do sério havia meses. Então, Joseph
gemeu. E desgrudou a boca de cima da minha só para sussurrar:
— Eu quero você, Demi.
Em vez de me derreter de vez e me
entregar por inteiro para ele, coisa que eu queria havia tanto tempo, só
consegui pensar no terrível fato de não estar usando uma única peça da coleção
de lingeries da Victoria’s Secret que eu comprara especialmente para uma
ocasião como aquela. No momento, eu vestia um par descombinado de calcinha e
sutiã cor de areia super sem graça.
Mas não foi essa constatação que
me fez pular da mesa e sair dos braços de Joe, inspirando loucamente para
recuperar o fôlego perdido entre os beijos alucinados. Gente, eu ainda era...
Eu nunca... Céus!
— Desculpa, Joe, mas não posso
continuar.
— O que foi que eu fiz? —
questionou ele, rouco de desejo e frustração.
— Nada. É só que... Eu...
Não consegui confessar. Como
contar para ele que era virgem e sem experiência nenhuma? Eu queria me deixar
levar. Ah, se queria! Mas parecia tão errado... afinal, não tínhamos um relacionamento
nem nada. Sem contar que até há poucas noites Joe dormia enroscado com outra pessoa.
Visivelmente confuso, Joseph me
puxou delicadamente e me abraçou, apoiando sua cabeça no topo da minha.
— Eu já sei o que vai dizer —
disse. Seus dedos desciam e subiam devagar entre meus cabelos. Um carinho
despretensioso, até inocente, que me deixou em sinal de alerta novamente. — E não
me importo, Demi. — Joe se afastou e me olhou dentro dos olhos. — Porque tudo o
que mais quero agora é ficar com você, não importa como. Eu passei esses
últimos meses tentando descobrir o que sentia em relação a você. No início,
fiquei implicado com sua chegada.
— Eu bem sei. Percebi sua
desconfiança. Aliás, pode confessar, Joe. Você achou que eu era uma golpista.
Ele riu de um jeito gostoso,
relaxado, sem culpa.
— É verdade. O Andrej sai da
Krósvia viúvo e sem filhos e volta todo sorridente com uma filha debaixo dos
braços. Custei a assimilar essa novidade, não por ciúme ou medo de perder meu posto,
mas porque a história em si era muito incoerente. Não queria que ele se
decepcionasse. Você entende meu lado agora, né?
— Mais ou menos. Joe, você me
julgou sem me conhecer. Fiquei bastante ofendida, se quer saber.
Com um sorriso que já não saía do
rosto, Joseph me levou até um dos sofás verdes da sala e nos sentamos juntos,
aconchegados um no outro.
Lá fora, a tarde virou noite de
repente devido à intensidade da chuva que caía. Eu nunca gostei de raios e
trovões. Mas naquele momento achei-os maravilhosos. Eram como música para meus ouvidos.
Tudo se tornava lindo só pelo fato de eu estar com Joe.
— Mas não demorei a reconhecer
que você é especial — ele disse. — Quando me ofereci para ser seu acompanhante
nos passeios pelo país, paguei por tudo o que tinha pensado.
Estiquei o corpo e recostei-me no
encosto do sofá para olhar para ele. Não me cansava de me perder naqueles olhos
verdes.
— Você é divertida — beijou minha
testa —, engraçada — meu nariz —, inteligente — meus olhos —, autêntica — meu
pescoço —, extremamente sexy — minha orelha — e linda — minha boca.
Ofeguei, voltando a ficar na
expectativa.
— Em poucos dias, eu me apaixonei
e não conseguia mais parar de pensar em você. Mas a Laika...
Estremeci. A menção ao nome
daquela garota era um banho de água fria.
— Não, por favor, não toque no
nome daquele ser canino, quero dizer, no nome dela.
Tentei disfarçar meu fora, mas
Joe percebeu.
— Ser canino? Como assim?
— Nada...
— Demi...
— Ah! Ok, eu vou falar. Sempre
chamei a Laika de Nome de Cachorro, mesmo antes de conhecê-la, porque na minha
terra Laika é nome de cachorro mesmo e eu morria de inveja dela, ainda que não
tivesse reconhecido meus sentimentos por você.
Joe soltou uma gargalhada forte,
exibindo sua arcada dentária perfeita.
— Agora você já reconheceu?
Fiquei tímida. Não queria
discutir meus sentimentos com ele. Nem ao menos sabia como começar a falar
deles
— Ei, Demi. — Joseph segurou meu
queixo e me fez encará-lo. — Chega de negar o óbvio. Ainda não acredito que
nunca notou meu interesse por você, mas não quero esconder mais nada. Então,
por favor, vamos ser honestos um com o outro? Porque eu não aguento mais me
segurar e fingir. Aquele dia, na Caverna do Pirata, eu estava pronto para
admitir. Não fosse sua reação, toda fria, juro que teria sido franco, inclusive
com o Andrej.
— Minha reação foi o de menos. A
Laika, sim, era o maior empecilho — discordei. — Não nasci para ser a outra na
vida de ninguém.
— Não é a outra, Demi. E nunca
vai ser. É a única para mim. Estou apaixonado, louco e quero você. Quantas
vezes vou precisar dizer isso para você acreditar?
Joseph tocou a rosa de diamante
que pertencera à mãe dele e agora pendia de meu pescoço. De alguma forma,
compreendi a simbologia: estávamos ligados. Então, não tive mais medo e
despejei tudo o que sentia:
— Você não faz ideia do que eu
tenho passado, Joe. Passo os dias tentando esconder até de mim mesma o tamanho
do meu sentimento. Estou totalmente apaixonada por você.
Ele se inclinou e pressionou meu
corpo com o dele. Fui tomada por uma necessidade quase animal de pertencer a
Joe, então, enlacei seu pescoço e o beijei bem ali, sugando e mordendo-o.
Enquanto o deixava ofegante, tive consciência de partes de minha anatomia que
nem sabia que existiam. Fui amolecendo feito gelatina fora da geladeira.
— Repete o que disse, Demi —
Joseph ordenou, agoniado.
— Estou apaixonada por você —
sussurrei, perdida nele.
Novamente, nossas bocas se uniram
e eu não pensei em mais nada. Simplesmente me deixei levar pela urgência de
senti-lo cada vez mais perto. O desejo de Joe por mim era insano e visível, mas
ele se esforçava para se controlar e não avançar o sinal.
Então, percebi que fazê-lo
esperar por mim só servia para agradar as convenções ditadas pela sociedade. Eu
seria uma boa moça perante os conceitos de moral e bons costumes se me mantivesse
“pura” por mais alguns meses. No entanto, estaria indo totalmente contra meus princípios,
minha verdade, se refreasse minha vontade naquela noite. E ela berrava
no fundo do meu cérebro: seja dele!
— Não quero esperar — assumi.
— Demi, a gente não precisa fazer
isso hoje.
— Não diga “não precisa” —
retruquei. — Porque o verbo certo é quero. Eu quero você agora.
Para deixar minha decisão bem
clara, puxei as mãos de Joe e coloquei-as sob meu suéter. Larguei o resto por
conta dele.
Sem hesitar, ele puxou a barra da
blusa, mas parou no meio do caminho para confirmar minha decisão. Fechei os
olhos com força e levantei os braços, dando a Joseph uma resposta muda, porém
taxativa. Eu tinha feito minha escolha. E nada no mundo me faria voltar atrás. Joseph
demorara para ser meu, mas agora era. E eu era dele. Não me importaria de
passar por tudo aquilo novamente se soubesse que acabaríamos como estávamos:
nos braços um do outro.
Delicado, ele me carregou até o
quarto de Catarina e me deitou sobre a cama de dossel, que só conhecera
tristeza e solidão. Mas lá estávamos nós dois para mudar aquela história. Eu
nem ligava mais de não estar com aquelas belas peças da Victoria’s Secret.
Haveria outros momentos para exibi-las com orgulho.
Pois, no instante em que Joe e eu
nos unimos, tudo no mundo passou a ser belo. Até minha velha lingerie.
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