domingo, 6 de julho de 2014

Capítulo 14 – Simplesmente Demi - MARATONA

Divulgação: Sedução e Vingança

Feijoada com farinha

Por alguns dias, a imprensa o meu suposto affair com Joseph. Os jornalistas, principalmente os especializados em fofoca — mas não apenas estes —, perderam horas e horas com suposições e conjecturas, afirmando categoricamente que tudo indicava que Joe e eu éramos um casal.
Chegaram a publicar reportagens completas com fontes autenticando a versão sensacionalista de um relacionamento fictício. E, pelo jeito a notícia era quente, uma vez que a mídia custou a largar o osso, inclusive a brasileira. Fui procurada até pela produção do Fantástico, o único programa no qual meu pai permitiu minha participação.
Então, as portas do Palácio Sorvinski foram abertas para receber a reportagem do Fantástico.
Foi interessante contar como minha vida havia virado do avesso da noite para o dia e a repórter se divertiu quando contei que tanto Ana Maria Braga quanto o Facebook foram os maiores responsáveis pela reviravolta. Ela quis que eu explicasse melhor, então eu disse:
— Minha mãe estava no Mais Você preparando uma das receitas maravilhosas dela e, sem querer, meu pai assistiu ao programa e soube que ela tinha uma filha. Ele ligou os pontos e recorreu ao Facebook para chegar a mim.
A pergunta que gerara o verdadeiro interesse do programa finalmente acabou sendo feita e não me importei quando o assunto foi abordado, pois não suportava mais ouvir todos os boatos e invenções de boca fechada.
— E então, Demi, o que há entre você e o Joseph Jankowski?
Antes de responder, acabei suspirando inconscientemente.
— Absolutamente nada — afirmei com toda convicção. Porque era a verdade, gostasse eu ou não.
Desde o fatídico — mas excitante — dia na Caverna do Pirata, não tivera mais nenhuma notícia de Joseph. Ou seja, ele ignorara a ressalva de Andrej sobre estarmos livres para passar nosso tempo juntos desde que dentro dos limites do castelo. Portanto, o que mais eu poderia dizer? A única resposta possível era que não tínhamos um relacionamento. Ele não queria nada comigo e uma pessoa sozinha não formava um casal. Simples assim.
Soube que Nome de Cachorro havia armado a maior tempestade quando tivera acesso às fotos do paparazzo — que, aliás, estava lucrando horrores às minhas custas. Irina comentou que fora um barraco daqueles, com direito a quebra-quebra no apartamento de Joseph. Como ela soubera disso? Não me perguntem, mas tenho um palpite: Andrej Markov.
Laika ameaçara terminar o namoro, mas Joe acabara dominando a situação. Conclusão: gostava mesmo da garota, pois a deixa não poderia ter sido melhor.
Depois dessa, caí num processo meio depressivo. Não havia solução para meu amor platônico. No castelo, ninguém entendia meu abatimento, embora quase todo mundo apostasse que a causa fosse a privação de liberdade à qual fui submetida.
As meninas do Lar Irmã Celeste mantiveram suas visitas e só não me deixei embalar totalmente pela melancolia por causa delas, que se tornaram pessoas muito especiais em minha vida. Elas iam até o castelo pela leitura, mas sempre escapávamos para um passeio pelos arredores, às vezes acompanhadas por Bruce, de vez em quando por Irina e até por tia Marieva e suas crianças.
Esse meu novo lado altruísta também foi explorado na entrevista ao Fantástico. Consequentemente, passei a ser comparada a Lady Di, a princesa do povo, dos pobres. Para dizer a verdade, detestei a comparação. Não por Diana, é claro. Só achei uma baita forçada de barra, uma vontade louca de me rotular de uma forma ou de outra.
Mais uma injeção de desânimo.
E o tempo, senhor soberano de nossos destinos, foi passando, empurrando-me para a segunda metade de minha estadia na Krósvia, fato que me consolava, mas também alimentava minha angústia. A situação passou a ser a seguinte: num dia, eu desejava voltar para casa; no outro, chorava só de pensar nisso.
No final de novembro, consegui pagar a promessa de preparar e oferecer uma feijoada a tia Marieva e sua família. O clima contribuiu, pois estava frio, ou melhor, gelado. Escrevi uma listinha de ingredientes e pedi a Jorgensen que fosse ao mercado de importados. Lá, ele achou tudo, inclusive farinha de mandioca torrada na Bahia. Eu estava disposta a caprichar, a fazer com que meus convidados krosvianos jamais se esquecessem do famoso prato brasileiro.
Expulsei todo mundo da cozinha e implorei a Karenina que não aparecesse para bisbilhotar. E fiz mais: convoquei-a para o almoço, não como cozinheira, mas como convidada de honra. Ela debulhou um monte de desculpas, mas eu não quis nem saber. O dia era meu, assim como o fogão.
Por estar concentrada no preparo da feijoada, não vi o momento exato em que tia Marieva entrou no palácio, mas logo soube da chegada, pois consegui escutar os gritinhos de meus primos. Ninguém foi me cumprimentar, já que deixara ordens expressas para nenhum ser humano aparecer na cozinha.
Distraí-me completamente temperando e cortando as carnes, fritando as costelas, os paios, os pedaços de lombos, as fatias de bacon. Cozinhei o feijão preto, descasquei as cebolas e os alhos e piquei a couve com uma precisão cirúrgica. O ambiente foi sendo impregnado pelos odores da culinária brasileira. Se o sabor da feijoada estivesse tão bom quanto o cheiro, calorias subiriam naquele dia.
Em outra panela, refoguei o arroz do jeito que aprendera com minha mãe. Primeiro, coloquei um filete de óleo de canola e fritei os grãos. Só depois temperei com uma colher de sal com alho, mexendo bem para espalhar o tempero. O segredo para deixá-lo soltinho era colocar água previamente fervida sobre o arroz frito e cozinha-lo em fogo baixo.
Descasquei e fatiei laranjas frescas, refoguei a couve e, antes de servir meus convidados, separei um vidro de pimenta malagueta, um tesouro que Jorgensen trouxera para mim do mercado. Pronto: a hora da verdade havia chegado.
Uma empregada surgiu para me ajudar a levar a comida para a mesa, que já estava divinamente posta. Por um instante, vacilei. Meu cheiro não estava adequado para a ocasião, muito menos minha aparência. Uma manhã inteira dando uma de Tia Anastácia acabava com o charme de qualquer um. Mas tomar um banho era um luxo que eu não poderia me dar naquele momento. Estavam todos me esperando.
Eu só não esperava que entre todos Joe estivesse no meio. Semanas sem vê-lo não foram suficientes para que eu o esquecesse, nem para que minha paixão diminuísse. Pelo contrário. Quando nossos olhos se encontraram — ele, sentado em frente à grande mesa da sala de jantar, e eu, carregando um caldeirão de feijoada —, senti meus músculos se contraírem dentro do peito e uma vontade louca de pular no pescoço dele e beijá-lo quase me dominou.
Ainda bem que Nome de Cachorro não fazia parte do grupo. Caso contrário, acho que seria capaz de entornar o caldo de feijão na cabeça loira dela.
Só desviei meu olhar de Joseph porque palmas entusiasmadas chamaram minha atenção. Com certeza elas não tinham nada a ver com minha beleza — ou com a falta dela naquele momento. Aposto que a comoção foi motivada pelas barrigas roncando.
Karenina me olhou com timidez, pois acredito que nunca na vida já estivera sentada naquela cadeira, desfrutando da posição de servida e não de servidora. Irina era só sorrisos e aprovação. Marcus, o marido de tia Marieva, parecia um cachorro raivoso, pois quase pude ver uma baba escorrendo nos cantos de sua boca. Eca!
— Servidos? — perguntei, de repente muito inibida e insegura.
Meu pai, com cara de esfomeado, suspirou:
— Já era tempo!
E como se fôssemos uma família comum, daquelas que a maioria das pessoas tem, atacamos a feijoada, falando e gesticulando, atropelando uns aos outros, fazendo brincadeiras, enfim, deixando-nos levar por uma sensação de bem-estar até então inédita para mim desde que chegara à Krósvia.
Nada de criados fazendo as honras de servir um a um, nada de formalidades desnecessárias. Éramos apenas nós, uma família muito barulhenta e animada, empolgadíssima com o prato de domingo.
— Menina, suas mãos são mágicas. — O elogio foi feito por Marcus. — Esta feijoada está divina!
Agradeci polidamente.
— É verdade, querida. Até as crianças comeram — completou tia Marieva, admirada com o apetite dos filhos, normalmente chatos para comer.
— Você vai ter que aprender a fazer isso, Karenina — avisou meu pai, já no terceiro prato. Notei que ele havia não só aprovado a farinha de mandioca, mas consumido boa parte dela.
— É. Quando a Demi for embora... — Irina começou a falar, mas deixou a frase morrer. De repente, ninguém sorria mais.
— Demi, você vai embora? — indagou minha priminha Giovana, com uma carinha que só as crianças sabem fazer quando se decepcionam.
Senti meu coração partir.
Todos me encararam, na expectativa de minha resposta. E eu preferia ter que comer milho cru a discutir aquele assunto à mesa do almoço.
— Daqui a uns meses, lindinha. Ainda vai demorar um pouquinho. — Quis parecer despreocupada e sorri para autenticar a fachada tranquila.
— Por que você não pode ficar para sempre? — Foi a vez de Luce questionar.
Lá se foi a alegria do almoço. Por que Irina tivera que abrir a boca?
— É complicado, Luce — murmurei, apoiando o garfo no prato. — Gostaria de poder ficar mais, mas deixei minha mãe para trás, meus avós, minha faculdade...
— E quando você se for, vai deixar o tio Andrej, minha mãe, a gente — ela apontou para si e para os irmãos —, o Joe. Não dá no mesmo?
Aquele, sim, era um argumento e tanto. Senti-me encurralada.
Ouvi meu pai fazer um barulho com a boca, como se dissesse: “explica essa agora, Demi”. Relanceei o olhar para Joseph, cuja expressão me desafiava a prosseguir.
— Sim, vai ser muito triste partir — admiti. — Quando eu voltar para o Brasil, vou sentir muita saudade de todos vocês. Muita, muita, muita saudade.
Como já era costume entre nós, conversámos em inglês. Mas a palavra saudade eu fiz questão de pronunciar em minha língua-mãe, para expressar com exatidão o que sentiria ao deixá-los para trás.
Saudade? — tia Marieva repetiu, com uma pronúncia engraçada. — Como assim?
— Sempre ouvi dizer que saudade é uma palavra exclusiva da língua portuguesa. Quando dizemos que estamos com saudade, significa que sentimos uma falta tão imensa de alguém que a dor queima no peito. É como se a alma ficasse meio perdida sem a proximidade das pessoas de quem temos saudade.
Todos me escutaram com atenção, até as crianças. Acredito que estavam processando a explicação que dei e procuravam entender a dimensão do tal sentimento. Joe me olhava de um jeito novo. Parecia melancolia misturada com alguma outra coisa, algo intenso e meio irracional. Mas não consegui identificar o que era.
— Saudade é ruim — Giovana concluiu.
— Dependendo do ponto de vista, sim. Ela só é boa quando sabemos que podemos matá-la, ou seja, quando reencontramos quem não está por perto.
— Então, por que você não fica na Krósvia, Demi? E vai ao Brasil só para... matar a saudade? — sugeriu Luka, com toda a sua inocência infantil.
— Bom, acho que daqui para a frente vou viver sentindo e matando saudade, de uma forma ou de outra.
Tia Marieva assentiu. Seus olhos brilhavam, acho que de emoção.
— Crianças, não deixem a Demi triste. Claro que ela vai estar sempre conosco, sempre que puder vir, não é, querida?
Balancei a cabeça, concordando. Mas não queria falar mais. Se fizesse isso, correria o risco de engasgar, levando em consideração quanto meu peito doía. Falar de saudade era tão ruim quanto sentir. Mas pior ainda era sentir saudade de alguém que provavelmente não retribuiria esse sentimento. Portanto, quando a falta de Joseph apertasse de meu lado do Atlântico, seria a saudade mais solitária do planeta.
Tivemos aquele momento deprê durante o almoço, mas ele passou. O assunto feijoada voltou ao topo das conversas e nós nos deixamos levar pela letargia provocada pela barriga cheia. Acabamos todos esparramados nas espreguiçadeiras do terraço, com clima frio e tudo, enquanto saboreávamos um cafezinho, indispensável depois de uma comilança daquelas.
O final da tarde chegava lentamente, colorindo o céu de rosa, um indicador incontestável da noite gelada que se aproximava. Já com o repertório de assuntos meio esgotado, passamos a falar de música. Ao afirmar que era fã de Bon Jovi, Joe abriu um sorriso cheio de intenções obscuras e soltou essa:
— Já vi que não sabe que os caras vão dar um show aqui em Perla na próxima sexta-feira. — Ele balançou a cabeça. — Está desinformada, hein?
— Como é? O Bon Jovi, aquele Bon Jovi incrível e maravilhoso, vai fazer um show aqui?
Joseph franziu as sobrancelhas, com cara de nojo.
— Incrível e maravilhoso, tudo isso é por sua conta — desdenhou ele. — Mas o show vai acontecer mesmo. Estão montando um palco na praia, em frente ao meu prédio.
Abri a boca e me esqueci de fechar. Nunca tinha ido a um show de Bon Jovi. Na última apresentação da banda no Brasil, minha mãe não me deixara ir, pois eles não se apresentaram em Belo Horizonte e viajar para o Rio de Janeiro ou São Paulo no meio da semana não era uma boa ideia. Pelo menos para ela. E agora lá estavam eles, ou melhor, ele, Jon Bon Jovi, em Perla.
Encarei meu pai na esperança vã de que ele permitisse minha ida ao show. Mas nem cheguei a pronunciar um pedido. Andrej foi mais esperto:
— Nem me peça para ir. Imagine você, em público? Não faz o menor sentido.
— Paaaiii... — Fiz beicinho, não para comover, mas porque estava mesmo disposta a implorar. — Por favor. Eu me disfarço, coloco um boné, pinto o cabelo de roxo, visto uma burca. Mas não me impeça de ir. Eu amo o Bon Jovi!
Meu apelo só serviu para provocar uma gargalhada grupal. Acho que mencionar a burca foi meio demais.
— Não vamos negociar isso, Demi. Fim de papo.
Droga, droga, droga, droga! Quero a minha vida de volta!
Saí da espreguiçadeira num pulo, preparada para fazer uma retirada teatral, puxando a capa num gesto dramático (se eu estivesse de capa, digo).
— Andrej, é claro que a Demi não pode assistir ao show no meio do público. — Nem acredito que Joe teve a coragem de concordar com meu pai na minha cara. Que cretino! — Mas da minha varanda tudo bem, concorda?
Da varanda dele? Como assim?
— Da sua varanda...
— É. Vou ter uma visão privilegiada. O palco está na frente do meu prédio. Pensei em reunir uns amigos lá em casa e assistir ao show da varanda ou da cobertura. E, se você deixar, levo a Demi comigo.
Aquele homem existia, gente? Ele era de verdade? Porque não parecia. Agora, mais essa. Ir para a casa dele. Ficar com ele na casa... dele.
Ouvir Bon Jovi gritar Always da casa dele. Céus, vocês estão me enviando um sinal? Era o que parecia.
Depois, lembrei que Joe dissera algo sobre reunir os amigos. Isto é, não estaríamos sozinhos. Melhor admitir que a oferta era por caridade. Mesmo assim, eu não recusaria. Ah, não! Em que outra vida eu teria a oportunidade de ver Jon Bom Jovi de perto — ou quase — e escutar suas músicas ao vivo? Talvez nunca mais.
Fiz cara de desesperada para Andrej. Tive medo de falar e comprometer o efeito da expressão desolada.
— Joe, que amigos vão estar lá? — meu pai quis saber.
Apertei a mão de tia Marieva com força. Uma súplica velada.
— Alguns, só os mais chegados e confiáveis, Andrej. Ninguém vai tirar pedaço da Demi. Prometo.
Bom, se ele quisesse tirar não só um, mas vários pedaços, eu não me oporia.
— E a Laika? Depois daquele episódio...
Meu pai tinha que se lembrar de Nome de Cachorro?
— Ela já está mais calma — assegurou Joe. — Pode ficar sossegado, Andrej, eu tomo conta dela, ok? Ninguém vai se aproximar da nossa Demi, nem sequer encostar um dedo nela.
Homens são uns insensíveis mesmo. Nenhum dos dois se preocupou em pedir minha opinião! E aquela coisa de nossa Demi? De onde Joseph tirou essa? Se ele quisesse mesmo ter algum direito sobre minha pessoa, era só pedir. Não deveria ficar fazendo insinuações levianas. Afinal, eu não tinha sangue de barata.

Entretanto, Andrej disse sim. Não sem antes desfiar um terço de recomendações na cabeça de Joe e listar uma infinidade de poréns relacionados a meu bem-estar. Eu era muito sortuda mesmo. Vivera minha vida inteira fazendo quase tudo que queria e agora, com quase 21 anos, eu dependia do consentimento de meu pai para tudo.

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Respostas dos comentários do Cap anterior: Capítulo 13

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