domingo, 6 de julho de 2014

Capítulo 18 – Simplesmente Demi - MARATONA

Meu mundo caiu

Acordei no início da manhã, ainda bem cedo.
Apesar de meu corpo estar meio moído, sentia-me muito feliz, realizada e completa. Minha primeira vez fora surreal. Ou eu deveria dizer primeiras vezes? Sim, porque, com a tempestade, tivemos que passar a noite inteira na Ilha de Catarina.
Portanto, tivemos tempo de sobra para realizar todas as minhas fantasias — no bom sentido, pelo amor de Deus — com Joseph.
Valeu a pena esperar. Eu sempre fora criticada por minhas amigas porque adiara ao máximo a perda de minha virgindade, enquanto a maioria preferira seguir pelo caminho do “deixa rolar”, muitas vezes com qualquer um. Ainda na época da escola, vira muitas meninas de minha sala esconderem cartelas de anticoncepcionais em bolsos falsos da carteira para não serem flagradas pelos pais. Não porque tivessem um namorado, mas porque estavam sempre na expectativa de uma aventura nos finais de semana.
Numa dessas, uma garota acabou engravidando. Ela só tinha 15 anos. E sabem quem era o pai? Um universitário que namorava outra menina havia séculos. Por essas e outras, sempre tive muito medo.
Assim, optei por me preservar. E não me arrependo. Eu não poderia ter escolhido um homem mais perfeito para ser meu primeiro, nem um cenário mais ideal que o daquela noite.
Saí da cama com cuidado para não acordar Joseph. Devido à chuva, o clima estava bem frio. Enrolei-me numa manta e fui até a cozinha, pé ante pé. Meu estômago exigia comida. Também, depois de tanto esforço...
Sorri ao repassar na mente cada momento, desde a chegada de Joe ao chalé, quando me dera o maior susto, até o último suspiro da noite, ou melhor, do final da madrugada. Lembrei-me de termos perdido a razão a ponto de eu não diferenciar meus gemidos dos dele. Acho que a sincronia foi perfeita.
O mais impressionante de tudo foi a pergunta que Joe me fez, enquanto ainda vestíamos parte de nossas roupas. Fiquei completamente desconcertada.
— Demi, o que fez com aquela sacola enorme de lingeries?
— O quê? — ofeguei, com o rosto enterrado em um de seus ombros.
— As lingeries novas. Eu vi a sacola da Victoria’s Secret naquele dia da orgia consumista.
Meu rosto quase entrou em combustão espontânea. Ele não podia estar falando sério. Apoiei-me nos cotovelos e o encarei.
— Eu não saio por aí com meus conjuntos lindos e novinhos, principalmente se for para ajudar na faxina de um chalé abandonado.
Joseph gargalhou e desceu os olhos para as peças desencontradas que eu estava usando. Seu olhar me queimou.
— Garanto que elas não foram estreadas do jeito certo. Temos que providenciar isso. Não vejo a hora de desvendar os segredos de Victoria.
Rimos juntos. Realmente, minhas belezuras de renda e cetim mereciam uma plateia, mesmo que fosse de uma pessoa só.

Meu estômago chiou mais uma vez e enfiei a cara na cesta de piquenique, intocada desde que fora colocada sobre a mesa. Ataquei logo uns três pãezinhos de mel e pulei as frutas sem a menor sensação de culpa. Já tinha perdido calorias demais naquela noite. Mastiguei um pão olhando perdidamente pela janela da cozinha. Ainda chuviscava, mas o pior da tempestade já havia passado. Ainda bem que Andrej não estava na Krósvia. Como explicaria a ele o fato de não ter dormido em casa? Mesmo assim, estremeci. Teria que me explicar de qualquer forma. Todos notariam a mudança de clima entre mim e Joe.
Num dos intervalos da madrugada, comentei com Joseph r sobre essa minha aflição. Ele disse que se encarregaria de conversar com meu pai.
— Pode deixar comigo, Demi. Eu mesmo quero falar com o Andrej. Como já negamos uma vez, var ser esquisito admitir o contrário. Mas ele vai entender se eu explicar.
Não fiquei muito tranquila, não. Sabia muito bem que minha hora chegaria. Meu pai não perderia a oportunidade de me fuzilar com perguntas.
— Outra coisa está me incomodando, mas não tem nada a ver com o Andrej — Joe disse, com a cabeça apoiada numa mão, enquanto a outra fazia carinho em minha barriga. Quase perdi a concentração. — Essa sua certeza de ir embora. Por que não fica mais? Um ano, pelo menos. Depois a gente pensa numa outra solução.
— Não posso ficar eternamente de férias, Joseph. Preciso terminar meu curso, voltar a trabalhar, dar um jeito na vida.
— Não dá para fazer tudo isso aqui mesmo?
— É complicado. Muita coisa me prende ao Brasil.
— E aqui? Nada?
Dei um beijo na ponta de seu nariz e suspirei.
— Não me torture desse jeito. Não é justo me pedir para escolher. Eu estou presa dos dois lados. Mas, antes de definir minha vida, preciso acabar o que comecei. Me formar é muito importante pra mim.
— E a gente?
— Não quero pensar sobre isso agora. Temos tempo pra achar uma solução.
— Então, venha aqui e me faça esquecer.

Bebericava languidamente um suco de caixinha sabor pêssego quando os braços fortes de Joseph envolveram minha cintura e me puxaram de encontro a seu corpo, coberto apenas pela calça jeans. Ele não sentia frio?
— Não gostei de acordar sozinho — reclamou, com a boca torturando minha nuca. — Por que já está de pé?
Apontei para a cesta de piquenique.
— Fome.
Joseph riu, presunçoso, orgulhoso por ser o motivo de meu apetite voraz. Rodou-me em seus braços para que pudéssemos ficar frente a frente.
— Matou a fome?
— Quase.
Sorrimos um para o outro. Joguei os braços sobre seus ombros e fiquei na ponta dos pés para beijá-lo. Nunca fora muito descolada com garotos, mas com Joe eu ficava muito à vontade. Se bem que ele estava longe de ser apenas um garoto.
— O que tem debaixo dessa manta? — quis saber, os olhos carregados de segundas intenções.
— Simplesmente Demi.
Era isso mesmo. Perto de Joe, eu não tinha um título real, não me lembrava de ser filha de um rei e nem morava num castelo de verdade.
Ele me agarrou e recomeçamos todo o processo de amassos, que não teria sido interrompido caso uma terceira pessoa, estranha e deslocada no contexto, não tivesse surgido através da vidraça da cozinha e acionado o botão de uma câmera fotográfica, flagrando Joe e eu, agora sim, numa posição para lá de comprometedora.
Dei um pulo para trás, com o coração aos pulos, e puxei a manta até o queixo, perplexa demais para reagir de outra forma. Joseph se colocou na minha frente, encobrindo-me com seu corpo. Sua expressão mudou instantaneamente de sedutora para irada.
Mas o fotógrafo não se acanhou. Pelo contrário! Ficou ainda mais confiante quando outros dois apareceram não sei de onde e fizeram o mesmo: nos fotografaram sem parar.
Tive a impressão de que ia desmaiar. Eu não podia passar por toda aquela especulação outra vez, principalmente porque agora o fato seria respaldado pelas malditas fotos! E, pelo amor de Deus, como aquele bando de urubus chegara à ilha, ou, melhor dizendo, a mim e Joe?
E então, como se tivesse lido meus pensamentos, um dos paparazzi disse, caprichando no inglês, de modo que não houve chance de eu não entender:
— Pronto, Joe. Tarefa cumprida. Fizemos do jeito que você combinou.
Levei uns dez segundos para processar aquelas três frases. Até que a compreensão me atingiu em cheio e dilacerou meu coração em milhares de pedaços: eu havia sido enganada da maneira mais sórdida e repugnante possível. Caíra num joguinho ordinário, que provavelmente fora orquestrado com bastante antecedência por Joe e a nojenta da Nome de Cachorro. Meu Deus, quantas noites aqueles dois deviam ter passado arquitetando minha humilhação e rindo da minha cara! E eu, toda boba e apaixonada, agora prestes a ser ridicularizada na frente do mundo inteiro.
Retesei o corpo e me agarrei à borda da pia para não cair. Joe tentou me amparar, mas me afastei bruscamente. Até quando continuaria fingindo?
Enquanto isso, os flashes não paravam de pipocar. Meu estômago deu uma cambalhota, anunciando um enjoo horroroso.
— Sumam daqui! — Joe gritou. Pura encenação. — Desapareçam, senão vou processar vocês!
— Processar? Mas por que, se foi você que nos contratou?
Corri para o banheiro, desesperada, e me agarrei ao vaso sanitário. Vomitei os três pães de mel e o suco de pêssego. E mesmo quando não tinha mais nada no estômago, continuei tendo espasmos. Senti minha energia indo embora.
Joe disparou atrás de mim e se agachou a meu lado. Suas mãos seguraram meus cabelos para que não se sujassem, mas, tão logo recobrei a consciência, rejeitei-as com tapas histéricos.
— Não me toque! Não ouse colocar essas mãos imundas sobre mim! — berrei. Lágrimas desciam feito cachoeiras por meu rosto, nublando minha visão.
Chorei convulsivamente. Mais uma vez, Joe tentou me segurar, mas eu o impedi. Ele tinha estraçalhado meus sentimentos, minha confiança.
— Demi, para com isso. Me escuta. Eu não sei quem são esses caras. Não tenho nada a ver com essa loucura. Por favor, olha para mim!
— Se você falar que é coincidência eles estarem aqui, eu não respondo por meus atos. — Levantei com vontade de sumir do mapa. Mas antes precisava vestir minhas roupas e dar um jeito de escapar dali. — Você jogou sujo, Joe, e agora eu vejo há quanto tempo você e a safada da Laika andam armando para mim! — gritei.
— Não viaja, Demi! Eu não fiz nada disso. Pelo amor de Deus, depois de tudo, da noite maravilhosa que tivemos, você não pode estar falando sério!
Fulminei-o com o olhar. As lágrimas ainda caíam e não davam sinal de que iam cessar tão cedo.
— Não acredito que confiei em você! Não acredito que tive coragem de confessar o meu...
Cobri o rosto com as mãos e desabei. Não conseguia nem falar, nem olhar para ele. Joe agarrou meus ombros, sem me dar chance de escapar, e suplicou:
— Demi, não faça isso. Por favor, não entre nessa paranoia. Tem alguma coisa errada nessa história. Você precisa acreditar em mim. Eu te amo!
Não. Essa foi demais. Apelar para uma declaração de amor a essa altura? Eu não merecia aquilo. A que ponto chegamos?
Usando uma força sobre-humana, soltei-me dos braços de Joe e passei por ele, tendo o cuidado de manter a manta que me cobria ainda mais fechada.
— Joe, eu vou sair daqui. Sozinha. Não me siga, não me procure, nem me peça para ouvir sua versão, porque não vou cair na besteira de acreditar em você novamente. Porque eu acreditei totalmente. Confiei cegamente nos seus sentimentos, a ponto de me entregar a você.
— Demi... — Ele engasgou. Seus olhos verdes, antes tão lindos e sedutores, agora me eram estranhos. Estavam encharcados de lágrimas, assim como os meus.
— Não fala nada. Eu não mereço ouvir suas desculpas. Me poupe disso. Não acredito no seu amor. Pode voltar para a Nome de Cachorro e comemorar o sucesso do planinho sórdido de vocês. E prepare-se para se explicar ao Andrej. Ele, sim, vai querer entender cada detalhe.
Enxuguei o rosto e saí na direção do quarto. Só parei para completar, soltei:
— Difícil vai ser revelar o que nós dois ficamos fazendo aqui na ilha a noite inteira. Não quero estar no seu lugar.
Então, entrei no quarto de minha bisavó Catarina, tranquei a porta com chave e caí na cama, ainda impregnada do cheiro de Joe e com marcas dos momentos que tivéramos ali. Queria extravasar minha dor, mas não tinha tempo para isso. Precisava sair da ilha o mais rápido possível e resolver o que faria de minha vida. Uma coisa era certa: minha imagem estava acabada. Para sempre eu seria lembrada como a princesa que dormiu com o quase-irmão comprometido. A princesa apaixonada que se prestou ao papel de ser a outra.
Vesti rapidamente minhas roupas, calcei minhas botas e respirei fundo antes de correr rumo à porta e escapar para a areia da praia, molhada demais por causa da chuva.
Joe não tentou me deter. Apenas olhou para mim com uma expressão derrotada, recostado na mureta da varanda.
Não vi os fotógrafos. Ainda bem. Senão, teria sido capaz de agredi-los fisicamente, o que só pioraria minha situação.
Havia duas lanchas no cais: a que levara Joe até a ilha e a dos paparazzi. Mesmo sem nunca ter pilotado uma antes, dei partida no motor. Só queria sair dali e me esconder do mundo. Fazer sozinha o trajeto de volta foi complicado. Só sei que girei a chave na ignição e guiei a lancha meio que no piloto automático. Por sorte, a distância entre a ilha e a praia do castelo era curta e bastava dirigir em linha reta.
Ao chegar ao cais, larguei a lancha aos cuidados do piloto que havia me transportado no dia anterior. Ele me olhou com espanto, talvez assombrado por minha expressão nada amistosa ou pelo fato de ter voltado sozinha. Não sei. Também não dei chance a ele de me perguntar nada.
Atravessei a areia sem olhar para os lados e irrompi castelo adentro, preocupada apenas em chegar a meu quarto e me fechar para o mundo. Sabia o que teria que enfrentar mais tarde, mas precisava me concentrar antes de receber a chuva de críticas e reprovações.
Arranquei depressa as roupas de meu corpo e deixei o chuveiro lavar os vestígios de minha vergonha. Só lamentava não poder voltar no tempo e apagar outras coisas, como as lembranças dos lábios de Joseph percorrendo minhas costas e suas mãos apertando-me contra ele.
Encostei a testa no azulejo e chorei de novo.
Como resolveria esse problema? Se ao menos pudesse evitar a publicação daquelas fotos ordinárias... Por que não exigi que os fotógrafos me entregassem as câmeras, ameaçando mandar meu pai atrás deles ou, sei lá, assassinos de aluguel para liquidar de vez com a raça dos filhos da mãe? O que eu faria agora?
Resolvi telefonar para minha mãe. Alguém tinha que me apresentar uma solução, e quem poderia ser melhor do que ela?
O celular dela chamou até cair na caixa postal. Só então me dei conta de que, no Brasil, ainda era o final da madrugada. Deixei uma mensagem de voz que revelava exatamente o tamanho de meu desespero:
— Mãe, por favor, atende o telefone. Preciso falar com você. Me meti numa encrenca enorme.
Tive a sensação de que demorou uma eternidade para ela me retornar. Mas foram só alguns minutos — um milagre, considerando o fuso horário de cinco horas a menos lá em Belo Horizonte.
— Filha, o que aconteceu? — mamãe quis saber, bastante preocupada.
Caí no choro. Outra vez. E fiquei assim, quase afogada em lágrimas, enquanto minha mãe me metralhava com perguntas. Só quando me acalmei um pouco fui capaz de responder:
— Cometi o maior erro da minha vida, tanto de julgamento quanto de atitude. Estou muito encrencada, mãe.
Então, contei tudo, desde o princípio. Falei de minha paixão por Joe, da química que tínhamos, de meu sofrimento silencioso. Depois, respirei fundo e admiti o restante, desde o momento elétrico na Caverna do Pirata até o fatídico fim da noite anterior. Não escondi nada.
— Mas, Demi, como é que você tem certeza de que o Joe está envolvido com os paparazzi? Porque eu o conheci e não acredito que ele tenha um caráter tão doentio.
— Os fotógrafos deixaram isso bem claro. E, mesmo que eu estivesse na dúvida, só o fato de eles terem aparecido na ilha já é um comprovante da culpa dele. Quem mais sabia que estávamos sozinhos lá? Ninguém, a não ser a Karenina e as outras empregadas, e elas não teriam motivos para armar essa palhaçada para mim!
— E por que o Joe teria? — minha mãe questionou, tentando me fazer raciocinar com imparcialidade. Só ela mesmo para me ajudar a entender o ocorrido, em vez de me crucificar por ter dormido com Joe.
— Você não viu como ele me olhou quando me conheceu, mãe. Cheio de desconfiança, de acusações veladas. Depois, começou a se aproximar, todo legal, mas agora percebo as verdadeiras intenções dele. Ele me usou para provar para meu pai que eu não valho nada.
— Não fale assim, Demi — ela me repreendeu. — O que você fez não foi pecado. Você estava apaixonada e acreditava que era correspondida. O Andrej vai entender. Quanto aos paparazzi, deve haver uma forma de impedi-los de publicar as fotos. Seu pai tem poder para isso. Mas você vai ter que se abrir com ele.
— Eu sei. O problema é que ele não está na Krósvia e eu não quero ter essa conversa por telefone. Vai ser difícil esfregar na cara do meu pai o mau caráter que o enteado querido dele tem. Nem imagino como começar...
— Do mesmo jeito que fez comigo. Seja sincera.
Outra onda de lágrimas ameaçou cair, mas dessa vez eu a segurei. Não queria ficar desidratada.
— Eu quero voltar para o Brasil, mãe. Quero voltar para casa. Acho que não consigo mais viver aqui.
— Faça isso, filha. Volte depressa. Não vou deixar você sofrendo longe de casa. Converse com seu pai e venha. Chega de deixar sua vida à mercê desses fofoqueiros krosvianos sem noção. Acha que consegue partir ainda hoje?
— Vou tentar. Quero acabar logo com isso.
— Ótimo. Dê notícias. Estamos te esperando.
Funguei. Uma caixa de lenços de papel não seria nada má agora.
— E, mãe... Desculpa. Não planejei te decepcionar.
— Não fale assim. Não estou decepcionada, Demi. Estou agradecida por ter confiado em mim. Sei que não é moleza admitir para sua mãe que deixou de ser uma menina. Também passei por isso, esqueceu?
É mesmo. Que grande ironia do destino!
— Agora, vá procurar seu pai. Ele também vai apoiar você. Não tenha medo.
— Te amo, mãe. E obrigada.
Não foi fácil localizar meu pai. Tive que pedir ajuda a Irina e ser muito persuasiva. Disse que o caso era sério, mas não abri o jogo. Queria falar o mínimo possível sobre a enrascada em que tinha me metido.
Andrej participava de um congresso na França. Eu sentia muito por ter que incomodá-lo, mas não sossegaria enquanto não conseguisse me explicar para ele. Como eu tinha a intenção de sair da Krósvia quanto antes, contentei-me em conversar com meu pai via Skype. Eu precisava olhá-lo nos olhos de modo que ele visse o tamanho de minha culpa e, assim, quem sabe, conseguisse me perdoar.
Estava decidida a fazer isso até que Andrej apareceu diante de mim, através da tela do computador. Ao vê-lo, minhas mãos ficaram suadas e senti o sangue sumir. Tive vontade de desistir e sair correndo, largando as explicações por conta de qualquer outra pessoa que não fosse eu.
Meu pai, um sujeito quase sempre ponderado e tranquilo, não demonstrava estar melhor do que eu, emocionalmente falando. Claro que ele previa algo ruim. Se não fosse má notícia, ele não teria sido chamado com tanta urgência.
Depois de quase sugar todo o ar do ambiente de tanto inspirar, soltei a bomba toda de uma vez. Devo ter gastado uns dez minutos ininterruptos para resumir a história inteira e falei até sobre a última conversa que tivera com minha mãe. Enquanto relatava os fatos, não tirei os dedos de meu colar de diamante. Inconscientemente, elegi o pingente de rosa como meu apoio.
Durante a confissão, não consegui segurar as lágrimas. Havia chegado a meu limite e, àquela altura, eu estava prestes a desabar de vez. Andrej ouviu o relato. Ficou calado o tempo todo. Parecia uma estátua de pedra, sem demonstrar uma mísera expressão. Mas podia muito bem estar pensando: O que fui arrumar para minha vida? Por que não deixei essa filha pirada para trás?
Quando terminei, um longo silêncio pairou entre nós. Andrej abaixou a cabeça e deixou o tempo passar. Pensei que não quisesse mais falar comigo e usasse esse gesto para me dispensar.
Mas aí, assim que eu desisti de esperar, ele falou, num tom até bem calmo para quem havia acabado de receber uma batata quente nas mãos:
— Eu não acredito que o Joe esteja envolvido nessa confusão.
Um “o” redondinho se formou em minha boca. Eu esperava ouvir de tudo — que eu não merecia ser sua filha, que podia pegar minha trouxa e dar no pé —, menos aquilo, uma defesa tão convicta da inocência do enteado.
— Aquele menino sempre teve um caráter impecável. Nunca deu trabalho para ninguém, mesmo na adolescência. Demi, eu ponho minha mão no fogo por ele. O Joe não contratou os fotógrafos.
— Se não foi ele, então quem foi? Porque, apesar de você avalizar a conduta do seu enteado, eu não consigo enxergar outra hipótese. Eu sei o que ouvi, pai. Não é viagem da minha cabeça, pode acreditar.
— Para mim, foi uma armação. Ou não. Também pode ter sido uma desculpa de última hora que os fotógrafos deram para justificar a presença deles na ilha. Não adianta, Demi. Não vou crucificar o Joe.
— Ok — murmurei, arrasada. Quem dera eu pudesse acreditar na inocência dele assim como meu pai estava fazendo!
— Filha, por mais que eu esteja com vontade de torcer o pescoço dele por ter te colocado nessa posição vulnerável, para não dizer coisa pior, estou do lado do Joe.
— E contra mim? — gritei, mal acreditando no que meus ouvidos tinham escutado. Típico pensamento machista.
— Não estou contra você, Demi, embora não tenha engolido essa história de você e o Joe terem dormido juntos assim tão depressa. Nesse ponto, os dois são culpados.
— Pai! — exclamei, chocada. — Só falta você me acusar de ter pedido para ser fotografada pelos paparazzi só porque... por isso. Aconteceu, não consegui evitar.
— Bom, o que eu posso dizer, então? Você já é adulta e sabe o que faz. Mas agora o mais importante é tentar impedir que as fotos sejam publicadas. Vou entrar em contato com meus advogados. Se pelo menos soubéssemos para qual veículo de comunicação esses caras trabalham...
— É — concordei, desanimada. — Mas isso é fácil de resolver. Pergunte para o Joe.
Andrej incorporou uma postura tensa e me chamou a atenção:
— Demi, eu sei que está encucada e que os fatos te levaram a pensar mal dele. Mas eu acho que está se precipitando. Vou descobrir o que aconteceu e então teremos a prova da inocência do Joe. Aí, sim, vocês poderão namorar e aproveitar essa paixão toda.
— Acontece, pai, que decidi voltar para o Brasil — disse de uma vez, para não perder a coragem. — Não consigo mais ficar aqui depois disso tudo. Desculpe.
Ele só ficou me olhando, confuso, como se não acreditasse no que havia acabado de escutar. Fiquei com pena — não apenas de meu pai, mas de mim mesma também. Se eu tivesse sido uma boa menina, comportada e menos passional, ainda poderia desfrutar de mais uns meses na Krósvia, no maior mordomia, sem me preocupar com absolutamente nada. Mas não, eu tinha que estragar tudo e jogar para o alto toda a confiança e as regalias que Andrej Markov, o impressionante rei de uma feliz nação europeia, havia dado de bandeja para mim.
— Quero voltar, se possível, hoje mesmo. Já conversei com mamãe e ela concorda que essa é a atitude mais certa agora. Sinto muito se te decepcionei. Você não merece passar por isso.
Emocionado, além de bastante contrariado, Andrej tentou argumentar:
— Que absurdo, filha! Isso não é motivo para sair correndo do país, como uma persona non grata. Também não estou decepcionado. Você não vai embora assim, de jeito nenhum.
— Eu preciso, pai. Preciso dar um tempo, deixar a poeira baixar. É uma questão de autopreservação. No momento, é o melhor a ser feito. Não fique chateado comigo. Eu vou voltar. Um dia, eu sei que vou.
Então ele balançou a cabeça, meio que resignado, e se calou. Assim que se despediu, pediu que eu ao menos o esperasse voltar da França, pois queria estar comigo pessoalmente antes de minha viagem.
Saí do Skype e fiquei encarando o computador em estado catatônico. Meu celular não tocou nem uma vez, o que indicava que Joseph não havia entrado em contato. Melhor assim. Chequei meus e-mails só para constatar a mesma coisa: nada de mensagens. Dele, quero dizer. Porque havia outras. Inclusive a resposta de Selena para minha declaração aflita no dia anterior. Meu Deus! Só havia passado um dia mesmo?
Desavisada, minha amiga escrevera um texto cheio de hipérboles e interjeições, provavelmente pensando que sua animação me contaminaria.
Pobre Selena! Estava um dia atrasada.

De: Selena Gomez
Para: Demetria Lovato
Assunto: Uhuuuuu!!!

Demi, minha amiga!
Que notícia maravilhosa (embora não seja nenhuma novidade para mim)!
Mas finalmente admitir que está apaixonada por um gato daqueles é um
primeiro passo muito importante. E parece que você não está sozinha nessa, não. Porque, como assim? Então o gostosão do Joe anda retribuindo seu interesse por ele? Não sei, não, hein!
Isso vai dar namoro, dos quentes.
Já posso prever você e ele, o casal mais badalado do Leste Europeu — se a Krósvia estiver no leste mesmo. Está?
Bom, preciso consultar um atlas. Mas, amiga, estou muito contente e confiante que agora vai! Porque vai, não vai? Pelo amor de Deus, já está mais do que na hora. Vê se dá seu jeito.
Quanto à Nome de Cachorro, escreve o que estou dizendo: já é carta fora do baralho. Só de olhar para os dois consegui pressentir isso. E você sabe como sou sensitiva e tal.
Aninha do meu coração, pelo menos dessa vez siga meu conselho: ouça seu coração e não se deixe abater pelo pessimismo. Sei que deve estar torcendo o nariz para as minhas palavras filosóficas, mas é isso mesmo. Tente não ser tão precavida, tão preocupada. O Joe é um deus — e um amor também. Não o deixe escapar.
Ah! Sobre o Nick. Última atualização do status: virou um chiclete, dos mais grudentos. Cismou comigo mesmo. Não sei mais o que fazer. Será que devo denunciá-lo para a polícia? Sim, porque está beirando a assédio. Ai, ai...
Responde logo, viu? Estou louca para saber as novidades.

Beijos!
Selena.

Como eu conseguiria contar que o “deus”, o “amor” do Joe era um farsante, um filho da mãe, que fizera comigo uma das piores coisas que um ser humano pode fazer com o outro?
Não tive vontade de responder. De qualquer forma, assim que eu aterrissasse em Belo Horizonte, ela seria uma das primeiras pessoas a descobrir a novidade. Bom, isso se os tabloides de plantão não fossem mais rápidos do que eu — e provavelmente seriam, não?
Deixei o computador de lado e puxei minha velha mala pink de uma das prateleiras do closet. Joguei-a sobre a cama e tratei de organizar minha bagagem. Pelo menos, ocupava a cabeça com algo produtivo.
Enchi-a com as roupas que trouxera do Brasil, mas resolvi deixar tudo o que comprara na Krósvia para trás. Não fora uma garota exemplar, a filhinha com a qual todo pai sonha. Portanto, não tinha o direito de ir embora com tudo o que Andrej me dera enquanto acreditava que eu era um doce, um anjo de candura.
Larguei os jeans caros, os vestidos de alta costura, os sapatos italianos, tudo impecavelmente guardado dentro do armário. Mas o mais difícil foi abrir mão das lingeries da Victoria’s Secret, as tão sonhadas, fantasiadas e almejadas coleções que povoaram meus pensamentos por meses e que acabaram esquecidas numa gaveta qualquer, sem uso. Quem cuidaria delas? Quem as admiraria com tanto ardor? Talvez fosse melhor dá-las a Irina ou Karenina. Se bem que, com elas, aqueles rendas todas também virariam peças de museu, de qualquer forma.
Passei a tarde inteira nessa função de fazer as malas. Na hora do almoço, pedi na cozinha que fizessem o favor de levar minha comida até o quarto. Não estava disposta a interagir com ninguém. Sendo assim, evitei as pessoas deliberadamente, inclusive Irina e Karenina.
Devolvi livros à biblioteca e caí no choro quando encontrei uma boneca de pano esquecida entre as almofadas da sala de leitura. Logo pensei nas meninas do Lar Irmã Celeste e isso me deprimiu. Não poderia me despedir delas e sabia que meu retorno repentino para o Brasil as deixaria tristes, talvez até mesmo magoadas.
Coloquei a boneca na mala. Que mal teria levar comigo uma recordação de momentos de tanta brincadeira e felicidade? Daria um jeito de substituir o brinquedo por outro, comprado especialmente numa loja brasileira para a dona da bonequinha. E, se minha memória estivesse bem calibrada, ela pertencia a Karol.
Da mesma forma, não tive coragem de ligar para tia Marieva. Ela exigiria saber o que acontecera para me fazer voltar tão cedo para casa e eu não estava com disposição para narrar a história mais uma vez. Ficaria em débito com ela e meus lindos primos também.
Felizmente, as fotos feitas pelos paparazzi na manhã daquele dia ainda não haviam sido publicadas. À noite, quando meu pai chegou, ele informou que seus advogados trabalharam duro e acabaram conseguindo uma liminar na justiça que impedia a divulgação das imagens até a próxima quinta-feira, ou seja, dois dias depois. Fiquei mais tranquila.
Então ele quis saber se eu realmente estava decidida a ir embora, se não tinha desistido da viagem.
— Infelizmente, não, pai. Está mais do que na hora de eu ir. Preciso respirar um pouco.
— Vamos sentir muito a sua falta. Você trouxe alegria e cor para este castelo, qualidades que há muito tempo estavam perdidas. Vai ser difícil me acostumar com a sua ausência — declarou, todo emotivo. — Eu sei que não fui um pai muito presente, que deixei você meio de lado, aos cuidados de outras pessoas, mas você é tudo para mim, Demi. Não nos conhecemos desde sempre, mas eu te amo como se tivéssemos vivido juntos desde o começo.
Abracei-o com força, enterrando meu rosto manchado de lágrimas em sua camisa de linho.
— Também vou sentir sua falta, papai. Muita. Ou melhor, vou sentir saudades. Gostaria de ter sido uma filha melhor, menos exigente, menos reclamona, mais amorosa.
— E quem disse que não foi? Que não é? Filha, você pode não gostar de ser chamada de Demetria Devonne, mas seu segundo nome resume bem o que é.
Olhei para ele, com as sobrancelhas arqueadas, curiosa. É sério, eu nunca tinha pesquisado o significado de meu nome.
— Devonne — continuou — é de origem inglesa que significa Divina. E, onde quer que esteja, sempre será minha encantadora e divina filha.
Enxuguei as lágrimas com as costas das mãos.
Minha garganta estava apertada demais para que eu pudesse falar.
— O nome Demetria, que é de origem grega, também indica uma pessoa forte, determinada, pé no chão, amável e expressiva, muito criativa e um tanto curiosa, como você — completou. Eu fiquei encantada. E pensar que eu nunca tinha gostado do meu nome. — Portanto, não há a menor possibilidade de você ter sido uma filha ruim, porque isso não combina nem com seus atos, nem com quem você é.
Andrej pediu que eu dormisse mais uma noite na Krósvia e deixasse para viajar na manhã seguinte. Atendi a esse último pedido e fui me deitar.
Com a cabeça no travesseiro, fiz um balanço de minha vida pós-garota comum. Em poucos meses, deixara minha pacata existência de universitária para morar num castelo, ser apresentada para o mundo inteiro como a única princesa da Krósvia, ser perseguida por paparazzi e ter fotos comprometedoras divulgadas na imprensa. Ah! Também fora entrevistada pelo Fantástico.

Mas nada disso, nem uma mísera pontinha, fora mais difícil do que meu último ato no país de meu pai: dormir com o homem de meus sonhos e acordar com um ogro em vez de um príncipe.

4 comentários:

  1. Nao acho que o joe tenha feito isso com ela, Com certeza foi a Cachorra que Contratou os paparazzi.
    Adorei a Maratona. Poste logo!! Beijos

    ResponderExcluir
  2. Eu não acho que tenha sido o Joe! A Demi esta sendo meio idiota agr... Ele pode ser tudo, mais fazer isso com ela não!!! Acho que foi a Laika! E coitado do Joe!! Amei essa maratona :)
    Continua por favooor
    Fabíola Barboza :*

    ResponderExcluir
  3. Postaaaaaaaaaaaaaaa maiiiiiiiiis quero mais logo, tambem acho que foi a cachorra da Laika

    ResponderExcluir