The Fault In Our Stars
Um
dia antes da viagem para Amsterdã voltei à reunião do Grupo de Apoio pela
primeira vez desde que conheci o Joseph. O elenco havia sido ligeiramente
alterado ali no Coração Literal de Jesus. Cheguei cedo, o suficiente para que
Lida — a sempre forte sobrevivente do câncer de apêndice — me atualizasse a
respeito de todo mundo enquanto eu comia um cookie industrializado de chocolate
encostada na mesa de biscoitos.
Michael,
o leucêmico de doze anos de idade, tinha partido desta para melhor. Ele lutara
bravamente, me contou a Lida, como se houvesse qualquer outra forma de lutar. O
resto do pessoal ainda continuava por lá. Ken estava SEC desde que terminara a
radioterapia. Lucas teve uma recaída, e a Lida disse aquilo com um sorriso
amarelado e um leve ‚dar de ombros‛, da mesma forma que contaria que um
alcoólatra teve uma recaída.
Uma
menina gordinha e bonitinha se aproximou da mesa, disse “oi” para a Lida e
depois se apresentou para mim como Susan. Eu não sabia ao certo qual era o
problema dela, mas havia em seu rosto uma cicatriz que ia da lateral do nariz
até o lábio e atravessava a bochecha. A Susan tinha passado maquiagem na
cicatriz, o que só serviu para chamar mais atenção. Eu estava com um pouco de
falta de ar por causa daquele tempo todo em pé, então falei:
—
Vou me sentar ali.
Foi
quando o elevador se abriu, revelando o Nicholas e a mãe. Ele estava de óculos
escuros e se apoiava no braço da mãe com uma das mãos, a bengala na outra.
—
A Demetria do Grupo de Apoio e não a Selena — falei, quando ele chegou perto o
suficiente. O Nicholas sorriu e disse:
—
E aí, Demetria. Como vão as coisas?
—
Tudo bem. Fiquei totalmente gata depois que você perdeu a visão.
—
Aposto que sim — Ele comentou.
A
mãe o guiou até uma cadeira, beijou a cabeça dele e se deslocou de volta até o
elevador. O Nicholas tateou o espaço abaixo do corpo e se sentou. Eu me
acomodei numa cadeira ao seu lado.
—
E então, como está tudo?
—
Bem. Feliz por ter voltado para casa, acho. O Joe me disse que você passou pela
UTI.
—
É — respondi.
—
Que droga! — ele disse.
—
Estou bem melhor agora — falei. — Vou para Amsterdã com o Joe amanhã.
—
Sei disso. Estou bastante atualizado a respeito da sua vida, porque o Joe
nunca. Fala. De. Outra. Coisa.
Sorri.
O Kevin pigarreou e disse:
—
Se todos pudermos ocupar nossos assentos… — O olhar dele cruzou com o meu. —
Demetria! — falou. — Estou tão feliz em vê-la!
Todos
se sentaram e o Kevin começou a recontar a história da sua ausência de bolas, o
que me levou a retomar a rotina do Grupo de Apoio: me comunicando com o
Nicholas por meio de suspiros, me sentindo mal por todas as pessoas naquele
cômodo e também por todas as pessoas fora dele, me distraindo da conversa para
me concentrar na minha falta de ar e na dor. O mundo continuou girando, como
sempre, sem a minha participação integral, e eu só despertei do meu devaneio
quando alguém disse meu nome.
Foi
Lida, a Forte. A Lida em remissão. A loira, saudável, robusta Lida, que fazia
parte do time de natação da escola. A Lida, que só não tinha o apêndice, falou
meu nome, dizendo:
—
A Demetria é uma baita fonte de inspiração para mim; de verdade. Ela continua
lutando, acordando todos os dias e indo para a guerra sem reclamar. Ela é tão
forte... Tão mais forte que eu. Queria ter sua força.
—
Demetria? — indagou o Kevin. — Como você se sente ao ouvir isso?
Encolhi
os ombros e olhei para a Lida.
—
Dou minha força para você se puder ter sua remissão em troca. — O sentimento de
culpa me invadiu assim que completei a frase.
—
Não acho que tenha sido isso o que a Lida quis dizer — o Kevin falou. — Acho
que ela…
Mas
eu já havia parado de prestar atenção.
Depois
das preces para os vivos e da ladainha interminável dos mortos (com o Michael
adicionado no fim), demos as mãos e dissemos:
—
Vivendo o melhor da nossa vida hoje!
A
Lida foi correndo me pedir desculpas e se justificar, e eu disse:
—
Não, não, está tudo bem — fazendo um gesto de “deixe pra lá” com a mão, e falei
para o Nicholas: — Você se incomoda de me acompanhar até lá em cima?
Ele
pegou meu braço e eu o guiei até o elevador, grata por ter uma desculpa para
evitar a escada. Já tinha quase percorrido o caminho todo quando vi a mãe dele
parada num canto do Coração Literal.
—
Estou aqui — ela disse para o Nicholas, e ele trocou o meu braço pelo dela.
Então
me perguntou:
—
Você quer ir lá em casa?
—
Claro — respondi.
Eu
me sentia mal por ele. E mesmo odiando a pena que as pessoas tinham de mim, não
consegui evitar ter pena dele.
* *
*
O
Nicholas morava numa pequena casa estilo rancho em Meridian Hills, ao lado de
uma escola particular para crianças ricas. Nós nos sentamos na sala de estar
enquanto a mãe dele foi até a cozinha preparar o jantar, e aí ele me perguntou
se eu queria jogar.
—
Claro — respondi.
Nicholas
me pediu que lhe passasse o controle. Fiz isso e ele ligou a televisão e um
computador que estava conectado a ela. A tela da TV continuou preta, mas, após
alguns segundos, uma voz grave começou a falar de dentro do aparelho.
Deception,
disse a voz. Um ou dois jogadores?
—
Dois — respondeu o Nicholas. — Pausar. — E virou-se para mim. — Eu jogo isso
direto com o Joe, mas é muito irritante porque ele é um jogador de videogame
totalmente suicida. Ele é, tipo, muito radical quando se trata de salvar civis
e coisa e tal.
—
É — falei, lembrando da noite dos troféus destroçados.
—
Recomeçar — o Nicholas falou.
Jogador um, identifique-se.
—
Essa é a voz ultrassensual do jogador um — o Nicholas disse.
Jogador dois, identifique-se.
—
O jogador dois sou eu, acho — falei.
O
Sargento Max Mayhem e o soldado Jasper Jacks acordam em um lugar escuro e
vazio, de aproximadamente um metro quadrado.
O
Nicholas apontou para a TV, como se eu devesse me dirigir a ela ou coisa assim.
—
Humm — falei. — Tem algum interruptor para acender a luz?
Não.
—
Tem alguma porta?
O
soldado Jacks localiza a porta. Está trancada.
O
Nicholas se juntou a mim.
—
Tem uma chave em cima do batente da porta.
Sim.
—
Mayhem abre a porta.
A
escuridão continua total.
—
Empunhar faca — o Nicholas disse.
—
Empunhar faca — repeti.
Uma
criança, que deduzi ser o irmão do Nicholas, saiu correndo da cozinha. Devia
ter uns dez anos, toda agitada e elétrica, e meio que cruzou a sala de estar
pulando e gritando, numa imitação perfeita da voz do Nicholas:
—
ME MATE.
O
Sargento Mayhem coloca a faca no pescoço. Tem certeza de que você…
—
Não — disse o Nicholas. — Pausar. Frankie, não me faça sair daqui e te dar um
chute no traseiro.
O
Frankie deu uma risadinha e saiu furtivamente por um corredor.
Na
pele do Mayhem e do Jacks, o Nicholas e eu avançamos tateando pela caverna até
que esbarramos num cara que acabamos esfaqueando, depois de forçá-lo a nos
confessar que estávamos numa prisão subterrânea na Ucrânia, mais de um
quilômetro abaixo da superfície. Conforme continuávamos, efeitos sonoros — um
rio subterrâneo ruidoso, vozes falando ucraniano e inglês com sotaque — nos
guiavam pela caverna, mas não havia nada para ver naquele jogo. Depois de uma
hora inteira, começamos a ouvir os gritos de um prisioneiro desesperado,
implorando: “Deus, me ajude. Deus, me ajude.”
—
Pausar — o Nicholas falou. — É sempre nessa hora que o Joe insiste em encontrar
o prisioneiro, mesmo que isso nos impeça de vencer o jogo, e a única maneira de
conseguir libertar o prisioneiro de verdade é vencendo o jogo.
—
É. Ele leva muito a sério os jogos de videogame — falei. — Ele é apaixonado por
metáforas.
—
Você gosta dele? — o Nicholas perguntou.
—
Claro que gosto. Ele é legal.
—
Mas você não quer namorar o cara?
Dei
de ombros.
—
É complicado.
—
Sei o que está tentando fazer. Você não quer dar para ele algo com que ele não
vai conseguir lidar. Você não quer que ele Selenique você — o Nicholas disse.
—
Mais ou menos isso — falei. Mas não era nada disso. A verdade é que eu não
queria Nicholasficar o Joe. — Para não ser injusta com a Selena — falei —, o
que você fez com ela também não foi muito legal.
—
O que foi que eu fiz com ela? — ele perguntou, na defensiva.
—
Você sabe, ter ficado cego e tudo mais.
—
Mas isso não foi culpa minha — ele disse.
—
Não estou dizendo que foi culpa sua. Estou dizendo que não foi legal.
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