sábado, 9 de fevereiro de 2013

Capítulo XIV e Capítulo XV


The Fault In our Stars

No voo de volta para casa, vinte mil pés acima de nuvens que pairavam a dez mil pés do chão, o Joe disse:
— Antigamente eu imaginava que seria divertido morar numa nuvem.
— É — falei. — Como se fosse, tipo, um pula-pula inflável, só que para sempre.
— Mas, então, na aula de ciências do ensino fundamental, o Sr. Martinez perguntou quem de nós já havia fantasiado em morar nas nuvens, e todo mundo levantou a mão. Aí o Sr. Martinez nos contou que a velocidade do vento nas nuvens é de duzentos e quarenta quilômetros por hora, que a temperatura gira em torno de trinta graus negativos, que nelas não há oxigênio e que todos morreríamos em poucos segundos.
— Ele parece um cara legal.
— Só digo uma coisa: ele era especialista em arruinar sonhos, Demetria Lovato. Você acha que os vulcões são incríveis? Diga isso aos dez mil cadáveres berrando em Pompeia. Lá no fundo você ainda acredita que haja uma aura de mágica neste mundo? São apenas moléculas desalmadas colidindo umas com as outras aleatoriamente. Você se preocupa com quem vai cuidar de você se seus pais morrerem? Pois deveria mesmo, porque eles virarão comida de verme na completude do tempo.
— A ignorância é uma bênção — falei.
Uma comissária de bordo cruzava o corredor empurrando o carrinho de bebidas, sussurrando:
— Bebida? Bebida? Bebida? Bebida?
O Joe inclinou o corpo por cima de mim, levantando a mão.
— Será que você poderia nos servir champanhe?
— Vocês têm vinte e um anos? — ela perguntou, meio desconfiada. Ajeitei o cateter no nariz de um jeito que ela visse. A comissária sorriu, e então olhou para a minha mãe, que dormia. — Ela não vai achar ruim?
— Nem um pouquinho — respondi.
Então ela serviu um pouco de champanhe em dois copos de plástico. Privilégios do Câncer.
O Joe e eu fizemos um brinde.
— A você — ele disse.
— A você — falei, encostando meu copo no dele.
Tomamos um gole. Estrelas não tão perceptíveis quando comparadas às que tomamos no Oranjee, mas ainda assim boas o bastante para serem apreciadas.
— Sabe — o Joe disse para mim —, tudo o que o Van Houten falou era verdade.
— Talvez, mas ele não precisava ter sido um idiota tão completo. Não acredito que ele imaginou um futuro para Sísifo, o hamster, mas não para a mãe da Anna.
O Joseph deu de ombros. E pareceu sair do ar de repente.
— Você está bem? — perguntei.
Ele balançou a cabeça num movimento microscópico.
— Dói — ele disse.
— O peito?
Ele assentiu. Punhos cerrados. Um tempo depois, ele descreveu aquela dor como sendo a de um homem de uma perna só, calçado com um salto agulha, de pé no meio do tórax dele. Retornei minha bandeja à posição vertical e me inclinei para a frente a fim de procurar analgésicos na mochila dele. Ele tomou um comprimido com champanhe.
— Tudo bem? — perguntei de novo.
O Joe ficou só sentado ali, abrindo e fechando o punho, esperando que o analgésico fizesse efeito, o remédio que não acabava bem com a dor, apenas distanciava o Joe dela (e de mim).
— Parecia que era pessoal — o Joe disse, baixinho. — Como se ele estivesse com raiva de nós dois por algum motivo. O Van Houten, digo.
 Ele bebeu o resto do champanhe de uma vez só e logo pegou no sono.

* * *

Meu pai estava esperando por nós na área de desembarque, em meio aos motoristas de limusine de terno que seguravam placas com os sobrenomes de seus passageiros: JOHNSON, BARRINGTON, CARMICHAEL. Papai tinha a própria placa. MINHA FAMÍLIA LINDA, dizia, e logo abaixo: (E JOE).
Abracei o papai e ele começou a chorar (claro). Na volta de carro para casa, o Joe e eu lhe contamos as histórias de Amsterdã, mas só depois que eu já estava em casa, conectada ao Felipe, assistindo aos bons e velhos programas de televisão norte-americanos com o papai e comendo pizza norte-americana com guardanapos no colo, foi que contei a ele do Joe.
— Joe teve uma recorrência — falei.
— Eu sei — ele disse.
Chegou mais para perto de mim e acrescentou:
— A mãe dele nos contou antes da viagem. Sinto muito por ele ter escondido isso de você. Eu… Eu sinto muito, Demetria. — E não disse mais nada por um bom tempo.
— Eu li o Uma aflição imperial enquanto vocês estavam viajando — o papai disse.
Virei a cabeça na direção dele.
— Ah, que legal. E o que achou?
— Achei bom. Um pouco demais para a minha cabeça. Eu me formei em bioquímica, se você bem se lembra, não em literatura. Realmente acho que a história deveria ter tido um fim.
— É — falei. — Essa é uma reclamação recorrente.
— Além do mais, o livro era um pouco pessimista — ele disse. — Um pouco derrotista.
— Se com derrotista você quer dizer honesto, então concordo com você.
— Não acho que o derrotismo tenha a ver com honestidade — o papai retrucou. — Eu me recuso a aceitar isso.
— Então tudo acontece por uma razão e nós todos vamos viver nas nuvens e tocar harpa e morar em mansões celestiais?
Ele sorriu. E me envolveu com seu braço comprido e me puxou mais para perto, dando um beijo na lateral da minha cabeça.
— Não sei no que eu acredito, Demetria. Eu achava que ser adulto significava saber em que você acredita, mas não tem sido bem assim para mim.
— É — falei. — Tudo bem.
Ele me disse de novo que sentia muito pelo Joe, e nós continuamos a ver o programa. O papai com o braço ainda em volta de mim, e eu meio que comecei a pegar no sono, mas não queria dormir ainda. Então, papai disse:
— Você sabe em que eu acredito? Eu me lembro de quando estava na faculdade, durante uma aula de matemática, uma aula de matemática realmente fantástica dada por uma professora idosa e baixinha. Ela falava das transformações rápidas de Fourier, mas parou no meio de uma frase e disse: “Às vezes parece que o universo quer ser notado.” É nisso que eu acredito. Acredito que o universo quer ser notado. Acho que o universo é, questionavelmente, tendencioso para a consciência, que premia a inteligência em parte porque gosta que sua elegância seja observada. E quem sou eu, vivendo no meio da história, para dizer ao universo que ele, ou a minha observação dele, é temporária?
— Você é razoavelmente inteligente — falei, depois de um tempo.
— Você é razoavelmente boa com elogios — ele retrucou.

* * *

No dia seguinte à tarde, fui de carro até a casa do Joe e lanchei sanduíches de manteiga de amendoim e geleia com os pais dele. Contei as histórias de Amsterdã enquanto o Joe cochilava no sofá da sala de estar, onde tínhamos assistido ao V de Vingança. Dava para vê-lo da cozinha: deitado de costas, o rosto virado para o outro lado, um PICC já em ação. Eles estavam atacando o câncer com um novo coquetel: duas substâncias quimioterápicas e um receptor de proteína que, eles esperavam, desligaria o oncogene no câncer do Joe. Ele teve sorte de conseguir participar do experimento, me disseram. Sorte. Eu já conhecia uma daquelas substâncias. Só de ouvir o nome dela fiquei com vontade de vomitar.
Depois de um tempo, a mãe do Nicholas o levou para visitar o Joe.
— Oi, Nicholas, sou eu, a Demetria, do Grupo de Apoio, e não a sua ex-namorada.
A mãe do Nicholas o guiou até mim, eu levantei da cadeira da mesa de jantar e o abracei, o corpo dele levando alguns instantes para me encontrar antes de me abraçar de verdade, um abraço forte.
— Como foi lá em Amsterdã? — ele perguntou.
— Incrível — respondi.
— Jonas — ele falou. — Cadê você, irmão?
— Ele está tirando um cochilo — eu disse, e minha garganta travou.
O Nicholas balançou a cabeça, o restante de nós permaneceu sem silêncio. — Que droga! — o Nicholas falou depois de um segundo.
A mãe dele o levou até uma cadeira que ela havia puxado. Ele se sentou.
— Eu ainda consigo mandar no seu traseiro cego no Counterinsurgence — o Joseph disse sem se virar para nós.
O remédio deixava a fala dele um pouco lenta, mas aquela velocidade equivalia à de uma pessoa normal.
— Eu tenho quase certeza de que todos os traseiros são cegos — o Nicholas respondeu, estendendo a mão no ar sem rumo, procurando a mãe.
Ela o segurou, ajudou-o a se levantar e eles andaram juntos até o sofá, onde o Joe e o Nicholas deram um abraço meio sem jeito.
— Como está se sentindo? — o Nicholas perguntou.
— Tudo tem gosto de moeda. Fora isso, estou numa montanha-russa que só vai para cima, garoto — o Joe respondeu. O Nicholas riu. — Como estão seus olhos?
— Ah, excelentes — ele disse. — Quer dizer, o fato de não estarem no meu rosto é o único problema.
— Maravilha — o Joe falou. — Não é que eu queira ser melhor que você nem nada, mas meu corpo é feito de câncer.
— Pois é, ouvi dizer — o Nicholas falou, tentando não deixar que aquilo o afetasse.
Tateou à procura da mão do Joe mas só achou a coxa dele.
— Estou tomado — disse o Joe.

* * *

A mãe do Nicholas pegou duas cadeiras, e o Nicholas e eu nos sentamos perto do Joe. Peguei a mão do Joe e fiquei fazendo carinho no espaço entre o polegar e o indicador, em círculos.
Os adultos foram todos para o porão a fim de se lamentar ou coisa do gênero, deixando nós três sozinhos na sala de estar. Depois de um tempo, o Joseph virou a cabeça para nós, o despertar lento.
— Como está a Selena? — ele perguntou.
— Não deu nenhuma notícia — o Nicholas respondeu. — Nenhum cartão; nenhum e-mail. Eu tenho uma máquina que lê meus e-mails para mim. É muito maneira. Dá para alterar o tipo de voz, de homem ou de mulher, além do sotaque, e tal.
— Então eu posso, tipo, mandar um texto pornô e você consegue fazer um velho alemão ler?
— Exatamente — o Isaac disse. — O único problema é que a mamãe ainda precisa me ajudar com a máquina, então talvez seja melhor segurar a onda da pornografia alemã por uma ou duas semanas.
— Ela nem mandou, tipo, um torpedo para perguntar como está indo? — questionei.
Aquilo me pareceu uma injustiça sem precedentes.
— Silêncio de rádio total — o Nicholas disse. — Já parei de pensar nisso. Não tenho tempo para namoradas. Arranjei um emprego de expediente integral Aprendendo a Ser Cego.
O Joe virou de novo a cabeça para o outro lado e ficou olhando, pela janela, para o terraço no quintal da casa. Seus olhos se fecharam. O Nicholas perguntou como eu estava, respondi que bem, e ele me contou que havia uma garota nova no Grupo de Apoio com uma voz bastante sensual e que ele precisava que eu fosse lá para confirmar se ela era mesmo sensual. Aí, do nada, o Joseph disse:
— Você não pode simplesmente não falar com seu ex-namorado depois de os olhos dele terem sido arrancados do raio do rosto dele.
— Apenas um dos…. — o Nicholas começou.
— Demetria Lovato, você tem quatro dólares? — o Joe perguntou.
— Humm — falei. — Tenho.
— Excelente. Você vai encontrar minha perna debaixo da mesa de café — ele falou.
O Joe empurrou o corpo para cima, se sentando, e chegou para a beirada do sofá. Entreguei para ele a prótese; ele a acoplou quase em câmera lenta.
Ajudei o Joe a ficar de pé e ofereci o braço ao Nicholas, e fui guiando ele na transposição dos móveis que, de repente, pareciam estar todos no meio do caminho — e percebi que, pela primeira vez em vários anos, eu era a pessoa mais saudável no ambiente.
Eu dirigi. O Joseph foi no banco do carona. O Nicholas, no banco de trás. Paramos numa loja de conveniência onde, seguindo instruções expressas do Joseph, comprei uma dúzia de ovos enquanto ele e o Nicholas esperavam no carro. E então o Nicholas nos guiou, usando a memória, até a casa da Selena, uma casa de dois andares excessivamente estéril perto do Centro da Comunidade Judaica. O Pontiac Firebird verde-esmeralda da década de 1990, com suas rodas largas, estava parado na entrada de veículos.
— O carro dela está aí? — o Nicholas perguntou quando sentiu que eu estava freando para parar.
— Ah, se está — o Joseph disse. — Você sabe com o que ele se parece, Nicholas? Ele se parece com todas as esperanças que fomos tolos em alimentar.
— Então ela está lá dentro?
O Joe virou a cabeça lentamente a fim de olhar para o Nicholas.
— Quem se importa com onde ela está? Isso não tem nada a ver com ela. Isso tem a ver com você.
O Joe segurou a caixa de ovos no colo, abriu a porta e puxou as pernas para fora, para a rua. Ele abriu a porta para o Nicholas, e eu fiquei olhando pelo retrovisor enquanto o Joe o ajudava a sair do carro, os dois se apoiando um no outro na linha do ombro, o resto do corpo mais afastado, como se fossem duas mãos em oração sem que as palmas se encostassem.
Abaixei o vidro e fiquei assistindo a tudo do carro, porque vandalismo me deixava nervosa. Eles deram alguns passos em direção ao carro da Selena, e então o Joe abriu a caixa de ovos e entregou um para o amigo. O Nicholas o atirou, errando o carro por uns bons doze metros.
— Um pouco para a esquerda — o Joe disse.
— Meu lançamento foi um pouco para a esquerda ou eu preciso mirar um pouco para a esquerda?
— Mire para a esquerda. — O Nicholas girou os ombros. — Mais para a esquerda — o Joe disse. O Nicholas girou de novo. — Isso. Excelente. Agora atire com vontade.
O Joe deu a ele outro ovo, que o Nicholas atirou, fazendo um arco sobre o carro e se estraçalhando no telhado em declive da casa.
— No alvo! — o Joe disse.
— Sério? — o Nicholas perguntou, empolgado.
— Não, você atirou o ovo uns seis metros acima do carro. Atire com vontade, só que mais para baixo. E um pouco mais à direita de onde você estava da última vez.
O Nicholas esticou a mão e pegou sozinho um ovo da caixa que o Joe segurava. Ele o atirou, acertando a lanterna traseira.
— Isso! — o Joe disse. — Isso! Lanterna!
O Nicholas pegou outro ovo, errou um bocado para a direita, depois outro, errando para baixo, e então mais um, acertando o para-brisa traseiro. E aí emplacou três ovos seguidos na mala do carro.
— Demetria Lovato — o Joe gritou para trás. — Tire uma foto para que o Nicholas possa ver isso quando inventarem olhos robóticos.
Ergui o corpo e me sentei na janela com o vidro abaixado, meus cotovelos no teto do carro, e tirei uma foto com o celular: o Joseph, o cigarro apagado na boca, seu sorriso deliciosamente torto, segurando a caixa de ovos cor-de-rosa basicamente vazia no alto da cabeça. Seu outro braço nos ombros do Nicholas, cujos óculos escuros não estão exatamente virados para a câmera. Atrás deles, gemas de ovo escorrem pelo para-brisa e pelo para-choque do Firebird verde. E atrás de tudo, uma porta que se abre.
— O que — perguntou a mulher de meia-idade um segundo depois de eu tirar a foto —, em nome de Jesus… — E então parou de falar.
— Senhora — o Joseph disse, balançando a cabeça e olhando para ela —, o carro da sua filha acabou de ser merecidamente coberto de ovos por um cego. Feche a porta, por favor, e volte para dentro de casa, senão seremos forçados a chamar a polícia.
Depois de hesitar por alguns instantes, a mãe da Selena fechou a porta e desapareceu. O Nicholas atirou os últimos três ovos um atrás do outro e o Joe o guiou de volta ao carro.
— Viu, Nicholas, se você simplesmente tirar… estamos chegando perto do meio-fio agora… deles a sensação de legitimidade, se você inverter as coisas para que achem que são eles que estão cometendo um crime só de ver… só mais alguns passos… os carros sendo cobertos de ovos, eles ficarão confusos, assustados e com medo, e simplesmente voltarão… a maçaneta da porta está bem à sua frente… à vida tediosa deles.
O Joe passou apressado pela frente do carro e se aboletou no banco do carona. As portas se fecharam e eu acelerei, dirigindo várias dezenas de metros antes de me dar conta de que tinha ido na direção de uma rua sem saída. Fiz a volta no cul-de-sac e passei voada pela casa da Selena.
Nunca mais tirei outra foto dele.

Capítulo XV

Alguns dias depois, na casa do Joe, os pais dele, os meus pais, o Joe e eu estávamos todos espremidos à mesa de jantar, comendo pimentões recheados sobre uma toalha que, de acordo com o pai do Joe, tinha sido usada pela última vez no século passado.
Meu pai: “Denise, este risoto…”
Minha mãe: “Está uma delícia.”
Mãe do Joe: “Ah, obrigada. Terei o maior prazer em dar a receita para você.”
Joe, engolindo uma garfada: “Sabe, o gosto que estou sentindo é não Oranjee.”
Eu: ”Bem observado, Joe. Esta comida, mesmo deliciosa, não tem o mesmo gosto da comida do Oranjee.”
Minha mãe: “Demetria.”
Joe: “Tem gosto de…”
Eu: “Comida.”
Joe: “É, exatamente. Tem gosto de comida, muito bem preparada. Mas o gosto não parece… como posso dizer isso de um jeito delicado…?”
Eu: “Não parece que Deus, em pessoa, preparou o paraíso numa série de cinco pratos, os quais lhe foram servidos acompanhados de várias bolhas luminosas de plasma fermentado e espumante, enquanto pétalas de flores verdadeiras e literais flutuavam por toda a superfície do canal ao lado da sua mesa de jantar.”
Joe: “Bem colocado.”
Pai do Joe: “Nossos filhos são estranhos.”
Meu pai: “Bem colocado.”

* * *

Uma semana depois do nosso jantar, o Joe foi parar na Emergência com dores no peito e acabou sendo internado no meio da noite. Fui de carro até o Memorial na manhã seguinte e o visitei no quarto andar. Eu não ia ao Memorial desde a visita ao Nicholas. Ali não havia nenhuma parede pintada com cores exageradamente vivas nem as pinturas emolduradas de cães ao volante de veículos que se via no Hospital Pediátrico, mas a esterilidade completa do lugar me fez sentir saudade daquela aura boba de “criança feliz”. O Memorial era tão funcional… Era tipo um depósito. Um prematório.
Quando as portas do elevador se abriram no quarto andar, vi a mãe do Joe andando de um lado para outro na sala de espera, falando ao celular. Ela desligou rapidamente e me abraçou, se oferecendo para carregar meu carrinho.
— Não precisa, obrigada — falei. — Como está o Joe?
— Ele teve uma noite ruim, Demetria — ela respondeu. — O coração dele está sobrecarregado. O Joe precisa diminuir o ritmo. Daqui para a frente é só cadeira de rodas. Ele está sendo medicado com uma substância nova que deve funcionar melhor no combate à dor. As irmãs dele acabaram de parar o carro no estacionamento.
— Tá — falei. — Posso ver o Joe?
Ela colocou o braço no meu ombro e apertou-o com a mão. A sensação foi esquisita.
— Você sabe que nós a amamos, Demetria, mas nesse momento precisamos ficar apenas em família. O Joe concorda com isso. Tudo bem?
— Tudo — respondi.
— Vou dizer a ele que você esteve aqui.
— Tá — falei. — Só vou ficar por aí lendo um pouco, acho.

* * *

Ela andou até o fim do corredor, de volta ao lugar onde ele estava. Eu compreendia, mas ainda assim sentia falta dele e imaginava que talvez estivesse perdendo a última chance de ver o Joe, de me despedir, ou sei lá. A sala de espera era toda forrada de carpete marrom e mobiliada com estofados de tecido marrom. Eu me sentei num sofá por um tempo, o carrinho do oxigênio enfiado debaixo dos meus pés. Eu tinha colocado meus Chuck Taylors e minha camiseta do Ceci n’est pas une pipe, o mesmo figurino que usei duas semanas antes no fim de tarde do diagrama de Venn, e ele nem ia ver. Comecei a olhar as fotos do meu celular, um álbum de trás para a frente dos últimos meses, começando com ele e o Nicholas do lado de fora da casa da Selena, e terminando com a primeira foto que tirei dele, a caminho dos Ossos Maneiros. Parecia que tinha sido, tipo, há uma eternidade, como se tivéssemos vivido uma breve, mas infinita, eternidade. Alguns infinitos são maiores que outros.

* * *

Duas semanas depois, fui empurrando a cadeira de rodas do Joe pelo parque atrás do museu, em direção aos Ossos Maneiros, com uma garrafa cheia de um champanhe muito caro e meu cilindro de oxigênio no colo dele. O champanhe tinha sido doado por um dos médicos do Joe, o Joe sendo o tipo de pessoa que inspira médicos a darem suas garrafas de champanhe mais especiais para crianças. Ficamos ali sentados, ele na cadeira e eu na grama úmida, o mais perto dos Ossos Maneiros que conseguimos chegar com a cadeira de rodas. Apontei para as crianças que encorajavam umas às outras a pular da caixa torácica até o ombro, e o Joe fez um comentário, a voz dele alta só o suficiente para que eu conseguisse escutá-lo com todo aquele barulho.
— Da última vez me imaginei como sendo uma das crianças. Dessa vez sou o esqueleto.
Nós bebemos o champanhe em copos de papel do Ursinho Pooh. 

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