Joe.
Eu sabia que seria
chamado à sala do novo diretor, em algum momento, durante o ano letivo. Mas não
esperava que isso acontecesse logo no primeiro dia de aula.
Ouvi dizer que o Dr. Aguirre foi contratado graças à
mão-de-ferro que demonstrou, na direção de uma escola em Milwaukee. Alguém deve
ter dito a ele que fui eu quem começou tudo...
E, agora, aqui estou, depois de ter sido praticamente
arrancado do ginásio de esportes, para que Aguirre possa estufar o peito e
recitar todas as regras sobre a minha condição de estudante. Sinto que ele está
me sondando, tentando prever minhas reações, enquanto me ameaça:
— Contratei dois seguranças armados para trabalhar neste
colégio, em tempo integral, Joseph.
Seus olhos me focam, tentando me intimidar. Sim, tudo bem.
Percebo de imediato que Aguirre, mesmo sendo latino, não sabe nada sobre o que
acontece nas ruas...
Agora ele começa a me contar que também foi um garoto pobre,
como eu. Mas provavelmente nem conhece o outro lado da cidade, onde moro.
Talvez eu devesse convidá-lo para dar uma volta por lá.
— Prometi ao superintendente de ensino, bem como ao pessoal
do conselho educativo, que me encarregaria de erradicar a violência que tem
infestado este colégio, por tantos anos. — Ele para bem diante de mim. — Não
hesitarei em dar uma suspensão a quem desobedecer as regras.
Não fiz nada, além de me divertir um pouco com aquela patricinha...
E esse cara já está falando em suspensão. Talvez ele tenha ouvido alguma coisa
sobre a minha suspensão, no ano passado... Um pequeno incidente que me deixou
fora das aulas, por três dias. Não foi culpa minha... Não totalmente. É que o
meu amigo Paco tinha uma teoria maluca sobre a água fria que, supostamente,
afetaria os brancos de um modo diferente dos latinos. Nós estávamos conversando
sobre isso, na sala das caldeiras, depois dele ter desligado os aquecedores,
quando fomos pegos.
Eu não tinha nada a ver com aquilo, mas levei a culpa do
mesmo jeito. Paco tentou contar a verdade, mas o nosso antigo diretor não quis
escutar. Se eu insistisse mais, talvez ele me ouvisse. Mas do que adianta lutar
por uma causa perdida?
Claro que Demetria Ellis é a responsável por eu estar aqui,
hoje. Ou você acha que aquele idiota do namorado dela já foi chamado à sala do
Aguirre, alguma vez? De jeito nenhum. O cara é o ídolo do futebol aqui do
colégio. Ele pode matar aula e brigar o quanto quiser, que provavelmente continuará
a ser bajulado pelo Aguirre.
Colin Adams vive me provocando, sabendo que pode fazer isso à
vontade. Todas as vezes em que estive prestes a revidar, ele encontrou um jeito
de fugir ou correr para perto dos professores... Que, aliás, estavam apenas esperando
pela oportunidade de me ferrar. Qualquer dia desses...
Olho para Aguirre:
— Não fui eu quem começou a briga.
Posso até terminar uma briga, mas não sou de provocar.
— Isso é bom — diz Aguirre. — Mas fiquei sabendo que você
desacatou uma aluna, no estacionamento.
Quase fui atropelado pelo reluzente BMW novo de
Demetria Ellis... E a culpa é minha? Nos últimos três anos, consegui
evitar aquela cadelinha rica. No ano passado, ouvi dizer que havia uma nota “C”
no boletim dela. Mas bastou um telefonema de seus pais e a nota mudou para “A”.
Um “C” prejudicaria sua chance de entrar numa boa faculdade.
Que droga. Se eu tirasse um “C” minha mãe me daria uns
tabefes na cabeça e me faria estudar duas vezes mais. Tenho trabalhado duro
para tirar notas boas, embora tenha sido questionado muitas vezes sobre os
recursos que uso para conseguir as respostas, nas provas. Para mim, a questão
não é entrar na faculdade. A questão é provar que eu poderia entrar... Se meu
mundo fosse diferente.
Nós, da zona sul, podemos até ser considerados mais idiotas
que os caras da zona norte... Mas isso é conversa. Não somos tão ricos ou
obcecados com bens materiais, nem com a perspectiva de entrar nas universidades
mais caras e prestigiadas do país. Durante a maior parte do tempo, estamos
apenas tentando sobreviver e salvar a pele.
Provavelmente o problema mais difícil, na vida de Demetria
Ellis, é decidir em que restaurante jantar, a cada noite. A garota usa seu
corpo estonteante para manipular todo mundo que se aproxima dela.
— Você se importaria de me contar o que aconteceu, no
estacionamento? — diz Aguirre. — Gostaria de ouvir a sua versão.
Isso não quer dizer nada. Aprendi, há muito tempo, que o meu
lado não importa.
— O que aconteceu hoje de manhã... — eu digo — foi um grande
mal-entendido.
Demetria Ellis não entendeu que dois veículos não podem
ocupar o mesmo espaço.
Aguirre inclina-se sobre sua mesa polida, impecável:
— Vamos tentar não fazer dos mal-entendidos um hábito. Certo,
Joseph?
— Joe.
— Hum?
— Pode me chamar de Joe — eu digo. Tudo o que ele sabe a meu
respeito está no meu prontuário escolar, que provavelmente é tão extenso, que
deve ter uns vinte centímetros de grossura.
Aguirre responde com um aceno de cabeça:
— Tudo bem, Joe. Pode ir, agora. Mas estou atento ao que
aconteceu; ficarei de olho em cada movimento que você fizer. E não quero vê-lo
aqui, de novo, em minha sala.
Eu me levanto e ele me toca o ombro.
— Quero que você saiba que minha meta é trabalhar para que
cada aluno deste estabelecimento seja bem-sucedido. Refiro-me a todos os
alunos, Joe... Inclusive você. Portanto, se você tiver algum preconceito a meu
respeito, trate de jogá-lo pela janela... Entendeu?
— Sí... Entiendo — respondo, perguntando-me até onde
posso confiar nele.
No corredor, uma multidão de estudantes se apressa para a
próxima aula.
Nem imagino para onde devo ir, para assistir a próxima aula.
E ainda estou usando minhas roupas de ginástica.
Vou ao vestiário para me trocar e escuto a música, nos
alto-falantes, chamando os alunos... Tiro do bolso de trás da calça o cartão
com o horário das aulas: Química, com a Sra. Peterson. Que maravilha! Mais uma
durona que vou ter que aguentar.
~*~
Os capítulos são curtos, como perceberam. Mas se quiserem que eu faça uma maratona ou algo do tipo, peçam ok?!
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