The Fault In Our Stars
Esse foi um
dia típico com o Joe em estágio terminal:
Fui até a casa dele por volta do meio-dia, depois
de ele ter tomado e vomitado o café da manhã. Ele abriu a porta para mim, de
cadeira de rodas, não mais aquele garoto musculoso e lindo que me encarou no
Grupo de Apoio, mas ainda com o sorriso torto nos lábios, fumando o cigarro
apagado, os olhos azuis intensos e vívidos.
Almoçamos com os pais dele à mesa de jantar.
Sanduíches de manteiga de amendoim e geleia, mais os aspargos da noite
anterior. O Joe não comeu. Perguntei como ele estava se sentindo.
— Maravilha — ele disse. — E você?
— Estou bem. O que você fez ontem à noite?
— Dormi um bocado. Quero escrever a
continuação do livro para você, Demetria Lovato, mas estou sempre tão cansado o
tempo todo…
— Você pode simplesmente me contar o que tem
em mente — falei.
— Bem, eu continuo fiel à minha análise,
anterior ao encontro com o Van Houten, sobre o Homem das Tulipas Holandês. Ele
não é um vigarista, mas também não é rico como as fazia acreditar.
— E a mãe da Anna?
— Ainda não formei uma opinião a respeito
dela. Paciência, Gafanhoto. — O Joseph sorriu.
Os pais dele estavam em silêncio, observando o
filho sem desviar o olhar, como se quisessem curtir ao máximo o Show do Joe
Jonas enquanto ainda estava em cartaz.
— Às vezes sonho que estou escrevendo minha
autobiografia. Um livro como esse seria a melhor forma de me perpetuar no
coração e na memória do público que me idolatra.
— Por que você precisa desse público quando
tem a mim? — perguntei.
— Demetria Lovato, quando se é charmoso e
fisicamente atraente como eu, é fácil demais seduzir quem você conhece. Mas
fazer com que completos desconhecidos o amem… isso sim é um desafio.
Revirei os olhos.
* * *
Depois do almoço, saímos para o quintal. Ele
ainda tinha força para impulsionar sozinho a cadeira de rodas, levantando um
pouquinho as rodinhas da frente a fim de transpor a saliência da passagem da
porta. Ainda atlético, apesar de tudo, dotado de equilíbrio e reflexos ágeis
que nem mesmo aquela grande quantidade de analgésicos conseguia anular por
completo.
Os pais dele ficaram dentro de casa, mas toda
vez que eu olhava para a sala de jantar, os dois estavam sempre nos observando.
Ficamos sentados lá fora em silêncio por um
minuto e então o Joe disse:
— Às vezes eu gostaria que ainda tivéssemos
aquele balanço.
— Aquele do meu quintal?
— É. Minha nostalgia é tanta que consigo
sentir saudade de um balanço no qual a minha bunda nunca encostou de fato.
— A nostalgia é um efeito colateral do câncer
— falei para ele.
— Não… A nostalgia é um efeito colateral de se
estar morrendo — ele retrucou.
Acima de nós, o vento soprava e as sombras das
árvores andavam pela nossa pele. O Joe apertou a minha mão.
— É uma vida boa, Demetria.
* * *
Entramos quando ele precisou tomar remédios,
que eram injetados com a ajuda de um líquido de nutrição através do tubo de
alimentação, um tubo de plástico que desaparecia dentro da barriga. Ele ficou
em silêncio por um tempo, fora do ar. A mãe quis que ele tirasse uma soneca,
mas o Joe sempre balançava a cabeça negativamente quando ela sugeria isso,
então nós simplesmente o deixamos ficar ali sentado na cadeira, meio sonolento,
por alguns instantes.
Os pais dele assistiram a um vídeo antigo do Joe com as irmãs — elas tinham mais ou menos a minha idade, e o Joe, uns cinco
anos. Estavam jogando basquete na entrada de veículos de uma outra casa e,
mesmo o Joe sendo pequeno, conseguia driblá-las como se tivesse nascido fazendo
aquilo, correndo em círculos em volta das irmãs enquanto elas riam. Era a
primeira vez que eu o via jogar basquete.
— Ele era bom — falei.
— Você devia ter visto ele no ensino médio — o
pai disse. — Começou a jogar no time da escola quando ainda era calouro.
O Joe balbuciou:
— Posso ir lá para baixo?
A mãe e o pai empurraram a cadeira de rodas
até o porão com o Joe ainda em cima dela, sacudindo loucamente de um jeito que
teria sido considerado perigoso se o perigo ainda tivesse sua relevância, e
depois nos deixaram sozinhos. Ele foi para a cama e nós ficamos deitados ali
juntos, debaixo das cobertas, eu de lado e o Joe de costas, minha cabeça
apoiada no ombro ossudo dele, seu calor irradiando para a minha pele através da
camisa polo, meus pés entrelaçados ao pé de verdade dele, minha mão em sua
bochecha.
Quando o rosto dele ficava bem perto do meu,
meu nariz encostando nele de tal maneira que só dava para ver seus olhos, era
impossível dizer que estava doente. Nós nos beijamos por um tempo e então
ficamos ali, juntos, deitados, ouvindo o álbum epônimo do The Hectic Glow, e
acabamos pegando no sono daquele jeito, um emaranhado quântico de tubos e
corpos.
* * *
Acordamos algumas horas depois e arrumamos uma
armada de travesseiros para que ele pudesse se sentar confortavelmente apoiado
na beira da cama e jogar Counterinsurgence 2: O preço do alvorecer. Eu era uma
negação jogando aquilo, claro, mas meu péssimo desempenho tinha uma utilidade:
tornava mais fácil para ele morrer lindamente, pular na frente do projétil
disparado por um atirador de elite e se sacrificar por mim, ou então matar uma
sentinela que estava prestes a me acertar. Como ele se divertia me salvando! O
Joe gritou:
— Você não vai matar minha namorada hoje,
Terrorista Internacional de Nacionalidade Indefinida!
Passou pela minha cabeça simular um engasgo ou
algo do gênero, para que ele pudesse aplicar a manobra de Heimlich em mim.
Talvez assim o Joe conseguisse se livrar do medo de sua vida não ter sido
vivida nem perdida a serviço de um bem maior. Mas aí levei em conta o fato de
que ele talvez não fosse ser fisicamente capaz de realizar a manobra de Heimlich,
o que me faria ter de revelar que tudo não passava de encenação, e a isso se
seguiria um sentimento de humilhação mútua.
* * *
É difícil como os diabos manter a dignidade
quando a luz do sol nascente é forte demais em seus olhos que perecem, e era
nisso que eu estava pensando enquanto íamos atrás dos caras maus nas ruínas de
uma cidade que não existia.
Por fim, o pai dele desceu e empurrou o Joe de
volta para o andar de cima e, na entrada da casa, abaixo de um Encorajamento
que me dizia que Amigos São Para Sempre, me abaixei para dar um beijo de
boa-noite nele. Fui para casa e jantei com meus pais, deixando o Joe sozinho
para comer (e vomitar) seu próprio jantar.
Depois de assistir a um pouco de TV, fui
dormir.
Acordei.
Por volta do meio-dia, fui até lá de novo.
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