The Fault In Our Stars
Uma das
convenções menos sem sentido do tipo criança com câncer é a do Último Dia Bom,
quando a vítima do câncer se vê vivendo horas imprevistas nas quais parece que,
de repente, o declínio inexorável atingiu um nível estável, quando a dor é
suportável por um momento. O problema, obviamente, é que não dá para saber que
seu último dia bom é o seu Último Dia Bom. Na hora, ele é só um dia bom como
outro qualquer.
Eu não tinha ido visitar o Joseph naquele dia
porque eu mesma não estava me sentindo muito bem: nada especialmente sério, só
estava cansada. Foi um dia de não fazer nada, e quando o Joseph ligou logo
depois das cinco da tarde eu já estava conectada ao BiPAP, que tínhamos
arrastado até a sala de estar para que eu pudesse ver televisão com a mamãe e o
papai.
— Oi, Joseph — falei.
Ele respondeu com a voz pela qual eu tinha me
apaixonado.
— Boa tarde, Demetria Lovato. Por acaso você
acha que poderia dar uma chegada no Coração Literal de Jesus lá pelas oito da
noite?
— Humm… sim.
— Excelente. E também, se não for pedir
demais, você poderia preparar um elogio fúnebre, por favor?
— Humm — falei.
— Eu te amo — ele disse.
— Eu também — completei, e ele desligou o
telefone.
— Humm — comecei. — Preciso ir ao Grupo de
Apoio hoje, às oito da noite. Sessão de emergência.
Minha mãe tirou o som da TV.
— Está tudo bem?
Olhei para ela por um segundo, a sobrancelha
arqueada.
— Imagino que essa seja uma pergunta retórica.
— Mas por que haveria…
— Porque, por algum motivo, o Joe precisa de
mim. Está tudo bem. Posso ir dirigindo.
Fiquei brincando com o BiPAP para que a mamãe
pudesse me ajudar a tirá-lo, mas ela nem se mexeu.
— Demetria — ela falou —, seu pai e eu estamos
com a sensação de que não a vemos mais.
— Principalmente aqueles de nós que trabalham
a semana toda — papai disse.
— Ele precisa de mim — falei, finalmente
tirando o BiPAP sozinha.
— Nós também precisamos de você, filha — meu
pai falou.
Ele me segurou firme pelo pulso, como se eu
fosse uma garotinha de dois anos prestes a sair correndo pela rua.
— Bem, pai, arrume uma doença terminal, e aí
eu fico mais em casa.
— Demetria — minha mãe falou.
— Era você quem não queria que eu fosse uma
reclusa — falei para ela. Papai ainda estava segurando o meu braço. — E agora quer
que ele vá e morra para que eu volte a ficar aprisionada aqui, deixando que
você tome conta de mim como sempre deixei. Mas eu não preciso disso, mãe. Não
preciso de você como precisava antes. É você quem precisa viver a sua vida.
— Demetria! — o papai falou, apertando ainda
mais o meu pulso. — Peça desculpas à sua mãe.
Eu estava puxando meu braço, mas ele não me
soltava, e eu não conseguia colocar a cânula só com uma das mãos. Era de dar
nos nervos. Tudo o que eu queria era um rompante adolescente à moda antiga,
sair como um furacão, bater a porta do meu quarto, botar o The Hectic Glow bem
alto para tocar e escrever freneticamente um elogio fúnebre. Mas eu não podia
fazer isso porque não conseguia respirar.
— A cânula — eu me queixei. — Preciso dela.
Meu pai me soltou imediatamente e se apressou
em me conectar com o oxigênio. Pude ver a culpa em seus olhos, mas ele ainda
estava com raiva.
— Demetria, peça desculpas para sua mãe.
— Tá bem, foi mal, só me deixem fazer isso,
por favor.
Eles não disseram nada. Mamãe continuou
sentada com os braços cruzados, sem nem olhar para mim. Depois de um tempo eu
me levantei e fui para o quarto a fim de escrever sobre o Joseph.
Tanto a mamãe quanto o papai bateram na minha
porta algumas vezes, e tal, e eu só respondi dizendo que estava fazendo uma
coisa importante. Levei uma eternidade para descobrir o que gostaria de dizer,
e mesmo depois não fiquei muito satisfeita com o resultado. Antes de dar o
texto por encerrado, tecnicamente falando, reparei que eram 7h40, o que
significava que eu chegaria atrasada mesmo se não trocasse de roupa, então, no
fim das contas, fui com a calça do pijama de algodão azul-bebê, um par de
chinelos e a camiseta do time da Butler, do Joe.
Saí do quarto e tentei passar direto por eles,
mas meu pai disse:
— Você não pode sair desta casa sem permissão.
— Ai, meu Deus, pai. O Joe queria que eu
escrevesse um elogio fúnebre para ele, tá? Eu vou ficar em casa todo. Raio. De.
Noite. Começando qualquer dia a partir de amanhã, tudo bem?
Aquilo finalmente os fez calar a boca.
* * *
Só me acalmei da discussão com meus pais
quando já estava chegando lá. Dei a volta na parte de trás da igreja e
estacionei na entrada de veículos semicircular, atrás do carro do Joseph. A
porta dos fundos estava aberta, presa por uma pedra do tamanho de um punho. Lá
dentro, considerei a possibilidade de descer de escada, mas decidi esperar pelo
velho elevador.
Quando a porta do elevador se abriu eu me vi
na sala de reunião do Grupo de Apoio, as cadeiras arrumadas na mesma roda de
sempre. Mas agora o que enxerguei foi só o Joe numa cadeira de rodas,
morbidamente magro. Ele me encarava do meio do círculo. Tinha ficado esperando
a porta do elevador se abrir.
— Demetria Lovato — ele disse —, você está
estonteante.
— Estou, não estou?
Ouvi um barulho vindo de um canto escuro do
cômodo. O Nicholas estava de pé atrás de um pequeno púlpito de madeira,
apoiando-se nele.
— Você quer se sentar? — perguntei para o
Isaac.
— Não. Estou prestes a começar um elogio
fúnebre. Você está atrasada.
— Você… eu… o quê?
O Joe fez um gesto para eu me sentar. Puxei
uma cadeira até o meio da roda, para perto dele, e ele girou a cadeira de rodas
para ficar de frente para o Nicholas.
— Quero comparecer ao meu enterro — o Joe
disse. — A propósito, você vai dizer algumas palavras no meu enterro?
— Humm, claro, vou sim — falei, deixando minha
cabeça repousar no ombro dele.
Estendi os braços por suas costas e abracei
tanto o Joe quanto a cadeira de rodas. Ele fez uma careta. Eu o larguei.
— Beleza — ele falou. — Tenho esperança de
poder comparecer como fantasma, mas, só para garantir, pensei que talvez… bem,
não é que eu queira deixar vocês numa situação difícil nem nada, mas esta tarde
tive a ideia de organizar um pré-enterro, e deduzi que, já que estou me
sentindo relativamente bem, não há momento melhor que o presente.
— Como é que você conseguiu entrar aqui? —
perguntei.
— Você acredita que eles deixam a porta aberta
a noite toda?
— Humm… não — respondi.
— E não deveria mesmo — o Joe sorriu. — Bem,
de qualquer forma, sei que isso é um pouco autoengrandecedor.
— Ei, você está roubando meu elogio fúnebre —
o Nicholas disse. — A primeira parte fala de como você era um filho da mãe
autoengrandecedor.
Eu ri.
— Tá, tá — o Joe disse. — Quando quiser.
O Nicholas limpou a garganta.
— O Joseph Jonas era um filho da mãe
autoengrandecedor. Mas nós o perdoamos. Nós o perdoamos não porque seu coração
figurativo era tão bom quanto o coração literal era ruim, nem porque ele sabia
segurar um cigarro melhor que qualquer outro não fumante na história, nem
porque ele viveu dezoito anos quando deveria ter vivido mais.
— Dezessete — o Joe corrigiu.
— Estou presumindo que você ainda tenha algum
tempo de vida, seu filho da mãe que só sabe interromper os outros. Vou dizer
uma coisa para vocês — o Nicholas continuou —, o Joseph Jonas falava tanto que
seria capaz de interromper a pessoa falando em seu próprio enterro. E ele era
pretensioso: Meu Jesus Cristo, aquele garoto nunca mijava sem ponderar a
respeito das ressonâncias metafóricas abundantes na produção de dejetos
humanos. E ele era vaidoso: não creio ter conhecido uma pessoa mais atraente
fisicamente que tivesse uma consciência tão profunda de sua própria
atratividade física. Mas só digo uma coisa: quando os cientistas do futuro
aparecerem na minha casa com olhos robóticos e me disserem para
experimentá-los, vou mandar eles se foderem, porque não quero ver um mundo sem
o Joseph.
Eu estava meio que chorando a essa altura.
— E aí, depois de ter defendido meu argumento
retórico, vou colocar os olhos robóticos, porque, quer dizer, com olhos
robóticos pode ser que eu consiga ver através das camisetas das garotas, e tal.
Josseph, meu amigo, que bons ventos o levem.
O Joseph balançou a cabeça por alguns instantes,
os lábios franzidos, e então fez um sinal de positivo com o polegar para o
Nicholas. Depois de recuperar a compostura, comentou:
— Eu deixaria de fora a parte sobre ver
através das camisetas das garotas.
O Nicholas ainda estava apoiado no púlpito. E
começou a chorar. Apoiou a testa com o rosto virado para o pódio e eu fiquei
vendo seus ombros tremerem.
Por fim, ele falou:
— Porra, Joseph, editando seu próprio elogio
fúnebre…
— Não fale palavrão no Coração Literal de
Jesus — o Joe disse.
— Porra — o Nicholas repetiu. Ele levantou a
mão e engoliu em seco. — Demetria, você poderia me dar uma mãozinha aqui?
Tinha me esquecido de que ele não conseguia
voltar para a roda sozinho. Eu me levantei, coloquei a mão dele no meu braço e
o guiei lentamente até a cadeira ao lado do Joe, onde estivera sentada. Aí
andei até o pódio e desdobrei o pedaço de papel no qual havia impresso meu
elogio fúnebre.
— Meu nome é Demetria. O Joseph Jonas foi o
grande amor estrela-cruzada da minha vida. Nossa história de amor foi épica, e não
serei capaz de falar mais de uma frase sobre isso sem me afogar numa poça de
lágrimas. O Joe sabia. O Joe sabe. Não vou falar da nossa história de amor para
vocês porque, como todas as histórias de amor de verdade, ela vai morrer com a
gente, como deve ser. Eu tinha a expectativa de que ele é quem estaria fazendo
o meu elogio fúnebre, porque não há ninguém que eu quisesse tanto que…. —
Comecei a chorar. — Tá, como não chorar. Como é que eu… tá. Tá.
Respirei fundo algumas vezes e retomei a
leitura.
— Não posso falar da nossa história de amor,
então vou falar de matemática. Não sou formada em matemática, mas sei de uma
coisa: existe uma quantidade infinita de números entre 0 e 1. Tem o 0,1 e o
0,12 e o 0,112 e uma infinidade de outros. Obviamente, existe um conjunto ainda
maior entre o 0 e o 2, ou entre o 0 e o 1 milhão. Alguns infinitos são maiores
que outros. Um escritor de quem costumávamos gostar nos ensinou isso. Há dias,
muitos deles, em que fico zangada com o tamanho do meu conjunto ilimitado. Queria
mais números do que provavelmente vou ter, e, por Deus, queria mais números
para o Joseph Jonas do que os que ele teve. Mas, Joe, meu amor, você não
imagina o tamanho da minha gratidão pelo nosso pequeno infinito. Eu não o
trocaria por nada nesse mundo. Você me deu uma eternidade dentro dos nossos
dias numerados, e sou muito grata por isso.
posta o mais rápido possível!!!
ResponderExcluirchorei pouco eim!!!!
perfeito