quinta-feira, 25 de abril de 2013

Chapter 44

Joe

Não sei onde Demetria estava com a cabeça quando resolveu me trazer para esta galeria de arte. Ela e Selena param na frente de um quadro e ficam falando coisas que para mim não tem o menor sentido. Estou me sentindo um peixe fora d’água neste lugar.
Agora estou andando sem rumo certo e aproveito para dar uma olhada na enorme mesa cheia de coisas que nem dá para chamar de comida. Ainda bem que almocei antes de vir. Esse tal de sushi, por exemplo... É uma coisa que dá vontade de por no forno para ver se fica comestível. Tudo é tão minúsculo e de repente uma travessa com sanduíches enormes... Vá se entender...
Ainda estou olhando para a mesa quando me batem nas costas.
— Esses devem ser servidos sem wasabi.
Eu me viro e vejo um cara branco, baixo e loiro. Ele me faz lembrar do Cara de Burro e já fico com um pé atrás.
— Sem wasabi... — ele repete.
Se eu soubesse que porra é wasabi, poderia responder. Mas não sei... Então, não respondo. E o cara faz com que eu me sinta um ignorante, dizendo:
— Você não fala Inglês?
Minha mão se fecha, pronta para dar um soco.
É claro que falo inglês, seu idiota. Mas na última vez em que estive numa aula não me lembro de ter ouvido a palavra wasabi.
Em vez de responder, ignoro o cara e me afasto, para olhar os quadros. Paro diante de um que mostra um cão e uma menina, passeando por uma coisa que me parece uma representação meio babaca do planeta Terra.
— Ah, aqui está você — diz Demetria, se aproximando. Nick e Selena estão bem atrás dela.
— Demi, este é Perry Landis... O artista — diz Nick, apontando para o cara que falou comigo e se parece com o Colin.
— Oh, meu Deus! Seu trabalho é incrível! — diz Demetria, toda entusiasmada.
Ela disse “Oh-meu-Deus” como se realmente fosse uma perfeita idiota. Será que está brincando?
O cara vira a cabeça e olha seu quadro, por cima do ombro.
— O que você achou desse? — ele pergunta.
— Acho que esse quadro mostra uma grande compreensão da relação entre o homem, o animal e a Terra.
Ah, francamente! Que papo furado!
Perry enlaça Demetria... Estou com vontade de começar uma briga, bem aqui, no meio da galeria.
— Você é muito profunda...
Profunda é minha bunda. Ele quer é transar com ela... Coisa que, se depender de mim, não vai acontecer nunca.
— Joe, o que você acha? — Demetria me pergunta.
— Bem... — coço meu queixo, enquanto olho para o quadro. — Acho que toda essa coleção pode valer umas três notinhas de um dólar... Bem, um pouco mais... Uns três e cinquenta e está de bom tamanho.
Selena arregala os olhos e leva a mão à boca, em estado de choque. Nick engasga com o drinque. E Demetria? Como será que ela vai reagir?
— Joe, você deve a Perry um pedido de desculpas — ela me diz.
Sim, logo depois que ele me pedir desculpas por me perguntar sobre o tal wasabi. Sem chance...
— Estou fora — digo, voltando as costas a todos eles e caminhando até a saída. — Fui!
Saio da galeria.
Acendo um cigarro que acabei de filar da garçonete que trabalha do outro lado da rua, e que resolveu fazer um intervalo, para fumar e relaxar um pouco.
Penso no tom de voz de Demetria, quando me mandou pedir desculpas. Não sou bom para cumprir ordens. E, porra, detestei ver aquele artista de meia-tigela abraçar minha garota. Sei que todos os caras querem pôr a mão nela, de algum jeito... só para dizer que conseguiram tirar uma onda. Também sou louco por Demetria, também quero tocá-la, claro.
Mas não quero que ela queira mais ninguém... Só eu.
Também não vou aceitar que ela me dê ordens, como se eu fosse um cão amestrado... Nem que me dê a mão apenas quando ninguém está olhando.
Ela disse à minha mãe que vamos descobrir, juntos, o que queremos um do outro.
Bem, de uma coisa tenho certeza: isto, que aconteceu agora há pouco, eu não quero.
— Vi você sair da galeria — diz a garçonete, quando devolvo seu isqueiro. — Mas lá só tem hoiteys...
Wasabi. E, agora, hoiteys. Será que esse povo daqui pensa que realmente não sei falar Inglês?
— Hoiteys? O que é isso?
— Tipos hoitey-toitey... É assim que a gente chama aqueles caretas de colarinho branco, sabe?
— Ah... Bem, definitivamente, eu não sou um colarinho branco... Sou mais do tipo operário [No original: “blue collar”, “colarinho azul”, expressão que significa, de modo geral, operário. (N. de T.)], que acabou vindo com um bando de hoiteys para cá. — Dou uma longa tragada, grato pela nicotina, que me acalma de imediato. Ok, meus pulmões devem estar detonados, mas tenho uma certeza que me consola: provavelmente morrerei antes que meus pulmões resolvam acabar comigo.
— Meu nome é Mandy — diz a garçonete, estendendo a mão e me lançando um sorriso. — Assim como você, sou mais do tipo operário
Seus cabelos são castanhos, com reflexos ruivos. Ela é uma graça... Mas não é Demetria.
— Joe — digo, apertando sua mão.
Mandy olha para minhas tatuagens.
— Eu tenho duas — ela me diz. — Quer ver?
Não, realmente. Tenho a impressão de que Mandy é do tipo que tomou um porre, numa noite qualquer, e resolveu tatuar o peito... ou a bunda.
— Joe! — Demetria grita meu nome, da porta da galeria.
Ainda estou fumando e tentando esquecer que ela só me trouxe aqui porque sou seu pequeno e sujo segredo. Acontece que não quero mais... Cansei de ser esse maldito segredo.
Demetria nos vê... Aqui estamos, Mandy e eu, dois pés-rapados, fumando juntos.
Minha quase namorada atravessa a rua. Seus sapatos de marca ressoam na calçada, como a me lembrar que ela pertence a uma classe superior.
— Esta é Mandy — eu digo a Demetria, só para provocar. — Ela ia me mostrar suas tatuagens, sabe?
— Aposto que sim... — Os olhos de Demetria me acusam. — E você também ia mostrar as suas?
— Estou fora desse drama — diz Mandy, jogando seu cigarro e amassando-o com a ponta do tênis. — Boa sorte para vocês dois. Deus sabe o quanto estão precisando...
Dou mais uma tragada; não queria me sentir assim, tão atraído por Demetria, como estou me sentindo agora.
— Volte para a galeria, querida. Vou tomar um ônibus para casa.
— Achei que iríamos passar um belo dia juntos, Joe, numa cidade onde ninguém nos conhece. Você às vezes não tem vontade de passar despercebido, como se fosse invisível? Acho isso tão bom...
— Pois eu não gostei nem um pouco quando aquele artistinha de merda me confundiu com um garçom. É melhor ser tratado como um bad boy, do que como um capacho.
— Você nem sequer tentou ficar bem, naquela galeria. Se relaxasse, se tirasse esse peso dos ombros, teria se sentido mais à vontade... Você pode ser um deles, Joe.
— Ah, é? Todo mundo parecia de plástico, naquela galeria. Até mesmo você. Ora, acorde, srta. Oh-meu-Deus! Eu não quero ser um deles, entendeu?
— Claramente. E, para sua informação, eu não sou de plástico. Você até pode chamar a minha atitude de “plástico”. Mas, no meu meio, nós costumamos chamá-la de “atenciosa e gentil”.
— Isso no seu círculo social, não no meu. No meu meio, nós chamamos as coisas tal como são. E nunca, ouviu bem, nunca mais me mande pedir desculpas, como se você fosse a minha mãe. Juro, Demetria, que se você fizer isso mais uma vez, vai ser o fim.
Cara! Os olhos dela estão ficando vidrados. Ela me vira as costas... E tenho vontade de me dar um pontapé, por ter magoado essa menina.
Jogo meu cigarro fora.
— Sinto muito. Eu só não queria fazer papel de besta e foi exatamente o que aconteceu, não é? Mas só fiz isso porque não estava me sentindo bem, lá dentro.
Demetria nem me olha. Eu a alcanço, acaricio suas costas... E fico aliviado porque ela não foge de mim.
— Demetria... — eu continuo — adoro estar com você. No colégio, por exemplo... Fico procurando por você, em todos os corredores, por todos os lados. E assim que consigo pôr os olhos nesses seus cabelos de anjo, que parecem raios de sol... — digo, passando meus dedos por eles — sinto que seria capaz de ficar a vida inteira olhando para eles.
— Eu não sou um anjo.
— Para mim, você é. E, se você me perdoar, prometo que vou até aquela galeria, agora mesmo, para pedir desculpas ao cara de bur... ao artista.
Ela arregala os olhos.
— Verdade?
— Sim. Claro que não estou a fim de fazer isso. Mas faço... por você.
A boca de Demetria se curva, num pequeno sorriso:
— Esqueça. Agradeço sua disposição de fazer isso, por mim. Mas você tem razão. O trabalho do cara... não é nada bom.
— Ah, vocês estão aí, crianças — diz Selena. — Estávamos à procura dos dois pombinhos. Vamos pegar a estrada e seguir viagem.
Quando chegamos à cabana da família de Nick, ele bate palmas e pergunta:
— Piscina com hidromassagem... Ou um filme?
Selena olha pela janela, que dá vista para o lago.
— Se você colocar um filme, vou acabar pegando no sono — ela responde.
Estou sentado com Demetria, no sofá da sala, pensando... Esta casa imensa, que Nick chama de cabana, é seu segundo lar. E é bem maior do que a casa onde moro... E tem hidromassagem... Puxa, essa gente rica tem de tudo.
— Eu não trouxe roupa de banho — digo.
— Não se preocupe — diz Demetria. — Nick pode lhe emprestar.
No vestiário da piscina, Nick abre uma gaveta.
— Deixe-me ver... Aqui só tem duas peças que nos serviriam. — Pega um short tipo boxer e também uma pequena sunga Speedo. — Isto serve para você? — pergunta, me mostrando a sunga.
— Isto não daria nem para cobrir a minha bola direita. Vista você... Eu ficarei com este — digo, pegando o short boxer. Só então percebo que as garotas sumiram. — Onde elas foram?
— Trocar de roupa... E falar sobre nós, com toda certeza.
Enquanto entro no pequeno vestiário para me trocar, penso sobre minha vida... Aqui, em Lake Geneva, é fácil esquecer os problemas, ao menos por um tempo.
— Demi vai pagar bem caro, por esse namoro... — Nick me diz, quando saio do vestiário. — As pessoas já começaram a falar.
— Escute, Nicholas... Eu gosto dessa menina, como jamais gostei de alguém, em toda minha vida. Não vou desistir dela. E sabe quando vou começar a me preocupar com o que as pessoas pensam? Quando estiver morto e enterrado.
Nick sorri e estende os braços.
— É isso mesmo, Fuentes. Bem, acho que acabamos de viver um momento de cumplicidade masculina. Quer me dar um abraço?
— Nem pensar, branquelo.
Nick me dá um tapa nas costas e então andamos até a piscina. Cumplicidade... é muito. Mas, apesar de tudo, acho que tivemos um começo de entendimento.
De qualquer jeito, ainda acho que isso não vale um abraço.
— Muito sexy, baby — diz Selena, olhando para a Speedo que Nick acabou de vestir.
Coitado do Nick... Tem que andar gingando, feito um pinguim... Conforto é o que ele não tem, com essa Speedo tão apertada.
— Juro que vou me livrar disso, assim que entrar na piscina — ele resmunga. — Esta maldita sunga está esmagando minhas bolas.
— Não ouvi isso! — diz Demetria, se aproximando, com as mãos nos ouvidos. Seu biquíni amarelo deixa bem pouco para a gente imaginar... Será que Demetria tem noção do quanto está linda? Parece uma flor, pronta para encantar, comover e iluminar qualquer um que puser os olhos nela...
Nick e Selena entram na piscina.
Pulo para dentro e me sento ao lado de Demetria. Nunca estive numa piscina desse tipo, antes. E não sei muito bem o que a gente deve fazer, numa coisa dessas. Será que vamos ficar sentados, conversando, ou vamos nos separar em casais e transar? Prefiro a segunda opção, mas Demetria parece nervosa... Principalmente quando Nick tira a sunga, atirando-a para fora da piscina.
Fico incomodado:
— Qual é, cara...?
— Qual é? Quero ser pai, algum dia, Fuentes. Essa coisa estava cortando minha circulação. consigo entender se você é uma provocadora, e está me gozando, ou se é mesmo tão inocente.
— Não sou uma provocadora.
Ergo uma sobrancelha e então olho para meu baixo ventre, onde a mão de Demetria repousa, tranquila. Acompanhando meu olhar, ela a retira, imediatamente.
— Oh, eu... não queria tocar você, bem aí... Quero dizer, não realmente. Eu só estava... bem... o que quero dizer é que...
— Gosto quando você fica sem jeito — digo, fazendo Demetria deitar-se perto de mim e mostrando minha própria versão de uma massagem sueca... Até que somos interrompidos por Selena e Nick.
Duas semanas mais tarde, recebo um aviso sobre a data do meu julgamento por porte ilegal de arma. Escondo isso de Demetria, porque ela vai surtar, se souber. E vai repetir, mil vezes, que um defensor público pode não ser tão competente quanto um advogado particular. A questão é que não posso pagar pelo trabalho de um cara desses.
Preocupado com meu futuro, entro na escola pela porta principal e de repente alguém me dá um encontrão, quase me fazendo perder o equilíbrio.
— Que droga! — Eu o empurro.
— Desculpe — diz o cara, que parece muito nervoso.
Eu o reconheço, então... É o Garoto Branquelo que conheci na cadeia. Sam aparece, furioso, logo em seguida. E ameaça o branquelo:
— Quer briga, seu babaca?
Dou um passo e me meto entre os dois.
— Sam, qual é o problema? — pergunto.
— Esse pendejo estacionou na minha vaga — diz Sam, apontando para ele.
— Certo. E o que aconteceu depois... Você achou outra vaga?
Sam está inflexível, pronto para acabar com o cara.
— Achei — ele responde, sem entender minha atitude.
— Então, deixe o cara em paz. Eu o conheço... Ele é legal.
Sam reage, surpreso.
— Você conhece esse imbecil?
— Escute... — eu digo, lançando um olhar ao Garoto Branquelo que, para minha felicidade, está usando uma camisa azul, em vez da vermelha... Bem, mesmo com a azul, ele continua meio nerd. Mas ao menos consigo fazer uma cara séria, quando falo: — Este cara já esteve na cadeia, várias vezes. Ele pode até parecer um idiota... Mas apesar desse cabelo e dessa camisa horrorosa, ele é macho pra caramba.
— Você está me gozando, Joe — diz Sam.
Dando de ombros, eu recuo:
— Tudo bem... Depois, não diga que não avisei.
O Garoto Branquelo dá um passo adiante, tentando parecer durão. Controlo a vontade de rir e cruzo os braços, como se esperasse o começo da briga. Meus camaradas da Sangue Latino também esperam, prontos para ver Sam levar a maior surra.
Sam olha para mim, depois para o Garoto Branquelo... E recua.
— Se você estiver me gozando, Joe...
— Dê uma olhada na ficha policial do cara. Roubar carros de luxo é uma das especialidades dele.
Sam fica em silêncio, pensando no que fazer. O Garoto Branquelo não espera. Caminha para mim, dizendo:
— Se você precisar de alguma coisa, Joe, pode contar comigo. — E ergue o punho, num cumprimento.
Faço o mesmo e bato o punho contra o dele.
O Garoto Branquelo se afasta, logo depois. E eu me sinto aliviado porque ninguém notou o quanto ele tremia, quando me cumprimentou.
No intervalo entre o primeiro e o segundo período, encontro o Garoto Branquelo fechando seu armário.
— Você estava falando sério? — pergunto. — É verdade que posso contar com sua ajuda?
— Depois do que aconteceu hoje de manhã, pode sim. Eu lhe devo a minha vida — ele responde. — Não sei por que você resolveu me dar uma força, mas eu estava me borrando de medo.
— Esta é a regra número um: nunca demonstrar medo.
O Garoto Branquelo parece bufar... Acho que esse é o jeito dele rir. Ou isso, ou então ele sofre de sinusite.
— Vou tentar me lembrar disso, na próxima vez que alguém me ameaçar. — Ele estende a mão. — Sou Gary Frankel.
Aperto a mão de Gary e digo:
— Escute, meu julgamento será na próxima semana. E não confio no defensor público. Você acha que sua mãe pode me ajudar?
Gary sorri.
— Acho que sim. Minha mãe é realmente boa. Se você for mesmo primário, ela com certeza conseguirá uma pena leve.
— Eu não posso arcar com...
— Não se preocupe com dinheiro, Joe. Aqui está o cartão dela. Direi a minha mãe que você é meu amigo e ela não cobrará nada.
Enquanto Gary se afasta pelo corredor, penso nessas coisas que têm me acontecido, ultimamente... Como é que um cara tão diferente de mim, como Gary, pode se tornar meu aliado? E como é que uma garota loura pode me fazer olhar para o futuro... de frente?!

~*~

Postei correndo agora, não postarei sexta por falta de tempo, e tento ao máximo postar ou sábado ou domingo. Desculpe-me se tiver erros e por não ter respondido ao comentário. Bjos.

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