Quatro horas depois, Selena bateu à minha porta
para me levar até o apartamento do Nicholas e do Joseph. Ela não se conteve
quando apareci no corredor.
— Credo, Demi! Você está parecendo uma mendiga
— Que bom — eu disse, sorrindo para o meu visual.
Meus cabelos estavam aglomerados no topo da cabeça
em um coque bagunçado. Eu tinha tirado a maquiagem e substituído às lentes de
contato por óculos retangulares de aros pretos. Vestindo uma camiseta bem velha
e gasta e uma calça de moletom, eu me arrastava em um par de chinelos. A ideia
me viera à mente horas antes: parecer desinteressante era a melhor estratégia.
O ideal seria que Joseph perdesse instantaneamente o interesse em mim e
colocasse um ponto final em sua ridícula persistência. E, se ele estivesse em
busca de uma amiga, meu objetivo era parecer desleixada demais até para isso.
Selena baixou a janela do carro e cuspiu o
chiclete.
— Você é óbvia demais. Por que não rolou no cocô
de cachorro para completar o visual?
— Não estou tentando impressionar ninguém — falei.
— É óbvio que não.
Paramos o carro no estacionamento do conjunto de
apartamentos onde o Nicholas morava e segui Selena até a escadaria. Ele abriu a
porta, rindo enquanto eu entrava.
— O que aconteceu com você?
— Ela está tentando não impressionar — disse
Selena.
Ela seguiu Nicholas em direção ao quarto dele.
Eles fecharam a porta e eu fiquei ali parada, sozinha, me sentindo deslocada.
Sentei-me na cadeira reclinável mais próxima da porta e chutei longe os
chinelos.
Em termos estéticos, o apartamento deles era mais
agradável do que um apartamento típico de homens solteiros. Sim, os previsíveis
pôsteres de mulheres seminuas estavam nas paredes, mas
o lugar era limpo, os móveis, novos, e o cheiro de cerveja velha e roupa suja
notavelmente não existia.
— Já estava na hora de você aparecer — disse
Joseph, se jogando no sofá.
Sorri e ajeitei os óculos, esperando que ele
recuasse diante da minha aparência.
— A Selena teve que terminar um trabalho da
faculdade.
— Falando em trabalhos de faculdade, você já
começou aquele de história?
Ele nem pestanejou ao ver meu cabelo despenteado,
e franzi a testa com a reação dele.
— Você já?
— Terminei hoje à tarde.
— Mas é pra ser entregue só na próxima quarta-feira —
falei, surpresa.
— Achei melhor fazer logo. Um ensaio de duas páginas
sobre o Grant não é tão difícil assim.
— Acho que sou dessas que ficam adiando — dei de
ombros. — Provavelmente só vou começar no fim de semana.
— Bom, se precisar de ajuda, é só me falar.
Esperei que ele desse risada ou fizesse algum sinal de
que estava brincando, mas sua expressão era sincera. Ergui uma sobrancelha.
— Você vai me ajudar com o meu trabalho.
— Eu só tiro A nessa matéria — ele disse, um pouco
ofendido com a minha descrença.
— Ele tira A em todas as matérias. Ele é uma droga de
um gênio! Odeio esse cara — disse Nicholas, enquanto levava Selena pela mão até
a sala de estar.
Fiquei olhando para o Joseph com uma expressão dúbia e
ele ergueu as sobrancelhas.
— Que foi? Você não acha que um cara cheio de tatuagens
e que ganha dinheiro brigando pode ter boas notas? Não estou na faculdade por
não ter nada melhor pra fazer.
— Mas então por que você tem que lutar? Por que não
tentou uma bolsa de estudos? — perguntei.
— Eu tentei. Consegui meia bolsa. Mas tem os livros,
as despesas com moradia, e tenho que conseguir a outra metade do dinheiro de
algum jeito. Estou falando sério, Flor. Se precisar de ajuda com alguma coisa,
é só me pedir.
— Não preciso da sua ajuda. Consigo fazer um trabalho
sozinha.
Eu queria deixar aquilo pra lá. Devia ter deixado, mas
aquele novo lado dele me matava de curiosidade.
— Você não consegue fazer outra coisa para ganhar
dinheiro? Menos... sei lá... sádica?
Joseph deu de ombros.
— É um jeito fácil de ganhar uma grana. Não conseguiria
tanto assim trabalhando no shopping.
— Eu não diria que é fácil apanhar.
— O quê? Você está preocupada comigo? — ele deu
uma piscadela. Fiz uma careta e ele deu uma risadinha abafada. — Não apanho com
tanta frequência assim. Quando o adversário dá um golpe, eu desvio. Não é tão
difícil como parece.
Dei risada.
— Você age como se ninguém mais tivesse chegado a
essa conclusão.
— Quando dou um soco, eles levam o soco e tentam
me bater de volta. Não é assim que se ganha uma luta.
Revirei os olhos.
— Quem é você... o garoto do Karate Kid? Onde aprendeu a lutar?
Nicholas e Selena olharam de relance
um para o outro e depois para o chão. Não demorou muito para eu perceber que
tinha dito algo errado.
Joseph não pareceu se incomodar.
— Meu pai tinha problemas com bebida
e um péssimo temperamento, e meus quatro irmãos mais velhos herdaram o gene da
idiotice.
— Ah.
Minhas orelhas ardiam.
— Não fique constrangida, Flor. Meu
pai parou de beber e meus irmãos cresceram.
— Não estou constrangida.
Fiquei mexendo nas mechas que se
desprendiam do meu cabelo e então decidi soltar tudo e fazer outro coque,
tentando ignorar o silêncio embaraçoso.
— Gosto desse seu lance natural. As
garotas não costumam vir aqui assim.
— Fui coagida a vir até aqui. Não me
passou pela cabeça impressionar você— respondi, irritada por meu plano ter
falhado.
Ele abriu aquele sorriso largo dele, divertido,
meio infantil, e fiquei com mais raiva, na esperança de disfarçar minha
inquietação. Eu não sabia como as garotas se sentiam quando estavam perto dele,
mas tinha visto como se comportavam. Eu estava vivenciando algo mais parecido
com uma sensação de náusea e desorientação, em vez de paixonite mesclada com
risadinhas tolas, e, quanto mais ele tentava me fazer sorrir, mais perturbada
eu ficava.
— Já estou impressionado.
— Tenho certeza disso — falei, contorcendo o rosto
em repulsa.
Ele era o pior tipo de cara confiante. Não era
apenas descaradamente ciente de seu poder de atração, mas estava acostumado com
o fato de as mulheres se jogarem pra cima dele, de modo que via meu
comportamento frio como um alívio em vez de um insulto. Eu teria que mudar
minha estratégia.
Selena apontou o controle remoto para a televisão
e a ligou.
— Tem um filme bom passando hoje na TV. Alguém
quer descobrir o que aconteceu a Baby Jane?
Joseph se levantou.
Eu já estava saindo para jantar. Está com fome,
Flor?
— Já comi — dei de ombros.
— Não comeu, não — disse Selena, antes de se dar
conta de seu erro. — Ah... hum... é mesmo, esqueci que você comeu... pizza, né?
Antes de sairmos.
Fiz uma careta para ela, pela tentativa frustrada
de consertar a gafe, e então esperei para ver a reação do Joseph. Ele cruzou a
sala e abriu a porta.
— Vamos. Você deve estar com fome
— Aonde você vai?
— Aonde você quiser. Podemos ir a uma pizzaria.
Olhei para minhas roupas.
— Não estou vestida para isso...
Ele me analisou por um instante e então abriu um
sorriso.
— Você está ótima. Vamos, estou morrendo de fome.
Eu me levantei e fiz um aceno de despedida para
Selena, passando por Joseph para descer as escadas. Parei no estacionamento,
olhando horrorizada enquanto ele subia em uma moto preta fosca.
— Hum... — minha voz foi sumindo, enquanto eu
comprimia os dedos dos pés expostos.
Ele olhou com impaciência na minha direção.
— Ah, sobe aí. Eu vou devagar.
— Que moto é essa? — perguntei, lendo tarde demais
o que estava escrito no tanque de gasolina.
— É uma Harley Night Rod. É o amor da minha vida,
então vê se não arranha a pintura quando subir.
— Estou de chinelo!
Joseph ficou me encarando como se eu estivesse
falando outra língua.
— E eu estou de botas. Sobe aí.
Ele colocou os óculos de sol, e o motor da Harley
rugiu ao ser ligado. Subi na moto e estiquei a mão para trás buscando algo em
que me segurar, mas meus dedos deslizaram do couro para a cobertura de plástico
da lanterna traseira.
Joseph agarrou meus pulsos e envolveu sua cintura
com eles.
— Não tem nada em que se segurar além de mim,
Flor. Não solte — ele disse, empurrando a moto para trás com os pés. Com um
leve movimento de pulso, já estávamos na rua, disparando feito um foguete. As
mechas soltas do meu cabelo batiam no meu rosto, e eu me escondia atrás de Joseph,
sabendo que acabaria com entranhas de insetos nos óculos se olhasse por cima do
ombro dele.
Ele acelerou quando chegamos na frente do
restaurante e, assim que diminuiu a velocidade para parar, não perdi tempo e
fui correndo para a segurança do concreto.
— Você é louco!
Joseph deu uma risadinha, apoiando a moto no
estribo lateral antes de descer.
— Fui no limite de velocidade.
— É, se estivéssemos numa estrada da Alemanha! —
falei, desfazendo o coque para separar com os dedos os fios embaraçados.
Joseph me olhou enquanto eu tirava o cabelo do
rosto e depois foi andando até a porta, mantendo-a aberta.
— Eu não deixaria nada acontecer com você,
Beija-Flor.
Passei por ele pisando duro e entrei no
restaurante. Minha cabeça não estava muito em sincronia com meus pés. Um cheiro
de gordura e ervas enchia o ar enquanto eu o seguia pelo carpete vermelho, sujo
de migalhas de pão. Ele escolheu uma mesa no canto, longe dos grupos de alunos
e das famílias, e então pediu duas cervejas. Fiz uma varredura no ambiente,
observando os pais que tentavam persuadir os filhos barulhentos a comer e
desviando dos olhares curiosos dos alunos da Eastern.
— Claro, Joseph — disse a garçonete, anotando
nosso pedido. Ela parecia um pouco exaltada com a presença dele ali.
Prendi os cabelos bagunçados pelo vento atrás das
orelhas, repentinamente com vergonha da minha aparência.
— Você vem sempre aqui? — perguntei em tom áspero.
Joseph apoiou os cotovelos na mesa e fixou os
olhos castanhos em mim.
— Então, qual é a sua história, Flor? Você odeia
os homens em geral ou é só comigo?
— Acho que é só com você — resmunguei.
Ele riu, divertindo-se com meu estado de humor.
— Não consigo sacar qual é a sua. Você é a
primeira garota que já sentiu desprezo por mim antes do sexo. Você não fica
toda desorientada quando conversa comigo e não tenta chamar minha atenção.
— Não é uma manobra tática. Eu só não gosto de
você.
— Você não estaria aqui se não gostasse de mim.
Involuntariamente, minha testa franzida ficou lisa
e soltei um suspiro.
— Eu não disse que você é uma má pessoa. Só não
gosto de ser tratada de determinada maneira pelo simples fato de ter uma
vagina.
E me concentrei nos grãos de sal na mesa até que ouvi
um ruído vindo da direção do Joseph, parecido com um engasgo.
Os olhos dele estavam arregalados e ele tremia de
tanto rir.
— Ah, meu Deus! Assim você me mata! É isso aí, a gente
tem que ser amigos. Não aceito não como resposta.
— Não me incomodo em sermos amigos, mas isso não quer
dizer que você tenha que tentar transar comigo a cada cinco segundos.
— Você não vai pra cama comigo. Já entendi.
Tentei não sorrir, mas falhei. Os olhos dele ficaram
brilhantes.
— Eu dou a minha palavra. Não vou nem pensar em
transar com você... a menos que você queira.
Descansei os cotovelos na mesa para me apoiar.
— Como isso não vai acontecer, então podemos ser
amigos.
Um sorriso travesso ressaltou ainda mais suas feições
quando ele se inclinou um pouquinho mais perto de mim.
— Nunca diga nunca.
— Então, qual é a sua história? — foi minha vez de perguntar.
— Você sempre foi Joseph “Cachorro Louco” Jonas, ou isso é só desde que veio
pra cá?
Usei dois dedos de cada mão para fazer sinal de aspas
no ar quando mencionei o apelido dele, e pela primeira vez sua autoconfiança
diminuiu.
Joseph parecia um pouco envergonhado.
— Não. Foi o Adam que começou com esse lance do
apelido depois da minha primeira luta.
Suas respostas curtas estavam começando a me
incomodar.
— É isso? Você não vai me dizer nada sobre você?
— O que você quer saber?
— O de sempre. De onde você veio, o que você quer ser
quando crescer... coisas do tipo.
— Sou daqui, nascido e criado, e estudo direito
penal.
Com um suspiro, ele desembrulhou os talheres e os
endireitou ao lado do prato. Olhou por cima do ombro com o maxilar tenso. Duas
mesas adiante, o time de futebol da Eastern irrompeu em uma gargalhada. Joseph
pareceu incomodado pelo fato de eles estarem rindo.
— Você está de brincadeira — eu disse, sem
acreditar.
— Não, sou daqui mesmo — ele confirmou, distraído
— Não, eu quis dizer sobre o seu curso. Você não
parece o tipo de pessoa que estuda direito penal.
Ele juntou as sobrancelhas, repentinamente focado
em nossa conversa.
— Por que não?
Passei os olhos pelas tatuagens que cobriam seus
braços.
— Eu diria que você parece mais do tipo criminoso.
— Não me meto em confusão... na maior parte do
tempo. Meu pai era muito rígido.
— E sua mãe?
— Ela morreu quando eu era criança — ele disse sem
rodeios.
— Eu... eu sinto muito — falei, balançando a
cabeça. A resposta dele me pegou de surpresa.
Ele dispensou minha solidariedade.
— Não me lembro dela. Meus irmãos sim, mas eu só
tinha três anos quando ela morreu.
— Quatro irmãos, hein? Como você os mantinha na
linha? — brinquei.
— Com base em quem batia com mais força, que era
do mais velho para o mais novo. Kevin, os gêmeos... Taylor e Tyler, depois o
Trenton. Nunca, nunca mesmo fique numa sala sozinha com o Taylor e o Ty.
Aprendi com eles metade do que faço no Círculo. O Trenton era o menor, mas ele
é rápido. É o único que hoje em dia consegue me acertar um soco.
Balancei a cabeça, chocada só de pensar em cinco
versões do Joseph em uma única casa.
— Todos eles têm tatuagens?
— Quase todos, menos o Kevin. Ele é executivo na
área de publicidade na Califórnia.
— E o seu pai? Por onde ele anda?
— Por aí — disse Joseph.
Seu maxilar estava tenso de novo, e sua irritação
com o time de futebol aumentava.
— Do que eles estão rindo? — perguntei, fazendo um
gesto para indicar a mesa ruidosa.
Ele balançou a cabeça, claramente não querendo me
contar do que se tratava. Cruzei os braços e fiquei me contorcendo, nervosa de
pensar no que eles poderiam estar dizendo para deixá-lo tão irritado.
— Me conta.
— Eles estão rindo de eu ter trazido você para
jantar primeiro. Não é geralmente... meu lance.
— Primeiro?
Quando me dei conta do que se passava
e isso ficou claro na expressão do meu rosto, Joseph se encolheu, mas eu falei
sem pensar:
— Eu aqui, com medo de eles estarem
rindo por você ser visto comigo vestida assim, e eles acham que eu vou transar
com você — resmunguei.
— Qual é o problema de eu ser visto
com você?
— Do que estávamos falando? —
perguntei, afastando o calor que subia pelo meu rosto.
— De você. Está estudando o quê? —
ele me perguntou.
— Ah, hum... estudos gerais, por
enquanto. Ainda estou indecisa, mas estou pensando em fazer contabilidade.
— Mas você não é daqui. De onde você
veio?
— De Wichita. Que nem a Selena.
— Como você veio do Kansas parar
aqui?
Comecei a puxar o rótulo da garrafa de cerveja.
— Só queríamos fugir.
— Do quê?
— Dos meus pais.
— Ah. E a Selena? Ela tem problemas com os pais
também?
— Não, o Brian e a Mandy são o máximo. Eles
praticamente me criaram. Ela meio que me acompanhou, não queria que eu viesse
pra cá sozinha.
Joseph assentiu.
— Qual é a do interrogatório? — perguntei.
As perguntas estavam passando de uma conversa
sobre assuntos gerais e partindo para o lado pessoal, e eu estava começando a
me sentir desconfortável.
Diversas cadeiras bateram umas nas outras quando o
time de futebol levantou. Eles fizeram mais uma piada antes de irem andando
lentamente até a porta e aceleraram o passo quando Joseph se levantou. Os que
estavam atrás empurraram os da frente para fugir antes que Joseph conseguisse
alcançá-los. Ele se sentou, fazendo força para espantar a frustração e a raiva.
Ergui uma sobrancelha
—Você ia me dizer por que optou pela Eastern —
Joseph continuou.
— É difícil explicar — respondi, dando de ombros.
— Só parecia certo.
Ele sorriu e abriu o cardápio.
— Sei o que você quer
dizer.
~*~
A estória está ruim? '-' tem muitas visualizações, mas ninguém comenta :/
Se estiverem com preguiça é só marcar nas "reações" no final do post.
Comentem, amores.
faz uma história bem hot dessa vez , por faovr
ResponderExcluirPERFEITO
ResponderExcluirPosta Logo
awn o Joseph é sensível quando se trata da família
Posta Logo
Beijos
desculpa por não ter comentado antes, fiquei sem net e ela voltou hoje!!