“Fecho os olhos
Pra te ver, você
nem percebe
Penso em provas
de amor
Ensaio um show
passional...”
As primeiras
lembranças de Joseph Bolivatto eram das duas mangueiras nos fundos de sua casa.
Lembrava-se de muito pequeno deitando no gramado e tentando ver os frutos maduros
no alto. Ali construíram seu primeiro balanço. Ali também colocaram a rede onde
ele se deitava junto com o pai no final de tarde, quando este chegava do
trabalho e contava como foi o seu dia.
Aquelas árvores também
lhe garantiram o primeiro braço quebrado. E foi ali atrás que deu os seus
primeiros beijos na prima da vizinha que morava ao lado.
Ele foi um garoto
muito feliz. Seu melhor amigo na infância foi seu pai, teve sua cota de mimos e
de chineladas, mas era feliz. Um garoto muito sensível, perspicaz, que percebia
que nem tudo era um mar de rosas a sua volta. Aprendeu a reconhecer o olhar de
tristeza que sua avó paterna às vezes adotava. Tomou para a si a obrigação de
ser tão bom garoto, que tiraria a aflição do semblante da mulher que tanto
amava. Nem sempre conseguia fazer tudo certo, mas acertava na maioria das
vezes.
Aprendeu que
quando confessava que a amava, o sorriso nascia em sua face, por isso, repetia
sempre, em qualquer oportunidade, com beijos e abraços. Levou anos para ele
saber que não era a causa do sofrimento da avó. E mesmo quando soube continuou
inventando jeitos de fazê-la feliz. Talvez por isso se tornasse o adulto
centrado, sensível e bom leitor de pessoas na maior parte do tempo. Assumia a
responsabilidade de tornar as coisas mais fáceis e simples na vida das pessoas
a sua volta. Quase sempre conseguia.
Com o tempo
Joseph tornou-se um especialista em esconder a si mesmo. Fazia isso com tanta propriedade
que às vezes ele mesmo tinha dificuldade de saber quem era o homem que via no espelho.
Era capaz de fazer exatamente o que era esperado dele, sem se lamentar ou
reclamar.
Tinha a rara
capacidade de observar sempre as necessidades dos outros antes das suas...
Talvez por isso quase nunca fazia algo que fosse apenas para si.
Órfão de mãe aos
dois anos de idade cresceu sabendo que não se podia ter tudo. Tinha muitos
amigos e a vida confortável de um garoto de classe média alta, ainda assim não
cresceu acreditando que o mundo estava a seus pés.
Passou a infância
numa casa grande com um pequeno pomar no quintal. Atazanava o juízo da avó com
suas “invencionices”...
Quando o garoto
tinha sete anos o pai mudou de cidade para assumir os negócios da família, até
então, nas mãos do avô, que se encontrava doente. Carlos Bolivatto saiu de casa
ainda quando o filho era adolescente. Reconstruiu sua vida em outro estado, com
outras mulheres, mas não deixou de administrar os bens da esposa, até mesmo
quando se divorciou dela anos mais tarde.
Quando tomou a
difícil decisão de ir cuidar dos interesses da mãe, Carlos Bolivatto pediu ao
filho que tomasse conta dela, pois precisaria de um homem que a protegesse. Ele
nunca questionou isso, nem mesmo na adolescência, quando essa responsabilidade
lhe custou caro.
Aos oito anos
conheceu seu melhor amigo, Nicholas Jonas. O menino era um novo rico, filho de
um sujeito que construiu sua fortuna de forma duvidosa. Os Bolivatto acolheram
o garoto desde o primeiro momento, a ponto das duas crianças fazerem tudo
juntos. O que era bom e ruim. Foi Nicholas que convenceu o amigo a dar a
primeira tragada. Foi também Nicholas que decidiu que Joseph já tinha passado
do tempo de dar o primeiro beijo. Também foi com o amigo que numa festa tomou o
primeiro porre da sua vida.
Joseph não sabia,
mas seria com Nicholas que compartilharia os segredos que nunca conseguiria
dividir com mais ninguém. Que aquele sujeito presenciaria a maioria de suas bebedeiras,
as de alegria e as de tristeza, sem julgamentos, que estaria ao seu lado nos
bons e maus momentos. O único sujeito que teria liberdade eterna de abusar da
sua paciência com o seu distorcido senso de humor.
A adolescência
foi um período difícil, frustrante, passou parte dela dividido entre o desejo
de ir viver com o pai e a necessidade de cuidar da avó. Nunca reclamou, mas de
algum modo, criou-se uma enorme distância entre ele e Carlos. Silenciosa e
inconscientemente, focou no pai sua revolta. Nunca lhe disse nada, mas
simplesmente a amizade que compartilharam na infância foi morrendo até se
transformar numa convivência fria e distante.
Apaixonou-se
apenas três vezes na vida. Nas três vezes, pela mesma mulher.
A primeira vez
foi aos treze anos. Ainda não sabia que era amor, mas desde a primeira vez que
viu aquela criatura sentada atrás de uma mesa no escritório do pai, seu mundo
mudou.
Nunca percebera a
ninguém daquele jeito, mas depois daquele dia tornou-se comum pegar-se pensando
nela em vários momentos do seu dia ou inventar circunstâncias para
reencontrá-la, para estar perto dela.
Pela primeira vez
fora passar as férias na casa do pai. Naquele verão conheceu as duas paixões de
sua vida: “Ela” e a arquitetura. Desde então passou a sonhar com o dia em que entraria
para o negócio da família: Construir. Desejou ardentemente ficar próximo
daquele mundo que tanto o encantara, mas nunca teve a coragem de pedir.
Os sonhos com
“ela” vieram depois. De certo modo, sua vida se decidiu naquelas férias. As
escolhas que fez para si mesmo depois disso foram meras consequências. Quando voltou
para casa, o tempo e a distância fez com que a lembrança daqueles dias quase se
apagasse, mas sentia o coração perder o rumo quando se recordava do seu sorriso
meio tímido, ou da maneira como ajeitava os cabelos atrás da orelha, ou
simplesmente de seu cheiro. Sim, ele era do tipo de pessoa que tinha memória
olfativa. Suas melhores lembranças sempre estavam vinculadas a um cheiro
especial. Pão doce, manga florescendo, lavanda...
Foi apenas por causa
da distância que ele seguiu sua vida como um adolescente normal. Deu seu
primeiro beijo ainda naquele mesmo ano, não gostou tanto, foi estranho, desajeitado
e “molhado demais”. Seu primeiro pensamento após o ato concretizado foi se, “com
ela”, se sentiria do mesmo jeito. O segundo foi melhor exatamente porque fechou
os olhos e deixou que a fantasia dominasse seus pensamentos.
A segunda vez que
se apaixonou foi aos dezessete. Tinha uma namorada em sua cidade e pensara
estar imune aquela velha paixonite, afinal seu corpo reagia muito bem à garota.
E Nicholas dizia
que isso era perfeito.
Mais uma vez em
visita de férias ao pai depois de três anos.
Durante toda a
viagem pensou em como seria o reencontro dos dois. Foi mágico. Ela estava
deitada na namoradeira da varanda que dava para a piscina, dormindo. O livro
que estivera lendo momentos antes havia lhe escapado das mãos. Não se viam
desde aquele verão quando a conhecera, mas ainda assim, seu coração a
reconheceu no primeiro vislumbre. O sentimento foi tão forte que por algum
tempo ficou ali apenas observando. Chegara a acreditar que tivera uma impressão
errada ao conhecê-la, mas ela era mais interessante do que se recordava. Teria
ficado ali o resto da tarde, se o pai não chegasse e o pegasse em flagrante.
Foram as férias
mais dolorosas de sua vida. Ela estava apaixonada e não era por ele.
Teve que assistir
beijos e abraços, sentindo-se corroer de ciúmes e incapaz de simplesmente ir embora,
por que só o fato de estar perto dela, já fazia com que se sentisse bem,
dolorosamente bem. Dessa vez, ele não teve dúvidas, era amor. E do pior tipo: o
não correspondido.
Quando voltou
para casa, terminou o namoro, a menina já não lhe era tão interessante.
Envolveu-se com
outras garotas, perdeu a virgindade com uma empregada da casa, mesmo assim, a
lembrança dela não saia de sua cabeça. Nos anos seguintes, retornou para casa
do pai em cada oportunidade que teve, só para vê-la cada vez mais apaixonada e
mais feliz.
Estava no segundo
ano da faculdade quando decidiu pôr fim aquela tortura e não voltar mais à casa
do pai. A resolução durou de seus vinte e dois até os vinte e sete anos.
Afastou-se do pai em definitivo, já que para conviver com ele teria que
conviver com ela. Tornou-se um famoso mulherengo, pois pegou cada oportunidade
que surgiu de substituí-la em seu coração, por mais de uma vez pensou que fora
bem sucedido, mas a ilusão nunca durou mais que o tempo suficiente para partir
um coração.
Quando percebeu
que fugir não resolveria seu drama, apenas tornava ele pior, aceitou fazer
parte da empresa da família depois de inexplicavelmente trabalhar por seis anos
em outros estados, às vezes para concorrentes diretos. Estava decidido a
esquecer e seguir em frente, ou pelo menos aprender a conviver com aquilo e
fazer parte da família como deveria ter sido desde sempre.
“Ela” ainda
estava lá, no mesmo lugar que a deixou anteriormente: completamente fora de seu
alcance. Perto o suficiente para vê-la todos os dias.
Foi à terceira
vez que apaixonou pela mesma mulher, mas foi um amor diferente, mais carnal,
mais sensual. Do tipo que o fazia fantasiar coisas impossíveis em vários
momentos de seu dia. Era adulto e seu amor tinha uma expressão física: Desejo.
Dessa vez ele
enfrentou o problema. Em pouco tempo assumiu seu posto na empresa, sossegou. No
começo tentou acreditar que agora que estavam próximos, convivendo, perceberia
que o que sentia por ela era uma paixonite mal resolvida. Que ela não era tudo
o que ele fantasiou durante anos, que tinha defeitos e manias como qualquer
outra mulher... E ela era cheia de manias... O problema era que até as manias
dela o fascinavam.
Não precisou de
muito para entender que nunca amaria outra mulher. E que também ela nunca seria
sua. Vencido num campo de batalha sem luta. Foi assim que decidiu que era hora
de se aquietar. Arranjou uma namorada e se entregou ao trabalho. Ainda a
rondava e observava discretamente, pois era como se apenas por olhar para ela
sua vida se tornasse mais fácil de seguir. Paradoxalmente, também dolorosa e
mais difícil.
Com seu casamento
se aproximando, Joseph tentava se apegar ao futuro, logo teria filhos, muitos
filhos para ocupar cada espaço em seu coração. Para que lhe dessem trabalho, sonhava
com crianças peraltas que lhe dariam muitos cabelos brancos... E o distrairia
de sua obsessão. Enquanto isso a rotina o massacrava.
Naquela
segunda-feira, sua última segunda-feira como solteiro, começou do jeito de sempre:
o rapaz levantou depois de uma noite insone e foi para o banho. Poucos minutos depois
a noiva lhe fez companhia. Sexo a três já que quando fechava os olhos era a
outra mulher que estava com ele.
Naquele dia,
Blanda saiu cedo, pois passaria em algum lugar para acertar alguma coisa do
casamento. Joseph estava alheio a tudo, sabia que a noiva e sua madrasta
escolheriam o melhor.
Seu papel era
sorrir no altar dentro de alguma roupa elegante. Que elas escolheriam.
Isso não poderia
ser muito difícil, certo?
Arrumou-se
calmamente, tomou o café e meia hora depois foi para o trabalho, sem imaginar
que naquele dia começaria a sequência de eventos que viraria sua vida aparentemente
organizadinha de cabeça para baixo.
Era um dia
particularmente triste na vida de Demetria Lovato. A saudade de seus pais, mortos
há mais ou menos um ano, doía alucinantemente. Ela tinha que fingir que estava
tudo bem. Trabalho e amigos, os poucos que possuía, todos contavam que fosse
capaz de manter o mínimo de sanidade. Então ela afundava o desespero e a
solidão num lugar bem escondido dentro de si e levantava todas as manhãs.
Vestiu seu olhar
mais antipático antes de entrar no edifício que trabalhava. Era uma forma de
defesa para afastar os outros funcionários. Seus dramas pessoais não deveriam
ser motivo de fofocas pelos corredores. Melhor ser a “nojentinha” do
escritório, que passar pelo constrangimento de perceber pena no olhar das
pessoas.
Respondeu com uma
careta como imitação de sorriso o cumprimento da risonha recepcionista. Entrou
no elevador alisando a saia, de cabeça baixa para que ninguém visse seus olhos
marejados. Estava sozinha, no entanto. Segurando a custo o choro, pressionou o
botão do seu andar... Ia ser um dia daqueles...
As portas estavam
quase fechadas quando alguém colocou a mão, impedindo seu fechamento completo.
— Bom dia
Demetria.
Ela estremeceu.
Sempre estremecia com aquela voz perfeita, grossa, rouca... Enfim, de homem.
Adorava quando ele falava seu nome. Soava íntimo. Infelizmente o nível de intimidade
entre eles era bem menor do que ela desejava.
Patética. Em
resumo, nível de carência = 100%.
— Bom dia Sr.
Joseph. — conseguiu responder baixinho.
Ela nunca falava
alto na presença dele.
O elevador se
moveu lentamente, a moça não entendia por que Carlos, seu chefe, insistia em
manter aquele ferro velho funcionando, que apesar de estar restaurado era um respeitável
senhor de 50 anos, quando poderia trocar tudo por algo novo e mais eficiente.
“A manutenção
dele está em dia, Demetria, além disso, tenho boas recordações de alguns apagões
dentro dele... Pergunte a Raquel...”
É claro que ela
nunca faria esse tipo de pergunta a esposa do seu chefe, por mais que ela fosse
como uma segunda mãe.
“Sem falar que os
clientes que andam nele — continuou o homem — vivem alguns momentos
emocionantes... “essa velharia é segura?”
Bem, nisso o
chefe da moça tinha razão: o que deveria ser a vergonha de uma construtora de
renome era o seu maior charme.
De qualquer
jeito, a moça se concentrou no painel numérico modelo antigo para ignorar o
constrangimento de estar tão próxima “dele”.
Olhou para cima
durante uma prece silenciosa por autocontrole, mas sabendo intimamente que um
homem tão perfeitamente sexy deveria ser criação do capeta.
— Preciso de sua
ajuda no fechamento dos projetos do mês.
“Oh, Deus, lá vem
ele!”
— Falarei com meu
pai para que ele possa me emprestar você.
A primeira reação
foi dizer que estava a sua inteira disposição para “qualquer coisa”, mas droga,
ela não fazia parte do maquinário para ser “emprestada”. Será que faria algum
mal a ele vê-la como algo mais que a mobília? Seu lado prático, profissional e
ofendido prevaleceu:
— Joseph, o
senhor tem uma secretária excelente... Ela pode muito bem cuidar disso.
Começou a
argumentar muito irritada e gostou disso.
— Errado, Srta.
Lovato, minha secretária é uma incompetente que não faz nada direito.
— Por que o
senhor intimida a garota. Um pouco de educação de sua parte faria maravilhas ao
relacionamento de vocês. Acredite. Eu mesma treinei a Ângela.
Edgar parecia
surpreso com a língua solta da moça naquela manhã. Normalmente ela concordava
com tudo sem pestanejar, só para se livrar dele.
Demi olhou de
esguelha para o homem. O desgraçado não estava zangado com sua recusa, trazia
aquele sorriso indulgente e sexy. Bem, ele quase nunca se zangava. Tinha a vida
perfeita, a noiva perfeita...
“... Mas não
tinha a secretária perfeita. Chupa essa, gostosão!”
Depois se deu
conta que estava feliz por que o outro tinha um problema. Que tipo de pessoa
estava se tornando? Ele não tinha culpa de ser bonito... Que o mundo se rendia
as pessoas bonitas tornando suas vidas mais fáceis.
“Inferno!”
Tinha que parar
com aquilo. A última coisa que ela queria era ficar babando em cima daquele
convencido... No máximo ela iria conseguir um hematoma por escorregar na
própria baba.
“Seja objetiva
mulher.”
Repreendeu-se.
Normalmente não era tão amarga, não a essa hora da manhã ou quando encontrava
com ele. De fato, esse era o melhor momento de seu dia. Hoje de alguma forma tudo
estava diferente. Como se seu desânimo com a vida finalmente estivesse dominado
sua eterna timidez, aumentando potencialmente sua rabugice.
“Vamos, Demi. Um
dia de cada vez, sobreviva um dia de cada vez”.
Rezou para que o
elevador seguisse rápido, mas ainda havia muitos andares pela frente.
Pouco tempo, mas
o suficiente para que sonhasse acordada com o que não poderia ter.
Joseph precisava
de uma xícara de café. E uma dose extragrande de paciência.
Recusando-se a
perder a fachada de bom humor, ele sorriu consigo mesmo. No fim das contas, por
mais que a moça reclamasse, ela teria mesmo que ajudá-lo. Infantil, mas ele
estava feliz por não ser o único que precisava se dobrar as circunstâncias...
Um gemido.
No começo Joseph
pensou ter ouvido coisas, mas sim, fora um gemido.
— Demetria...
Você está bem?
A moça estava
recostada num canto do elevador, tinha os olhos fechados e agarrava-se a
parede. A moça abriu os olhos lentamente, ao mirar os dele, sua palidez natural
realçada.
— Demetria, você
está bem?
Dessa vez
perguntou com mais firmeza na voz. Possivelmente estava em jejum. Sabia que o
pai a obrigava a comer sempre que podia. Seria próprio dela passar mal sem
dizer nada.
— Estou... —
falou num fio de voz.
Óbvio que Joseph
não acreditou.
— Você está
pálida demais. — segurou seu braço, ela estava gelada. Sob seu toque a mulher
estremeceu.
— Eu estou bem! —
falou endireitando o corpo e tentando se afastar, sem conseguir.
— Mas você...
— Já disse que
estou bem! — dessa vez a moça foi grosseira.
Puxou a mão com
força e quase bateu na mão dele quando ele tentou recuperar o contato.
Finalmente o
elevador parou e abriu suas portas. Seria um alívio para Demetria, se Blanda, a
noiva de Edgar, não esperasse do lado de fora e percebesse o noivo numa atitude
que insinuava algum contato físico com outra mulher. A loira instantaneamente
ficou com o semblante carregado.
Demetria prendeu
a respiração.
Ótimo, era tudo o
que precisava para seu dia ficar mais especial: Uma noiva ciumenta e psicopata
em seu pé.
— Joseph?! — A
sobrancelha arqueada numa muda cobrança de explicação.
Sim, o dia
prometia.
Blanda não disse
nada ao noivo. Foi até o seu escritório e se trancou lá. Sem querer criar uma
situação, Joseph decidiu lhe dar um tempo para que se acalmasse. Embora
detestasse seu ciúme doentio, nunca a repreendia em público.
Estava preocupado
com Demetria. Seria algo muito próprio dela desmaiar silenciosamente sobre a
sua mesa de trabalho.
A secretária do
pai era do tipo que detestava incomodar, ou chamar a atenção para si.
Suas atitudes
para passar despercebida às vezes soavam como grosserias, mas ele, como bom observador
que era, conhecia a melhor amiga de sua irmã o suficiente para saber que no fim
era apenas timidez.
Ela havia perdido
muito peso nos últimos tempos. Andava abatida, talvez estivesse doente... Ele
precisava falar com o pai. No mínimo o velho arrastaria a secretária para a emergência
sem levar em conta seus protestos, ou a obrigaria a pôr algo no estômago.
Resoluto, foi ao
escritório de Carlos. No caminho ficou cogitando que talvez a moça não
recebesse bem sua intervenção.
“Ela já te
detesta mesmo, qual seria a novidade?”
A ala da
presidência era ampla e tomava um terço do andar. Era composta por três cômodos
adjuntos: a antessala da secretária da presidência, uma espécie de recepção
onde havia as entradas das outras dependências: uma sala de conferência e
finalmente a sala do presidente.
O rapaz encontrou
a mesa da secretária vazia. Uma oportunidade, talvez conseguisse falar com seu
pai sem que a mulher soubesse. Era provável que estivesse no banheiro ou na cantina.
Aproximou-se, a porta da sala do pai entreaberta e logo reconheceu seu engano,
a secretária estava ali, nos abraços de Carlos Bolivatto, chorando
desoladamente.
Deveria ir
embora, mas não conseguiu. Ficou ali... Congelado, sem saber o que fazer...
Odiava ver mulher
chorar. Seria capaz de fazer qualquer coisa para acabar com aquilo, mas ficou
apenas parado. Dividido. Com a estranheza de invadir a intimidade de outros,
mas o poderoso desejo de entender o que acontecia.
Quando a moça
estava mais controlada e a ponto de se afastar, o chefe a impediu.
— Eu sei de tudo
o que você está passando, sei que é difícil, mas... — Carlos sustentou o rosto
feminino, buscando o seu olhar. Usou os polegares para enxugar a face delicada,
num gesto íntimo e carinhoso — Vai passar. Tudo passa... Vamos dar um jeito...
Deixa comigo que eu resolvo tudo... Você sabe...
Ia falar algo
mais, porém de algum modo, o homem percebeu que não estavam sozinhos e ergueu
os olhos encontrando os do filho. Depois de um breve momento de hesitação,
Joseph se
pronunciou:
— Pai, eu...
Demetria deu-se
conta da presença do rapaz com um gemido e afastou-se do chefe rapidamente. Não
olhou para Joseph.
Tão rápida quanto
foi capaz, ela rumou para a saída.
— Leve seu
presente, Demi.
Carlos pediu lhe
indicando a caixa mal embrulhada. A moça voltou com a mesma pressa que usara
para sair e tentou a todo custo esconder o presente, infelizmente, Joseph conseguiu
visualizar seu conteúdo.
Estupefato. Essa
era a palavra para descrever como o rapaz ficou. Depois disso, foi impossível
não encarar o pai com uma ruga na testa. Seu velho estava enlouquecendo de uma vez?
— Algum problema?
Um claro desafio.
Joseph quis dizer que sim... Mas não era de sua conta. Nada daquilo era de sua
conta. Sem qualquer comentário, voltou a sua sala e se trancou.
“Que inferno
estava acontecendo naquele lugar? Que inferno ele ainda fazia ali?”
A promessa foi
cumprida: o dia foi terrível, nada funcionou. Muitos funcionários voltando para
casa com uma virose que resolveu dar uma circulada no prédio.
A noiva de Joseph
estava descontando seu nervosismo nos subalternos. A cena do elevador
contribuiu em muito para piorar seu humor, já tenso pelos preparativos do casamento.
Ele, preocupado
demais com suas próprias demandas, nem mesmo tentou apaziguar as coisas.
No almoço Dulce
mal falou com ele. Não que isso fosse de todo ruim. Ele não estava com
disposição para conversas mesmo. Em momentos como aquele Joseph se perguntava
como incentivara a contratação de sua futura esposa pela empresa da família,
aquela mistura de pessoal com profissional era uma bomba relógio.
Quando o antigo
tesoureiro se aposentou, Blanda tinha apresentado um currículo invejável ao
sogro. Por ser noiva do Joseph a contratação foi mera formalidade. Bolivatto construtora
era uma empresa familiar. Às vezes, para Joseph, familiar demais, até mesmo sua
madrasta e sua irmã prestavam serviços ocasionalmente.
Com o final da
tarde se aproximando, o rapaz contava os minutos para o fim do expediente,
tentando não deixar o pensamento vagar por caminhos indesejáveis, quando a calmaria
foi rompida por gritos femininos.
Reconheceu a voz
da noiva e saiu preocupado da sala. Não foi longe. Sua noiva aproximava-se
correndo com lágrimas nos olhos. Do outro lado do corredor, Demetria e Carlos passavam
apressados entre os outros empregados. Não teve dúvidas, algo muito ruim havia acontecido.
Algo passionalmente ruim...
Bem, dizer o quê?
Era apenas mais um dia na vida perfeita de Joseph Bolivatto.
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