sábado, 5 de outubro de 2013

CAPÍTULO 1 - FIXAÇÃO

“Fecho os olhos
Pra te ver, você nem percebe
Penso em provas de amor
Ensaio um show passional...”

As primeiras lembranças de Joseph Bolivatto eram das duas mangueiras nos fundos de sua casa. Lembrava-se de muito pequeno deitando no gramado e tentando ver os frutos maduros no alto. Ali construíram seu primeiro balanço. Ali também colocaram a rede onde ele se deitava junto com o pai no final de tarde, quando este chegava do trabalho e contava como foi o seu dia.
Aquelas árvores também lhe garantiram o primeiro braço quebrado. E foi ali atrás que deu os seus primeiros beijos na prima da vizinha que morava ao lado.
Ele foi um garoto muito feliz. Seu melhor amigo na infância foi seu pai, teve sua cota de mimos e de chineladas, mas era feliz. Um garoto muito sensível, perspicaz, que percebia que nem tudo era um mar de rosas a sua volta. Aprendeu a reconhecer o olhar de tristeza que sua avó paterna às vezes adotava. Tomou para a si a obrigação de ser tão bom garoto, que tiraria a aflição do semblante da mulher que tanto amava. Nem sempre conseguia fazer tudo certo, mas acertava na maioria das vezes.
Aprendeu que quando confessava que a amava, o sorriso nascia em sua face, por isso, repetia sempre, em qualquer oportunidade, com beijos e abraços. Levou anos para ele saber que não era a causa do sofrimento da avó. E mesmo quando soube continuou inventando jeitos de fazê-la feliz. Talvez por isso se tornasse o adulto centrado, sensível e bom leitor de pessoas na maior parte do tempo. Assumia a responsabilidade de tornar as coisas mais fáceis e simples na vida das pessoas a sua volta. Quase sempre conseguia.
Com o tempo Joseph tornou-se um especialista em esconder a si mesmo. Fazia isso com tanta propriedade que às vezes ele mesmo tinha dificuldade de saber quem era o homem que via no espelho. Era capaz de fazer exatamente o que era esperado dele, sem se lamentar ou reclamar.
Tinha a rara capacidade de observar sempre as necessidades dos outros antes das suas... Talvez por isso quase nunca fazia algo que fosse apenas para si.
Órfão de mãe aos dois anos de idade cresceu sabendo que não se podia ter tudo. Tinha muitos amigos e a vida confortável de um garoto de classe média alta, ainda assim não cresceu acreditando que o mundo estava a seus pés.
Passou a infância numa casa grande com um pequeno pomar no quintal. Atazanava o juízo da avó com suas “invencionices”...
Quando o garoto tinha sete anos o pai mudou de cidade para assumir os negócios da família, até então, nas mãos do avô, que se encontrava doente. Carlos Bolivatto saiu de casa ainda quando o filho era adolescente. Reconstruiu sua vida em outro estado, com outras mulheres, mas não deixou de administrar os bens da esposa, até mesmo quando se divorciou dela anos mais tarde.
Quando tomou a difícil decisão de ir cuidar dos interesses da mãe, Carlos Bolivatto pediu ao filho que tomasse conta dela, pois precisaria de um homem que a protegesse. Ele nunca questionou isso, nem mesmo na adolescência, quando essa responsabilidade lhe custou caro.
Aos oito anos conheceu seu melhor amigo, Nicholas Jonas. O menino era um novo rico, filho de um sujeito que construiu sua fortuna de forma duvidosa. Os Bolivatto acolheram o garoto desde o primeiro momento, a ponto das duas crianças fazerem tudo juntos. O que era bom e ruim. Foi Nicholas que convenceu o amigo a dar a primeira tragada. Foi também Nicholas que decidiu que Joseph já tinha passado do tempo de dar o primeiro beijo. Também foi com o amigo que numa festa tomou o primeiro porre da sua vida.
Joseph não sabia, mas seria com Nicholas que compartilharia os segredos que nunca conseguiria dividir com mais ninguém. Que aquele sujeito presenciaria a maioria de suas bebedeiras, as de alegria e as de tristeza, sem julgamentos, que estaria ao seu lado nos bons e maus momentos. O único sujeito que teria liberdade eterna de abusar da sua paciência com o seu distorcido senso de humor.
A adolescência foi um período difícil, frustrante, passou parte dela dividido entre o desejo de ir viver com o pai e a necessidade de cuidar da avó. Nunca reclamou, mas de algum modo, criou-se uma enorme distância entre ele e Carlos. Silenciosa e inconscientemente, focou no pai sua revolta. Nunca lhe disse nada, mas simplesmente a amizade que compartilharam na infância foi morrendo até se transformar numa convivência fria e distante.
Apaixonou-se apenas três vezes na vida. Nas três vezes, pela mesma mulher.
A primeira vez foi aos treze anos. Ainda não sabia que era amor, mas desde a primeira vez que viu aquela criatura sentada atrás de uma mesa no escritório do pai, seu mundo mudou.
Nunca percebera a ninguém daquele jeito, mas depois daquele dia tornou-se comum pegar-se pensando nela em vários momentos do seu dia ou inventar circunstâncias para reencontrá-la, para estar perto dela.
Pela primeira vez fora passar as férias na casa do pai. Naquele verão conheceu as duas paixões de sua vida: “Ela” e a arquitetura. Desde então passou a sonhar com o dia em que entraria para o negócio da família: Construir. Desejou ardentemente ficar próximo daquele mundo que tanto o encantara, mas nunca teve a coragem de pedir.
Os sonhos com “ela” vieram depois. De certo modo, sua vida se decidiu naquelas férias. As escolhas que fez para si mesmo depois disso foram meras consequências. Quando voltou para casa, o tempo e a distância fez com que a lembrança daqueles dias quase se apagasse, mas sentia o coração perder o rumo quando se recordava do seu sorriso meio tímido, ou da maneira como ajeitava os cabelos atrás da orelha, ou simplesmente de seu cheiro. Sim, ele era do tipo de pessoa que tinha memória olfativa. Suas melhores lembranças sempre estavam vinculadas a um cheiro especial. Pão doce, manga florescendo, lavanda...
Foi apenas por causa da distância que ele seguiu sua vida como um adolescente normal. Deu seu primeiro beijo ainda naquele mesmo ano, não gostou tanto, foi estranho, desajeitado e “molhado demais”. Seu primeiro pensamento após o ato concretizado foi se, “com ela”, se sentiria do mesmo jeito. O segundo foi melhor exatamente porque fechou os olhos e deixou que a fantasia dominasse seus pensamentos.
A segunda vez que se apaixonou foi aos dezessete. Tinha uma namorada em sua cidade e pensara estar imune aquela velha paixonite, afinal seu corpo reagia muito bem à garota.
E Nicholas dizia que isso era perfeito.
Mais uma vez em visita de férias ao pai depois de três anos.
Durante toda a viagem pensou em como seria o reencontro dos dois. Foi mágico. Ela estava deitada na namoradeira da varanda que dava para a piscina, dormindo. O livro que estivera lendo momentos antes havia lhe escapado das mãos. Não se viam desde aquele verão quando a conhecera, mas ainda assim, seu coração a reconheceu no primeiro vislumbre. O sentimento foi tão forte que por algum tempo ficou ali apenas observando. Chegara a acreditar que tivera uma impressão errada ao conhecê-la, mas ela era mais interessante do que se recordava. Teria ficado ali o resto da tarde, se o pai não chegasse e o pegasse em flagrante.
Foram as férias mais dolorosas de sua vida. Ela estava apaixonada e não era por ele.
Teve que assistir beijos e abraços, sentindo-se corroer de ciúmes e incapaz de simplesmente ir embora, por que só o fato de estar perto dela, já fazia com que se sentisse bem, dolorosamente bem. Dessa vez, ele não teve dúvidas, era amor. E do pior tipo: o não correspondido.
Quando voltou para casa, terminou o namoro, a menina já não lhe era tão interessante.
Envolveu-se com outras garotas, perdeu a virgindade com uma empregada da casa, mesmo assim, a lembrança dela não saia de sua cabeça. Nos anos seguintes, retornou para casa do pai em cada oportunidade que teve, só para vê-la cada vez mais apaixonada e mais feliz.
Estava no segundo ano da faculdade quando decidiu pôr fim aquela tortura e não voltar mais à casa do pai. A resolução durou de seus vinte e dois até os vinte e sete anos. Afastou-se do pai em definitivo, já que para conviver com ele teria que conviver com ela. Tornou-se um famoso mulherengo, pois pegou cada oportunidade que surgiu de substituí-la em seu coração, por mais de uma vez pensou que fora bem sucedido, mas a ilusão nunca durou mais que o tempo suficiente para partir um coração.
Quando percebeu que fugir não resolveria seu drama, apenas tornava ele pior, aceitou fazer parte da empresa da família depois de inexplicavelmente trabalhar por seis anos em outros estados, às vezes para concorrentes diretos. Estava decidido a esquecer e seguir em frente, ou pelo menos aprender a conviver com aquilo e fazer parte da família como deveria ter sido desde sempre.
“Ela” ainda estava lá, no mesmo lugar que a deixou anteriormente: completamente fora de seu alcance. Perto o suficiente para vê-la todos os dias.
Foi à terceira vez que apaixonou pela mesma mulher, mas foi um amor diferente, mais carnal, mais sensual. Do tipo que o fazia fantasiar coisas impossíveis em vários momentos de seu dia. Era adulto e seu amor tinha uma expressão física: Desejo.
Dessa vez ele enfrentou o problema. Em pouco tempo assumiu seu posto na empresa, sossegou. No começo tentou acreditar que agora que estavam próximos, convivendo, perceberia que o que sentia por ela era uma paixonite mal resolvida. Que ela não era tudo o que ele fantasiou durante anos, que tinha defeitos e manias como qualquer outra mulher... E ela era cheia de manias... O problema era que até as manias dela o fascinavam.
Não precisou de muito para entender que nunca amaria outra mulher. E que também ela nunca seria sua. Vencido num campo de batalha sem luta. Foi assim que decidiu que era hora de se aquietar. Arranjou uma namorada e se entregou ao trabalho. Ainda a rondava e observava discretamente, pois era como se apenas por olhar para ela sua vida se tornasse mais fácil de seguir. Paradoxalmente, também dolorosa e mais difícil.
Com seu casamento se aproximando, Joseph tentava se apegar ao futuro, logo teria filhos, muitos filhos para ocupar cada espaço em seu coração. Para que lhe dessem trabalho, sonhava com crianças peraltas que lhe dariam muitos cabelos brancos... E o distrairia de sua obsessão. Enquanto isso a rotina o massacrava.
Naquela segunda-feira, sua última segunda-feira como solteiro, começou do jeito de sempre: o rapaz levantou depois de uma noite insone e foi para o banho. Poucos minutos depois a noiva lhe fez companhia. Sexo a três já que quando fechava os olhos era a outra mulher que estava com ele.
Naquele dia, Blanda saiu cedo, pois passaria em algum lugar para acertar alguma coisa do casamento. Joseph estava alheio a tudo, sabia que a noiva e sua madrasta escolheriam o melhor.
Seu papel era sorrir no altar dentro de alguma roupa elegante. Que elas escolheriam.
Isso não poderia ser muito difícil, certo?
Arrumou-se calmamente, tomou o café e meia hora depois foi para o trabalho, sem imaginar que naquele dia começaria a sequência de eventos que viraria sua vida aparentemente organizadinha de cabeça para baixo.

Era um dia particularmente triste na vida de Demetria Lovato. A saudade de seus pais, mortos há mais ou menos um ano, doía alucinantemente. Ela tinha que fingir que estava tudo bem. Trabalho e amigos, os poucos que possuía, todos contavam que fosse capaz de manter o mínimo de sanidade. Então ela afundava o desespero e a solidão num lugar bem escondido dentro de si e levantava todas as manhãs.
Vestiu seu olhar mais antipático antes de entrar no edifício que trabalhava. Era uma forma de defesa para afastar os outros funcionários. Seus dramas pessoais não deveriam ser motivo de fofocas pelos corredores. Melhor ser a “nojentinha” do escritório, que passar pelo constrangimento de perceber pena no olhar das pessoas.
Respondeu com uma careta como imitação de sorriso o cumprimento da risonha recepcionista. Entrou no elevador alisando a saia, de cabeça baixa para que ninguém visse seus olhos marejados. Estava sozinha, no entanto. Segurando a custo o choro, pressionou o botão do seu andar... Ia ser um dia daqueles...
As portas estavam quase fechadas quando alguém colocou a mão, impedindo seu fechamento completo.
— Bom dia Demetria.
Ela estremeceu. Sempre estremecia com aquela voz perfeita, grossa, rouca... Enfim, de homem. Adorava quando ele falava seu nome. Soava íntimo. Infelizmente o nível de intimidade entre eles era bem menor do que ela desejava.
Patética. Em resumo, nível de carência = 100%.
— Bom dia Sr. Joseph. — conseguiu responder baixinho.
Ela nunca falava alto na presença dele.
O elevador se moveu lentamente, a moça não entendia por que Carlos, seu chefe, insistia em manter aquele ferro velho funcionando, que apesar de estar restaurado era um respeitável senhor de 50 anos, quando poderia trocar tudo por algo novo e mais eficiente.
“A manutenção dele está em dia, Demetria, além disso, tenho boas recordações de alguns apagões dentro dele... Pergunte a Raquel...”
É claro que ela nunca faria esse tipo de pergunta a esposa do seu chefe, por mais que ela fosse como uma segunda mãe.
“Sem falar que os clientes que andam nele — continuou o homem — vivem alguns momentos emocionantes... “essa velharia é segura?”
Bem, nisso o chefe da moça tinha razão: o que deveria ser a vergonha de uma construtora de renome era o seu maior charme.
De qualquer jeito, a moça se concentrou no painel numérico modelo antigo para ignorar o constrangimento de estar tão próxima “dele”.
Olhou para cima durante uma prece silenciosa por autocontrole, mas sabendo intimamente que um homem tão perfeitamente sexy deveria ser criação do capeta.
— Preciso de sua ajuda no fechamento dos projetos do mês.
“Oh, Deus, lá vem ele!”
— Falarei com meu pai para que ele possa me emprestar você.
A primeira reação foi dizer que estava a sua inteira disposição para “qualquer coisa”, mas droga, ela não fazia parte do maquinário para ser “emprestada”. Será que faria algum mal a ele vê-la como algo mais que a mobília? Seu lado prático, profissional e ofendido prevaleceu:
— Joseph, o senhor tem uma secretária excelente... Ela pode muito bem cuidar disso.
Começou a argumentar muito irritada e gostou disso.
— Errado, Srta. Lovato, minha secretária é uma incompetente que não faz nada direito.
— Por que o senhor intimida a garota. Um pouco de educação de sua parte faria maravilhas ao relacionamento de vocês. Acredite. Eu mesma treinei a Ângela.
Edgar parecia surpreso com a língua solta da moça naquela manhã. Normalmente ela concordava com tudo sem pestanejar, só para se livrar dele.
Demi olhou de esguelha para o homem. O desgraçado não estava zangado com sua recusa, trazia aquele sorriso indulgente e sexy. Bem, ele quase nunca se zangava. Tinha a vida perfeita, a noiva perfeita...
“... Mas não tinha a secretária perfeita. Chupa essa, gostosão!”
Depois se deu conta que estava feliz por que o outro tinha um problema. Que tipo de pessoa estava se tornando? Ele não tinha culpa de ser bonito... Que o mundo se rendia as pessoas bonitas tornando suas vidas mais fáceis.
“Inferno!”
Tinha que parar com aquilo. A última coisa que ela queria era ficar babando em cima daquele convencido... No máximo ela iria conseguir um hematoma por escorregar na própria baba.
“Seja objetiva mulher.”
Repreendeu-se. Normalmente não era tão amarga, não a essa hora da manhã ou quando encontrava com ele. De fato, esse era o melhor momento de seu dia. Hoje de alguma forma tudo estava diferente. Como se seu desânimo com a vida finalmente estivesse dominado sua eterna timidez, aumentando potencialmente sua rabugice.
“Vamos, Demi. Um dia de cada vez, sobreviva um dia de cada vez”.
Rezou para que o elevador seguisse rápido, mas ainda havia muitos andares pela frente.
Pouco tempo, mas o suficiente para que sonhasse acordada com o que não poderia ter.

Joseph precisava de uma xícara de café. E uma dose extragrande de paciência.
Recusando-se a perder a fachada de bom humor, ele sorriu consigo mesmo. No fim das contas, por mais que a moça reclamasse, ela teria mesmo que ajudá-lo. Infantil, mas ele estava feliz por não ser o único que precisava se dobrar as circunstâncias...
Um gemido.
No começo Joseph pensou ter ouvido coisas, mas sim, fora um gemido.
— Demetria... Você está bem?
A moça estava recostada num canto do elevador, tinha os olhos fechados e agarrava-se a parede. A moça abriu os olhos lentamente, ao mirar os dele, sua palidez natural realçada.
— Demetria, você está bem?
Dessa vez perguntou com mais firmeza na voz. Possivelmente estava em jejum. Sabia que o pai a obrigava a comer sempre que podia. Seria próprio dela passar mal sem dizer nada.
— Estou... — falou num fio de voz.
Óbvio que Joseph não acreditou.
— Você está pálida demais. — segurou seu braço, ela estava gelada. Sob seu toque a mulher estremeceu.
— Eu estou bem! — falou endireitando o corpo e tentando se afastar, sem conseguir.
— Mas você...
— Já disse que estou bem! — dessa vez a moça foi grosseira.
Puxou a mão com força e quase bateu na mão dele quando ele tentou recuperar o contato.
Finalmente o elevador parou e abriu suas portas. Seria um alívio para Demetria, se Blanda, a noiva de Edgar, não esperasse do lado de fora e percebesse o noivo numa atitude que insinuava algum contato físico com outra mulher. A loira instantaneamente ficou com o semblante carregado.
Demetria prendeu a respiração.
Ótimo, era tudo o que precisava para seu dia ficar mais especial: Uma noiva ciumenta e psicopata em seu pé.
— Joseph?! — A sobrancelha arqueada numa muda cobrança de explicação.
Sim, o dia prometia.
Blanda não disse nada ao noivo. Foi até o seu escritório e se trancou lá. Sem querer criar uma situação, Joseph decidiu lhe dar um tempo para que se acalmasse. Embora detestasse seu ciúme doentio, nunca a repreendia em público.
Estava preocupado com Demetria. Seria algo muito próprio dela desmaiar silenciosamente sobre a sua mesa de trabalho.
A secretária do pai era do tipo que detestava incomodar, ou chamar a atenção para si.
Suas atitudes para passar despercebida às vezes soavam como grosserias, mas ele, como bom observador que era, conhecia a melhor amiga de sua irmã o suficiente para saber que no fim era apenas timidez.
Ela havia perdido muito peso nos últimos tempos. Andava abatida, talvez estivesse doente... Ele precisava falar com o pai. No mínimo o velho arrastaria a secretária para a emergência sem levar em conta seus protestos, ou a obrigaria a pôr algo no estômago.
Resoluto, foi ao escritório de Carlos. No caminho ficou cogitando que talvez a moça não recebesse bem sua intervenção.
“Ela já te detesta mesmo, qual seria a novidade?”
A ala da presidência era ampla e tomava um terço do andar. Era composta por três cômodos adjuntos: a antessala da secretária da presidência, uma espécie de recepção onde havia as entradas das outras dependências: uma sala de conferência e finalmente a sala do presidente.
O rapaz encontrou a mesa da secretária vazia. Uma oportunidade, talvez conseguisse falar com seu pai sem que a mulher soubesse. Era provável que estivesse no banheiro ou na cantina. Aproximou-se, a porta da sala do pai entreaberta e logo reconheceu seu engano, a secretária estava ali, nos abraços de Carlos Bolivatto, chorando desoladamente.
Deveria ir embora, mas não conseguiu. Ficou ali... Congelado, sem saber o que fazer...
Odiava ver mulher chorar. Seria capaz de fazer qualquer coisa para acabar com aquilo, mas ficou apenas parado. Dividido. Com a estranheza de invadir a intimidade de outros, mas o poderoso desejo de entender o que acontecia.
Quando a moça estava mais controlada e a ponto de se afastar, o chefe a impediu.
— Eu sei de tudo o que você está passando, sei que é difícil, mas... — Carlos sustentou o rosto feminino, buscando o seu olhar. Usou os polegares para enxugar a face delicada, num gesto íntimo e carinhoso — Vai passar. Tudo passa... Vamos dar um jeito... Deixa comigo que eu resolvo tudo... Você sabe...
Ia falar algo mais, porém de algum modo, o homem percebeu que não estavam sozinhos e ergueu os olhos encontrando os do filho. Depois de um breve momento de hesitação,
Joseph se pronunciou:
— Pai, eu...
Demetria deu-se conta da presença do rapaz com um gemido e afastou-se do chefe rapidamente. Não olhou para Joseph.
Tão rápida quanto foi capaz, ela rumou para a saída.
— Leve seu presente, Demi.
Carlos pediu lhe indicando a caixa mal embrulhada. A moça voltou com a mesma pressa que usara para sair e tentou a todo custo esconder o presente, infelizmente, Joseph conseguiu visualizar seu conteúdo.
Estupefato. Essa era a palavra para descrever como o rapaz ficou. Depois disso, foi impossível não encarar o pai com uma ruga na testa. Seu velho estava enlouquecendo de uma vez?
— Algum problema?
Um claro desafio. Joseph quis dizer que sim... Mas não era de sua conta. Nada daquilo era de sua conta. Sem qualquer comentário, voltou a sua sala e se trancou.
“Que inferno estava acontecendo naquele lugar? Que inferno ele ainda fazia ali?”
A promessa foi cumprida: o dia foi terrível, nada funcionou. Muitos funcionários voltando para casa com uma virose que resolveu dar uma circulada no prédio.
A noiva de Joseph estava descontando seu nervosismo nos subalternos. A cena do elevador contribuiu em muito para piorar seu humor, já tenso pelos preparativos do casamento.
Ele, preocupado demais com suas próprias demandas, nem mesmo tentou apaziguar as coisas.
No almoço Dulce mal falou com ele. Não que isso fosse de todo ruim. Ele não estava com disposição para conversas mesmo. Em momentos como aquele Joseph se perguntava como incentivara a contratação de sua futura esposa pela empresa da família, aquela mistura de pessoal com profissional era uma bomba relógio.
Quando o antigo tesoureiro se aposentou, Blanda tinha apresentado um currículo invejável ao sogro. Por ser noiva do Joseph a contratação foi mera formalidade. Bolivatto construtora era uma empresa familiar. Às vezes, para Joseph, familiar demais, até mesmo sua madrasta e sua irmã prestavam serviços ocasionalmente.
Com o final da tarde se aproximando, o rapaz contava os minutos para o fim do expediente, tentando não deixar o pensamento vagar por caminhos indesejáveis, quando a calmaria foi rompida por gritos femininos.
Reconheceu a voz da noiva e saiu preocupado da sala. Não foi longe. Sua noiva aproximava-se correndo com lágrimas nos olhos. Do outro lado do corredor, Demetria e Carlos passavam apressados entre os outros empregados. Não teve dúvidas, algo muito ruim havia acontecido. Algo passionalmente ruim...

Bem, dizer o quê? Era apenas mais um dia na vida perfeita de Joseph Bolivatto.

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