sábado, 5 de outubro de 2013

CAPÍTULO 3 - NÃO VOU ME ADAPTAR

“Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia”

Era o sábado em que deveria ter acontecido o casamento. Passou o dia inteiro arrumando, atualizando e adiantando alguns projetos inacabados. Muita coisa tinha sido deixada de lado com os preparativos para o enlace, porém agora precisava pôr tudo em ordem.
Se quisesse por o pé na estrada com a consciência tranquila, precisava ao menos arrumar a bagunça na vida profissional.
O desfecho de sua história de amor “ou desamor” vai entender, seria cômico, se não fosse trágico. Estava triste, mas não por ter sido abandonado, mas por que enfim se dera conta que seu destino era à solidão. Nem mesmo seria capaz de viver uma relação de mentira como tantas pessoas conseguiam. Se fosse sincero consigo mesmo, entenderia que a vida a dois não era algo que lhe fora destinado.
O problema de se amar sem ser correspondido é que você está sempre sozinho, mas nunca disponível. Toda mulher que passou por sua vida, irremediavelmente entendeu isso da pior forma.
Blanda entendeu isso, mas ao contrário das outras, soube dar o troco.
Joseph jamais poderia em sã consciência dizer que não mereceu o que a noiva lhe fez.
Depois do primeiro momento de raiva, tudo o que sobrou foi uma onda de alívio. Nada devia a Blanda. Uma culpa a menos para carregar. Além disso, estava livre... Ou quase.
Fraco? Sim, quando se tratava do seu coração era um pateta.
Abandonado e roubado. No fim das contas Blanda havia se vingado onde mais doía: em seu orgulho e em seu bolso. Era a maior fofoca do momento na cidade. Logo Nicholas saberia.
“Não haveria limite para o inferno astral na vida de uma pessoa?”
O seu melhor amigo iria debochar dele até a próxima encarnação, depois de alguma tentativa de consolo possivelmente mal sucedida. Talvez nem isso.
Carlos Bolivatto era outro ponto tenso daquela história. Ele se culpava pela fuga de sua noiva, por causa da briga no jantar dias antes. Poderia ter desfeito a confusão, mas não conseguiria conversar com ele sem ter as emoções sob controle. O que obviamente era improvável num curto espaço de tempo.
Na segunda-feira partiria. Viajar por uns tempos sem destino. Esquecer as coisas, tomar algumas decisões difíceis.
Ainda estava com o firme propósito de ir para bem longe e nunca mais voltar. O que fosse preciso para encontrar a paz de espírito outra vez.
Livre. Joseph nem se lembrava como era a sensação de estar livre. Teria que reaprender a ser só. Certo, agora estava se iludindo. Ele era uma dessas pessoas com o maravilhoso talento de viver na mais completa solidão, mesmo estando rodeado de gente em cada momento de seu dia. Era do tipo que sempre queria mais do que poderia ter.
Estava afundando em auto piedade.
“Perfeito!”
Bem, ele poderia se concentrar na única coisa que lhe dava felicidade: trabalhar.
Trabalhar e trabalhar, até estar tão cansado a ponto de desmaiar sobre a cama. Antes tiraria férias da própria vida, mas quando voltasse iria trabalhar. No momento pensava em viajar pela Índia ou talvez Tibet. Renascer espiritualmente. Aprender a conviver com a dor. Sim, a dor o escolhera para companheiro, quanto mais rápido aceitasse melhor poderia lidar com essa realidade.
“Auto piedade era mesmo uma droga!”
Quase ao meio dia, uma movimentação suspeita na sala de seu pai lhe fez constatar que não estava sozinho. Não queria enfrentar ninguém ainda, seu celular estava desligado por isso, falara com Carlos mais cedo afirmando que estava bem.
Que precisava apenas ficar um pouco sozinho...
Mas que seja... Quando mesmo o acaso respeitou o seu desejo? Sim, nunca.
Para sua surpresa, a primeira coisa que encontrou ao entrar foi dois pares de pernas femininas nuas acomodadas sobre a mesa de mogno do pai. A saia embolada no topo das coxas, a indiferente sensualidade da mulher que ignorava sua presença o pegou de surpresa. O resto do corpo escondido pela cadeira, voltada na direção da janela, apenas mechas de seu cabelo escuro estava visível.
— Demetria?
A moça levou um susto tão grande que quase caiu.
— O que... Ah, você!
O pouco entusiasmo na voz da moça o incomodou.
“Esperava fogos?!”
— Pensei que estava sozinho...
Ajeitando a roupa, a mulher ficou de pé num instante.
— Vim arrumar a bagunça que seu pai está fazendo no “meu” escritório.
A explicação ao mesmo tempo soava a guisa de despedida.
A mulher não o queria ali invadindo um espaço que era seu. Isso fez com que o rapaz cruzasse os braços sobre o peito e a encarasse numa postura intimidadora. Custava ela ser educada?
Havia algo diferente nela naquele dia. O rapaz se deteve examinando a mulher com atenção. Ela estava com um brilho diferente nos olhos. Felicidade? Será que ela estava comemorando sua... Não, ela jamais ficaria feliz com a desgraça alheia.
Seja como for, o brilho trouxe uma luminosidade sexy a sua fisionomia. Demetria não tinha a beleza madura e estonteante de Raquel, nem a beleza desinibida de Beth, normalmente ficava meio apagada entre as duas amigas, porém, era incrivelmente sexy a seu modo.
— Algum problema? — perguntou a moça num tom cortante.
Percebeu que a estava encarando, mas daquela vez não e intimidou:
— Não! — Respondeu no mesmo tom.
Depois de uma intensa troca de olhares fulminantes, a moça desviou o olhar, fechando os olhos por algum tempo.
Quando os abriu novamente, um imenso cansaço havia apagado o brilho anterior.
— Você vai me deixar trabalhar ou não?
Certo, por que ele estava irritado? Demetria era a segunda no comando, mais que uma secretária, era uma assistente pessoal, faz-tudo, como a mãe dela um dia fora. A empresa era mais dela que de qualquer outra pessoa. Talvez até mesmo mais do que de seu pai, pois a moça tinha uma compreensão de seu funcionamento como poucos possuíam. Não ia ser umas férias forçadas que mudaria isso. Ela tinha todo o direito de expulsá-lo de onde quer que fosse. Era ele que estava sobrando ali.
— Desculpe incomodar, vou te deixar em paz.
Algo, no entanto a fez recuar. Joseph estava com a mão na maçaneta quando a moça perguntou num tom conciliatório:
— Dia duro?
A pergunta de Demi o surpreendeu.
— Vida dura?! — Respondeu perguntando no mesmo tom.
Ela sorriu indulgente. Com indulgente indiferença de quem lida com um menino birrento que perdeu seu brinquedo favorito. Foi exatamente assim que se sentiu quando ela retrucou:
— Você não faz ideia do que é ter uma vida dura Joseph. Veja as coisas por outro ângulo: você se livrou de um grande problema.
— Ou arranjei outros...
Mal concluiu a replica e já se arrependeu. Aquilo soou melodramático e inoportuno.
Todo mundo sabia que os últimos anos na vida da moça foram um pesadelo.
A mulher o examinou atentamente, então perguntou:
— Você preferiria que esse casamento fosse adiante?
“Não!”
Quis dizer, mas apenas respondeu:
— Não sei. Talvez.
Ele disse aquilo?! Estava fazendo papel de idiota. Sabia disso, mas não conseguia parar. Talvez fosse pela expressão contrariada e impaciente na mulher a sua frente que o impelisse a agir como tolo. O brilho de raiva em seu olhar a deixava incrivelmente mais bonita e ele gostava disso. Melhor raiva que pena.
— Livrou-se de uma vadia. Faça uma despedida de solteiro ao contrário para comemorar.
“Você topa?”
O pensamento inoportuno surgiu. Ignorando-o replicou:
— Isso não vai resolver os meus problemas...
Definitivamente tinha chegado ao fundo do poço. Inferno, o que estava acontecendo com ele?
— Bem, talvez então você precise de um choque de realidade.
O ruim de quem sempre teve tudo é que quando perde um pouco não sabe como agir.
Poderia desfazer o mal entendido e explicar a ela seus sentimentos, mas não o fez:
— Estou me abstendo de choques no momento. — seu tom era puro desafio. Conseguiu deixar a mulher de boca aberta. Então numa atitude que o surpreendeu, ela juntou as pastas sobre a mesa, arrumando tudo em um segundo, numa atitude drástica e barulhenta, então apanhou a bolsa.
— A gente quase nunca sabe do que precisa. Às vezes é preciso que alguém nos mostre. Em todo caso, até breve. — completou e se despediu passando por ele.
— Você já vai?
— Sim, tenho consulta médica.
— E veio trabalhar?
Porque ele estava surpreso com isso? A mulher era viciada em trabalho.
— É, tinha desistido, mas agora percebi que ela é muito importante. Te vejo por aí.
Sem entender muito bem o que aconteceu, voltando a sua sala, Joseph se perguntou o que havia feito para que a secretária do pai fosse embora daquele jeito. Porém, de uma coisa sabia: agiu como um idiota. Poucas pessoas suportavam presenciar isso.
Voltou a sua sala. Não conseguia se concentrar outra vez no trabalho, quando finalmente o fez não demorou muito para que se sentisse observado.
— Oi.
Dia perfeito para encontrar fantasmas.
— Oi Raquel.
A mulher parecia não saber o que fazer, o encarou por algum tempo e então se aproximou.
— Como você está?
Parou diante do enteado descansando as mãos em seu abdômen.
Ela gostava do contato físico durante qualquer conversa.
Joseph levou anos para se acostumar com aquilo.
— Bem.
— Não minta para mim...
Aquilo o desmontou. Sua postura, até então ereta, curvou-se sob o peso das emoções.
Em segundos a mulher o acolhia em seus braços. Ficaram ali bastante tempo. O calor dela o envolvendo. A plena sensação de que era amado por alguém. Era raro ele se sentir assim. Mas o contato com sua madrasta ao longo de sua vida nunca fora algo quantitativo, mas qualitativo.
— Vamos comer algo? — A mulher perguntou depois de um tempo.
— Já comi.
A mentira pairou entre eles. Uma expressão de desapontamento nublou as feições da senhora Bolivatto.
— Não faz isso.
— Mas eu já comi.
— Não se trata da comida. Você está indo embora de novo. E eu sinto que dessa vez é para sempre.
Dessa vez Joseph a afastou. Apesar da delicadeza do movimento, foi um distanciamento agressivo, pois uma imensa barreira emocional se formou entre eles.
— É o melhor para todo mundo.
— Não, não é.
— É. Eu não tenho mais condições de sustentar algumas mentiras... Se eu ficar, nossa família se destrói.
— Mas...
— Eu preciso me afastar, pelo bem de todos, principalmente o seu.
Qualquer ameaça contra sua família perfeita amedrontava Raquel. Havia tanta certeza na fala do enteado, que a mulher sentiu medo genuíno dos segredos que ele guardava.
Não demorou muito para que fosse embora. Joseph sentiu muita raiva. Se ela admitisse que nem tudo era perfeito, talvez, só talvez houvesse possibilidade de mudança na situação.
Mas quem ousaria arriscar? Ninguém naquela família por certo. Era mais fácil definhar aos poucos. Morrer aos poucos a cada dia. Ignorar a realidade e fingir que a felicidade existia.
Joseph trabalhou o resto do dia, com a incômoda sensação que devia desculpas por sua atitude. Talvez a Raquel por pressioná-la. Talvez a Demetria por aborrecê-la.
Era final da tarde quando percebeu que estava há meia hora em frente ao computador sem fazer nada. Deixando tudo de lado para o dia seguinte, preparou-se para sair.
A luz acesa na sala de seu pai lhe chamou a atenção quando passava pelo corredor.
Seria Demetria outra vez?
Dirigiu-se discretamente até lá. Encontrou outra cena no mínimo inusitada: a secretária do pai deitada no chão do escritório, as pernas acomodadas sobre uma cadeira próxima enquanto lia algum tipo de documento. Pernas de fora outra vez. Os cabelos espalhados sobre o tapete num sensual desalinho era uma novidade.
“O que faltava para sua semana infernal fechar com chave de ouro? Um processo por assédio sexual.”
— Demetria?
A moça parou o que estava fazendo e olhou para ele com certo desprezo. O nariz incrivelmente empinado que lhe dava um ar de superioridade.
— Desculpe, pensei que estava sozinha. — e se levantou rapidamente. Os movimentos fizeram sua saia preta subir por suas pernas a ponto de mostrar a calcinha vermelha.
Seu corpo reagiu à visão.
Por tudo que era sagrado! Não era mais um adolescente! Teve uma noite regada a muito sexo com a noiva há dois dias, antes da ex-noiva lhe dar o golpe.
“Nossa despedida de solteiro, amor.”
Só agora ele percebia a ironia na voz da mulher. Como ele havia se tornado um idiota perfeito?
Para evitar problemas, avançou pela sala, sentou-se na cadeira do pai, atrás da mesa.
— Quero ajeitar umas coisas antes de entrar de férias na segunda. — ele disse assim que se acomodou — E você, o que ainda faz aqui? Eu pensei que você tinha ido embora.
— Voltei, precisava finalizar uma coisa. Seu pai me deu um tempo para pensar na vida, mas isso aqui está uma zona. Se me decidir por pedir demissão de uma vez, quero ver como ele vai se virar.
A informação o surpreendeu.
— Você vai pedir demissão?!
— Eu não sei, não estou feliz com trabalho. Já não estava antes de sua noiva... Sua ex noiva decidir me usar como tiro ao alvo. Em todo caso, vou tirar trinta dias de férias a partir de segunda-feira. Pretendo aproveitar intensamente cada instante.
Demetria estava animada. Normalmente ela guardava as coisas para si, ou pelo menos guardava as informações sobre sua vida pessoal da maioria das pessoas, dele em especial.
Não se recordava de terem uma conversa muito longa antes disso. Também havia um quê de malícia no olhar da moça tão contagiante que Joseph quase se ofereceu para passar as férias com ela, queria aquele entusiasmo que via em seus olhos na vida dele. Demetria estava mais solta. Desinibida. Leve. Era isso, tinha uma leveza em seu olhar que ele não via desde a adolescência de ambos. Ultimamente ela parecia um ratinho assustado que se sobressaltava com tudo. Gostava dessa mudança.
— Olha. — quis se redimir — Eu gostaria que você me desculpasse... Sei que foi injusta a forma como você foi tratada...
— Deixa para lá. — ela o interrompeu — O problema não foi com você.
— Mas de certa forma eu que causei tudo quando trouxe a Blanda para cá. Também sabia que ela te atormentava com o ciúmes...
— Relaxe... Todo mundo comete erros.
— É, mas...
— Já sei. Um Bolivatto não comete erros, ESQUECI! — havia certo deboche em sua fala — Você é tão arrogante quanto seu pai.
Joseph se surpreendeu. Ele não estava sendo arrogante. Estava se desculpando...
— Está sim. — pareceu adivinhar-lhe os pensamentos — Até quando você tenta ser humilde é arrogante. O mundo não gira em torno do seu umbigo, Sr. Bolivatto.
Certo, o que houve com a menina que quase se escondia quando encontrava com ele?
Precisava admitir que gostava da mudança. Mas relaxado, argumentou:
— Arrogância é o nome do meio dos Bolivatto. Veja a Beth, por exemplo. — finalmente Joseph concedeu com um sorriso irônico.
— É... Minha amiga é um problema... Sempre foi. Os cabelos brancos de seu pai têm a assinatura dela.
“Alguns que ainda vou ter também.”
Admitiu o rapaz só para si. Lembrou-se da irmã com saudades. Estava fugindo dela.
Sabia que naquele momento o estava caçando pela cidade, se imaginasse que ele estava trabalhando, já teria invadido o escritório... Uma adorável intrometida... Sentiria sua falta quando fosse embora.
Sem que se desse conta, a conversa caiu num desses silêncios constrangedores de quando o assunto acaba. Mas Joseph não queria ir embora. Ele não queria ficar sozinho de novo.
Não tão cedo. Numa tentativa quase desesperada de não deixar a conversa morrer ele comentou:
— Eu lamento por sua mãe...
Percebeu na hora que havia tocado no assunto errado. O brilho sumiu de seus olhos.
— Eu não quero falar sobre isso. — foi incisiva.
— Desculpa, eu não...
— Você se desculpa demais. — Impaciente lhe deu as costas.
Ele pensou que ela ia embora, como pela manhã, mas a moça se dirigiu ao barzinho num canto da sala. Era ali que Carlos fechava seus negócios. Quando retornou, equilibrava dois copos e uma garrafa com uísque numa bandeja.
— Aos momentos difíceis da vida. — brindou após lhe oferecer um dos copos. O rapaz tomou tudo num só gole. A mulher observou, ainda não tinha tomado o seu. Ofertou a ele, talvez acreditasse que precisava mais do que ela. Bebeu outra vez num só gole. Sentiu uma leve vertigem. Mas não estranhou. Fazia pelo menos 36 horas, desde a última vez que dormira decentemente. Finalmente o corpo dava sinais que ia desligar.
Ainda sentado, um estranho mal-estar lhe acometeu. Pouco tempo depois, sentiu a cabeça girar.
Indiferente ao seu estado Demetria se preparava para deixar o escritório. A sonolência intensa lhe podava os movimentos, tentou levantar da cadeira, mas caiu de volta. A moça se despediu e falou algo sobre preparar uma festa. Ele quase pediu que ela não fosse, mas lhe faltaram voz e coragem. Ficou ali, esperando o mal-estar passar.
Quando se sentiu um pouco melhor, voltou para ao seu escritório, juntou suas coisas, tentando controlar o sono. Pegou as chaves e se dirigiu a garagem. Lá decidiu que precisava chamar um táxi. Não tinha condições de dirigir. Tirou o celular do bolso, mas este escapou de sua mão. Olhou para o chão. A vertigem aumentou. Não conseguiu visualizar o aparelho. Iria descansar um pouco no carro e então voltaria para procurar.
Mal havia chegado ao veículo, quando as pernas falharam.
Tentou segurar-se, mas os braços também não obedeciam, sentiu-se cair, porém estranhamente não percebeu o corpo atingir o chão antes de perder a consciência por completo.

~*~

Vou tentar postar mais um hoje.
Se não der, posto amanhã. Um ou dois capítulos. ;)
Comentem <3

Nenhum comentário:

Postar um comentário